TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Cível
APELAÇÃO CÍVEL (198) No 0800319-39.2021.8.18.0060
APELANTE: MARIA JOSE ALVES
Advogado(s) do reclamante: MARIA DEUSIANE CAVALCANTE FERNANDES
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
Advogado(s) do reclamado: KARINA DE ALMEIDA BATISTUCI
RELATOR(A): Desembargador RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO
EMENTA
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PRESCRIÇÃO. RELAÇÃO REGIDA PELO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO OCORRÊNCIA. TRATO SUCESSIVO. INCIDÊNCIA A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO. I – A aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no CDC é incontroversa, porquanto consolidou-se na jurisprudência pátria o entendimento de que deve incidir as normas previstas no CDC às instituições financeiras, portanto, cingindo-se a discussão a saber o termo inicial do referido elastério prazal. II- Nos casos de contrato de empréstimo consignado, a suposta violação do direito e conhecimento do dano e de sua autoria ocorrem de forma contínua, a partir do desconto de cada parcela, isto é, mês a mês, notadamente, porque se trata de relação jurídica de trato sucessivo. III- Como se vê, evidenciado que o prazo prescricional quinquenal, previsto no CDC, renova-se, in casu, mês a mês, porque se cuida de relação jurídica de trato sucessivo, apreende-se dos autos que o Contrato de Empréstimo Consignado n.º 804879202 teve seu último desconto em, abril/2020 (id nº 4185087 – pág. 05), assim, tendo a Ação sido ajuizada em março/2021 (id nº 4185083 – pág. 14), a pretensão da Apelante não prescreveu, uma vez que seu termo final dar-se-ia somente em abril/2025, portanto a anulação da sentença recorrida é medida que se impõe. IV – Apelação Cível conhecida e provida.
RELATÓRIO
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0800319-39.2021.8.18.0060. Apelante : MARIA JOSÉ ALVES. Advogada : Maria Deusiane Cavalcante Fernandes (OAB/PI 19.991). Apelado : BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A. Advogada : Karina de Almeida Batistuci (OAB/BA 7.197-A). Relator : Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO. Vistos etc., Cuida-se, in casu, de Apelação Cível, interposta por MARIA JOSÉ ALVES, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Luzilândia – PI, nos autos da Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização por Danos Morais, proposta em face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., tendo como objeto principal a nulidade do contrato de empréstimo nº 804879202, identificado na petição inicial. Na sentença recorrida (id nº 4185089 - págs. 01/06), o Juiz a quo reconheceu a prescrição da pretensão da Apelante, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, II, do CPC. Nas suas razões recursais (id nº 4185098 - págs. 01/14), a Apelante sustenta a necessidade de reforma da sentença, arguindo que foi reconhecida a ocorrência da prescrição, considerando como termo inicial de incidência do prazo prescricional a data da última prestação debitada nos proventos da autora. O Apelado apresentou contrarrazões (id nº 4185101 - págs. 01/15), pugnando pela manutenção da sentença, aduzindo pela ocorrência do prazo prescricional trienal e que inicia-se a partir do primeiro desconto realizado, para ações que versam sobre repetição do indébito. Juízo de admissibilidade positivo realizado por este Relator nos termos da decisão id nº. 4436847. É o Relatório. Constatando que o presente feito encontra-se apto para julgamento, DETERMINO a sua inclusão na pauta de julgamento do Plenário Virtual da 1ª Câmara Especializada Cível, nos moldes do disposto no art. 934, do CPC. Cumpra-se, imediatamente. Teresina-PI, 27 de janeiro de 2022. Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO RELATOR
VOTO
VOTO I – DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RATIFICO o Juízo de admissibilidade positivo realizado por este Relator conforme decisão id nº 4436847, razão por que reitero o conhecimento deste Apelo. II – DO MÉRITO Na sentença recorrida, o Juiz de 1º grau reconheceu a prescrição da pretensão da Apelante, aplicando o prazo prescricional de trienal, considerando como termo inicial do prazo prescricional a data da primeira prestação debitada dos proventos da parte autora, in litteris: “Anote-se que o termo inicial de incidência do referido lapso prescricional é a data que a primeira prestação foi debitada dos proventos da parte autora. Não é crível, para dizer o mínimo, que a parte requerente não soubesse que estavam ocorrendo os descontos. Ao contrário, as máximas da experiência permitem formação de convencimento do contrário. Se a parte agiu com desídia e nada percebeu durante o lapso prescricional de 03 (três) anos e ainda permaneceu inerte por mais tempo após a finalização do desconto, não pode ter sua incúria tutelada. Da análise dos autos, percebe-se que a ação em comento fora ajuizada em 21/03/2021, conforme se infere da data de distribuição informada no sistema PJE. Assim, do início da contagem do prazo trienal, que deve ser a partir da data do primeiro desconto (09/2015), decorreram mais de 03 (três) anos, ultrapassando o lapso prescricional estabelecido no art. 206, §3º, inciso IV, do Código Civil, restando-se prescrita, portanto, a pretensão autoral. Diante do exposto, JULGO liminarmente improcedente o pedido, com resolução de mérito, pela ocorrência da prescrição, nos termos do artigo 332, § 1º, do Código de Processo Civil..” Quanto ao ponto fulcral do entendimento exposto no decisum recorrido, no caso, vislumbro elementos fáticos e jurídicos à alteração da decisão, uma vez que os argumentos traçados pelo magistrado de piso não se coadunam com a correta aplicação dos ditames legais e jurisprudenciais, sendo que a contagem do lapso temporal para fins de prescrição, nas ações que versam sobre a presente matéria, deve iniciar-se da última parcela. Nos casos de contrato de empréstimo consignado, a suposta violação do direito e conhecimento do dano e de sua autoria ocorrem de forma contínua, a partir do desconto de cada parcela, isto é, mês a mês, notadamente, porque se trata de relação jurídica de trato sucessivo. Dessa forma, em se tratando de modelo negocial de execução continuada, no qual o desconto incide mensalmente nos proventos da Apelante, o prazo prescricional renova-se mês a mês, cada vez que ocorre um novo desconto, tornando-se, assim, conhecido o ato danoso e a sua autoria. Com isso, em homenagem ao princípio actio nata, a prescrição da pretensão de compensação pelos danos morais sofridos difere da referente à repetição do indébito (dano material), sendo a primeira absoluta ou de fundo de direito, renovando-se a cada desconto, e a última relativa ou progressiva, de modo que cada parcela prescreve autonomamente, razão por que o direito à repetição do indébito (art. 42, do CDC) – indenização por dano material – limita-se às parcelas descontadas indevidamente nos 05 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação e àquelas que ocorrerem no curso desta. Nesse diapasão, colaciona-se alguns julgados demonstrativos da jurisprudência dos tribunais pátrios, inclusive deste TJPI, que espelham as razões explanadas, litteris: “EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 27 DO CDC – TERMO INICIAL – DATA DO ÚLTIMO DESCONTO – RECONHECIDA. TESE FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO DEMONSTRADA NÃO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTIFICAÇÃO – PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nos termos do art. 27, do CDC, prescreve em cinco anos a pretensão de obter reparação em vista de cobrança indevida (CDC, art. 27), sendo o termo inicial da contagem do prazo prescricional a data do último desconto. "O termo inicial para contagem do prazo prescricional nas ações que versem sobre empréstimo consignado conta-se a partir do último desconto realizado". (TJMS. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0801506-97-.2016.8.12.004/5000). "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." (Súmula 479, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012) Analisadas as condições econômicas das partes, o valor arbitrado a título de danos morais deve ser fixado de forma a reparar o sofrimento da vítima e penalizar o causador do dano, respeitando a proporcionalidade e razoabilidade. (TJMS. Apelação Cível n. 0800879-26.2017.8.12.0015, Miranda, 3ª Câmara Cível, Relator (a): Des. ODEMILSON ROBERTO CASTRO FASSA, j: 31/08/2020, p: 14/09/2020)”. “APELAÇÃO CÍVEL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1 - Tratando-se de obrigação de trato sucessivo (contrato de empréstimo consignado), onde a violação do direito ocorre de forma contínua, mês a mês, o termo inicial da prescrição é a data correspondente ao vencimento da última parcela e não ao da primeira. Prescrição afastada. Precedentes. 2 – Sentença reformada e determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento do feito. 3 - Recurso conhecido e provido. (TJPI | Apelação Cível Nº 2017.0001.007448-2 | Relator: Des. OTON MÁRIO JOSÉ LUSTOSA TORRES | 4ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 19/12/2017)”. Como se vê, evidenciado que o prazo prescricional quinquenal, previsto no CDC, renova-se, in casu, mês a mês, porque se cuida de relação jurídica de trato sucessivo, apreende-se dos autos que o Contrato de Empréstimo Consignado n.º 804879202 teve seu último desconto em, abril/2020 (id nº 4185087 – pág. 05), assim, tendo a Ação sido ajuizada em março/2021 (id nº 4185083 – pág. 14), a pretensão da Apelante não prescreveu, uma vez que seu termo final dar-se-ia somente em abril/2025, portanto a anulação da sentença recorrida é medida que se impõe. Por fim, ressalte-se que não se ignora a Teoria da Causa Madura (efeito desobstrutivo do Recurso), prevista no art. 1.013, § 4º, do CPC, todavia, no caso sub examen, é impossível a aplicação da referida Teoria, na medida em que o processo não se encontra em estado de julgamento, porquanto não foi efetivada instrução hábil no primeiro grau, não havendo como se examinar acerca da suposta nulidade da relação contratual. Dessa forma, o procedimento correto a ser adotado, in casu, é a reforma da sentença, com a determinação da remessa dos autos do processo à origem, para que seja regularmente desenvolvido e julgado, aliás, para que não seja usurpada a competência da Instância a quo, já que o presente Apelo é desprovido de efeito desobstrutivo. III – DO DISPOSITIVO. Ante o exposto, CONHEÇO da APELAÇÃO CÍVEL, por atender aos seus requisitos legais de admissibilidade, e DOU-LHE PROVIMENTO para ANULAR a SENTENÇA RECORRIDA, por error in judicando, pelo que DETERMINO a REMESSA dos AUTOS do PROCESSO à ORIGEM, para que seja regularmente desenvolvido e julgado pelo Juízo a quo, uma vez que o presente Apelo não é dotado de efeito desobstrutivo. Custas ex legis. É o VOTO. Teresina-PI, 27 de janeiro de 2022. Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO
Teresina, 18/03/2022
0800319-39.2021.8.18.0060
Órgão JulgadorDesembargador DIOCLÉCIO SOUSA DA SILVA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)RAIMUNDO EUFRASIO ALVES FILHO
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA JOSE ALVES
RéuBANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
Publicação18/03/2022