DECISÃO Trata-se de Pedido de Suspensão de Liminar formulado pelo MUNICÍPIO DE ALTOS contra a decisão proferida, em 09/01/
, pelo Excelentíssimo Juízo da Vara Única da Comarca Altos/PI, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800027-87.2025.8.18.0036, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ.
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poder judiciário tribunal de justiça do estado do piauí GABINETE DO Presidência do Tribunal de Justiça PROCESSO Nº: 0750188-07.2025.8.18.0000 CLASSE: SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (11555) ASSUNTO(S): [Liminar] REQUERENTE: MUNICIPIO DE ALTOSREQUERIDO: 0 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ EMENTA SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO Nº 1230.01/2024 DO MUNICÍPIO DE ALTOS. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA PARA, ENTRE OUTRAS MEDIDAS, SUSPENDER/CANCELAR A REALIZAÇÃO DE SHOW ARTÍSTICO NA “FESTA DA MANGA”, SOB PENA DE INCIDÊNCIA DE MULTAS. LESÃO À ORDEM PÚBLICA E À ORDEM ECONÔMICA. CONFIGURAÇÃO. CRITÉRIO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO. RISCO DE GRAVE DANO FINANCEIRO DECORRENTE DA NÃO REALIZAÇÃO DO EVENTO. SUSPENSÃO DE LIMINAR CONCEDIDA. DECISÃO Trata-se de Pedido de Suspensão de Liminar formulado pelo MUNICÍPIO DE ALTOS contra a decisão proferida, em 09/01/2025, pelo Excelentíssimo Juízo da Vara Única da Comarca Altos/PI, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800027-87.2025.8.18.0036, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. A decisão liminar cuja eficácia se pretende suspender determinou, em síntese, que a Municipalidade: suspenda/cancele a realização “da FESTA DA MANGA, prevista para o dia 09 de janeiro de 2025, devendo ser revogado imediatamente eventuais alvarás (ou quaisquer outros atos administrativos com idêntico efeito autorizativo) expedidos para realização dos eventos musicais, bem como DETERMINAR que não se realize qualquer pagamento atinente ao contrato firmado, inclusive gastos acessórios, como montagem de palco, iluminação, som, recepção, alimentação, hospedagem, deslocamento ou qualquer outro gasto inerente à realização daquele show e que seria suportado por verbas públicas, sob pena de aplicação de multa pessoal em caso de realização dos eventos ora suspensos, no montante de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser imposta ao PREFEITO MUNICIPAL DE ATOS/PI” Em apertada suma, o juízo originário consignou: que existem fortes indícios “de emprego irregular de verbas públicas nos gastos com a organização do evento, tendo em vista que a prefeitura foi previamente intimada em procedimento administrativo instaurado no âmbito municipal, a fim de comprovar a origem vultosa dos recursos a serem utilizados na FESTA DA MANGA, sobretudo com relação ao cachê pago ao artista musical, entretanto, esta ficou inerte”; que o investimento na realização do evento seria desproporcional quando comparado à precariedade dos serviços essenciais prestados pela municipalidade. Nas razões do pedido suspensivo, o ente público alega, em resumo: que o evento cultural promovido – a “Festa da Manga” – é uma festividade que, “além de preservar a identidade cultural do município, contribui significativamente para a economia local, especialmente para pequenos comerciantes, trabalhadores autônomos e prestadores de serviços”; que a contratação por inexigibilidade de licitação foi regular e que as rubricas orçamentárias utilizadas não são vinculadas – são, em verdade, relativos ao incentivo cultural e à promoção de eventos -, não comprometendo a qualidade de serviços públicos essenciais; que há risco de lesão à ordem pública caracterizada pelo impedimento da Administração na realização de políticas públicas; que, de semelhante maneira, há lesão à ordem administrativa configurada na decisão judicial que interrompe, abruptamente, serviços contratados; que “a suspensão do evento cultural, decidido no âmbito exclusivo do planejamento administrativo municipal, provoca uma ruptura na gestão pública, retirando do Poder Executivo a autonomia para priorizar ações que atendam aos interesses locais”; que, além disso, a “decisão gera prejuízos diretos à ordem econômica, já que a festividade tem impacto significativo na movimentação do comércio local, na geração de empregos temporários e na promoção do turismo regional”; que houve uma indevida invasão no mérito administrativo, em violação ao princípio da Separação dos Poderes. Junta documentos, dentre os quais é oportuno destacar: comprovante de pagamento do cachê artístico; documentos do procedimento de contratação pela inexigibilidade, incluindo o contrato administrativo, parecer jurídico da procuradoria, estudo técnico preliminar e documento de exclusividade da pessoa jurídica na apresentação do artista elegido; declaração de adequação orçamentária atestando a possibilidade de pagamento mediante utilização de crédito genéricos; resposta da municipalidade às indagações do Ministério Público em bojo do SIMP nº 000011-154/2025. É o relatório. Segue decisão. O pedido de suspensão é incidente processual que autoriza o Presidente do Tribunal a subtrair a eficácia de decisão liminar ou de antecipação de tutela proferida por magistrado de primeiro grau “para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”, nos termos do art. 4º, caput, da Lei nº 8.437/92 e art. 1º da Lei nº 9.494/97, a saber: Lei 8.437/92 Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Lei 9.494/97 Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992. Entretanto, para a concessão do pedido de suspensão de liminar requer esteja plenamente caracterizada a ocorrência de lesão a esses bens jurídicos difusos tendo em vista o caráter de excepcionalidade da medida. Assim, não são suficientes meras alegações de violação à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, pois os argumentos “devem vir seguidos por fatos perceptíveis de pronto, que lhe deem sustentabilidade, plausibilidade e verossimilhança”1. Independentemente do disposto acima, em regra, revela-se temerário o entranhamento do Poder Judiciário na autonomia administrativa e gerencial da Municipalidade, impedindo o direcionamento de recursos para a implementação de políticas públicas, inclusive culturais. Nesta toada, não se desconhece que a Excelsa Corte já reconheceu, em mais de uma ocasião, ser "lícito ao Poder Judiciário, em face do princípio da supremacia da Constituição, adotar, em sede jurisdicional, medidas destinadas a tornar efetiva a implementação de políticas públicas, se e quando se registrar situação configuradora de inescusável omissão estatal, que se qualifica como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental" (AI 598.212 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, acórdão eletrônico DJe-077, divulgado em 23/04/2014, publicado em 24/04/2014). Assim, entende-se ser legalmente válido ao Judiciário intervir na nas decisões discricionárias do Poder Executivo, apenas quando constatada, suficientemente, inescusável omissão ilícita do ente público. No caso posto, não restou indene de dúvidas a necessidade da excepcional intervenção judicial. Muito pelo contrário, aliás, como se verá adiante. A documentação acostada aos autos pela Municipalidade permite concluir, pelo menos em exame perfunctório, que ela adimple suas obrigações constitucionais e legais em relação à saúde, à educação, etc. Ademais, não se observa, pelo menos nesta superficial e tangencial análise, a ocorrência de máculas relativas à irregularidade do procedimento licitatório ou tredestinação de recursos financeiros originalmente previstos para outras áreas do serviço público. Nesse sentir, observa-se, também, que o decisum desafiado está invalidando decisão administrativa e tolhendo da Administração sua autonomia administrativa, restringindo suas prerrogativas de auto-organizar e regulamentar, sem a justificativa necessária para tanto. Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir os critérios de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa. Nesta linha, a invasão do Poder Judiciário no mérito administrativo inequivocamente causa lesão à ordem pública, na medida em que a prevalência do posicionamento do julgador sobre a dos gestores pertinentes implica em instabilidade institucional e fere os próprios princípios da separação e harmonia entre os Poderes e democrático (artigos 2º e 84, caput e inciso II, ambos da Constituição Federal, e artigos 4º, caput e inciso II, e 102, caput e inciso V, da Constituição Estadual, entre outros). Lado outro, tanto o órgão ministerial quanto o juízo de origem deixaram de observar o efeito econômico prejudicial, tanto sob um aspecto direto quanto indireto, decorrente da decisão prolatada. Em relação ao prejuízo econômico direto, tem-se que o Contrato nº 1230.01/2024, objeto da ação originária, prevê, em seus itens 9.5 e 11.4, a responsabilidade da municipalidade pelo pagamento dos compromissos contratuais já cumpridos, independentemente da rescisão contratual, bem como, em sua Cláusula Quinta, o pagamento integral do valor contratado até a data do evento. Neste momento, isto é, na data evento, torna-se clarividente que qualquer adiamento ou cancelamento do show contratado geraria o dispêndio de mais recursos financeiros, para eventuais indenizações dos artistas e/ou pagamento da infraestrutura já montada. Inclusive, como adequadamente comprova o Requerente, já houve o pagamento integral da quantia contratada. Em verdade, tem-se que, poucas horas antes da realização do evento – momento em que fora proferida a decisão do juízo originário -, toda a estrutura necessária para a realização do evento deve estar montada, e, à míngua de prova em contrário, pode-se imaginar que os danos decorrentes de seu cancelamento atingirão terceiros. Veja-se: ainda que o Poder Judiciário entenda que a política pública da municipalidade deve priorizar outras áreas além da cultural, é certo que a determinação judicial, tal como se encontra no presente momento, não possui o condão de afastar a pretensão de pagamento dos artistas, serviços e fornecedores de bens regularmente contratados, os quais, independentemente da realização, ou não, do evento, disponibilizaram de seus produtos e tempo para atender a demanda contratante. Destarte, é evidente o potencial prejuízo econômico direto que o decisum pode causar aos cofres municipais, os quais serão forçados a aplicar recursos em serviços e bens que não foram efetivamente aproveitados. Noutro aspecto, tem-se também o nítido prejuízo econômico indireto que deve ser levado em consideração pelo juízo. Sem a necessidade de maiores esclarecimentos, é certo que um evento regional nas cidades interioranas possuem o condão de atrair considerável público e população das cidades vizinhas. Este público visitante, por seu turno, injeta capital na economia local, eis que efetivamente realiza gastos na participação de um evento cultural, além dos gastos decorrentes de hospedagem e transporte. Para verificar a veracidade dessa afirmação, basta imaginar que populares podem ter comprado produtos para a revenda na porta do evento, cidadãos de outras cidades podem ter adquirido passagens para deslocamento para a localidade, etc. O cancelamento do evento, em proximidade tão evidente, possui o condão de diminuir e prejudicar a receita esperada a ser arrecada pela população local e pelos empreendimentos próximos, circunstância que, por consequência, também há de impactar na ordem econômica municipal, ainda que sob um aspecto indireto. Tais circunstâncias potencialmente prejudiciais, tanto sob o aspecto direto quanto indireto, evidenciam grave risco de lesão à ordem econômica. De mais a mais, ainda no tocante às limitações das decisões judiciais, a Lei Federal nº 13.655/2018 incluiu os artigos 20 a 30 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). A partir da leitura dos dispositivos introduzidos naquele diploma legal, observa-se a incorporação de verdadeira lógica consequencialista para as decisões proferidas nas esferas administrativa, controladora ou judicial. Nessa direção, cite-se que o artigo 20, caput, da LINDB, impõe que, “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. O parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que “a motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”. O artigo 21 da lei em comento reza que “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”. Nota-se que a decisão impugnada não indicou as suas consequências de forma exaustiva, sobretudo no que toca a relação contratual e eventuais decorrências do inadimplemento por parte da Municipalidade. Ainda, o parágrafo único do artigo 21 da LINDB estatui que “a decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”. A leitura dos dispositivos acima transcritos apenas corroboram o entendimento da necessidade de maior e mais profunda observação às consequências da decisão judicial, as quais, no presente caso, possuem o condão de causar lesão econômica grave. Portanto, ainda que não se tenha prova inconteste da procedência, ou não, das razões de fato que ensejaram a adoção da medida pretendida pelo Parquet na inicial da ação civil pública, afigura-se como a melhor alternativa na presente situação, a suspensão da decisão, vez que, como delineado acima, pode gerar danos incomensuráveis para a ordem e economia públicas. Nesse sentido, verifico a existência de elementos autorizativos para a suspensão da decisão proferida na ação civil pública, ajuizada na origem, como forma de salvaguarda da ordem pública e econômica. Ademais, releva-se oportuno consignar que entendimentos semelhantes em casos símiles já foram registrados por outros Presidentes deste Tribunal de Justiça, tal como se pode observar na análise dos Pedidos de Suspensão de Liminar nº 0760817-79.2021.8.18.0000 e 0754956-10.2024.8.18.0000. Por fim e derradeiro, deve-se registrar que a presente suspensão de liminar não pode ser utilizada como justificativa para isentar ou resguardar o gestor por eventual irregularidade na condução dos procedimentos de contratação, especialmente porque a motivação da concessão do presente deferimento é exclusivamente a proteção à ordem pública e à economia pública. Em verdade, acaso constatado eventual irregularidade, nada obstar que a proteção ao erário seja feita de maneira a posteriori. Em virtude do exposto, com fundamento no artigo 87, caput e inciso XI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (RITJPI), DEFIRO a suspensão dos efeitos da decisão proferida, em 09/01/2025, pelo Excelentíssimo Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Altos/PI, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800027-87.2025.8.18.0036, até o trânsito em julgado do feito. Publique-se, cientifique-se o Ministério Público e intime-se. Comunique-se imediatamente esta decisão ao juízo de primeiro grau. Teresina/PI, data e hora no sistema Desembargador ADERSON ANTÔNIO BRITO NOGUEIRA Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí
(TJPI -
SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA
0750188-07.2025.8.18.0000 -
Relator: ADERSON ANTONIO BRITO NOGUEIRA -
Presidência do Tribunal de Justiça
- Data 09/01/2025
)