PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0760465-24.2021.8.18.0000
Órgão Julgador: 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL
Origem: 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TERESINA-PI
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Recorrido: REGINALDO LEONARDO DE SOUSA
Defensora Pública: Priscila Gimenes do Nascimento Godoi
Relator: DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE ESTELIONATO. RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU INERTE. DECISÃO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. ARTIGO 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SÚMULA 415 DO STJ. POSSIBILIDADE DE AFASTAR EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PROCESSO SUSPENSO ATÉ 2025. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. In casu, o Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Teresina deixou de considerar que o prazo prescricional em relação ao recorrido está suspenso desde a data de 10/07/2013, quando foi determinada a suspensão do curso de processo e do prazo prescricional, após a sua devida citação por edital (ID 5429599, fls.269/277) e este quedou-se inerte, deixando de apresentar qualquer defesa ou pronunciamento nos autos.
2. Considerando ainda que por inteligência da Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça, o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada, então a prescrição referente ao acusado está suspensa por 12 (doze) anos, ou seja, desde 10/07/2013 até 09/07/2025.
3. Recurso conhecido e provido, para afastar a extinção da punibilidade do recorrido REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, posto que o feito encontra-se suspenso com relação a ele, nos termos do artigo 366, do Código de Processo Penal.
ACÓRDÃO
Acordam os componentes da 1ª Câmara Especializada Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em CONHECER do recurso interposto e DAR-LHE PROVIMENTO, para afastar a extinção da punibilidade do recorrido REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, posto que o feito encontra-se suspenso com relação a ele, nos termos do artigo 366, do Código de Processo Penal, em conformidade com o parecer do Ministério Público Superior, na forma do voto do relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS (Relator):
Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (ID 5429598, fls. 03/07) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Teresina, que extinguiu a punibilidade do recorrido REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, qualificado e representado nos autos, pela prescrição da pretensão punitiva estatal, na forma do artigo 107, inciso IV do Código Penal.
O acusado foi denunciado, juntamente com José Hugo de Lima Filho e Maria das Dores Moura da Silva, pela prática do crime de estelionato.
Narra a denúncia que:
“ o denunciado JOSÉ HUGO DE LIMA FILHO no mês de maio do corrente ano foi até ao estabelecimento comercial do denunciado REGINALDO LEORNADO DE SOUSA- Lanchonete localizada na Rua Félix Pacheco, 1.063, centro, nesta capital- e disse que era funcionário da CEPISA e tinha como reduzir o débito de energia elétrica deste último denunciado que era da ordem de R$ 2.509,00 (dois mil quinhentos e nove reais); que o denunciado REGINALDO LEONARDO DE SOUSA aceitou a ilícita proposta e, naquele momento, pagou ao denunciado JOSÉ HUGO DE SOUSA FILHO, a importância de R$ 300,00 (trezentos reais), e, no dia seguinte, a importância de R$ 200,00 (duzentos reais), porém 15 dias após a energia elétrica daquele foi cortada pela cepisa.”
Em 05/07/2021, o magistrado sentenciante decretou a extinção da punibilidade do estado em face dos acusados REGINALDO LEONARDO DE SOUSA e JOSÉ HUGO DE LIMA FILHO, pela prescrição da pretensão punitiva estatal, na forma do artigo 107, inciso IV do Código Penal.
Em suas razões recursais, o Ministério Público requer que seja afastada a extinção da punibilidade em relação ao acusado REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, em virtude de prescrição da pretensão punitiva estatal, posto que o feito encontra-se suspenso com relação ao mesmo, nos termos do art. 366, do Código de Processo Penal.
Em contrarrazões (ID 5429598, fls.10/16), a Defensoria Pública pugna pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto, para que permaneça o reconhecimento da prescrição retroativa.
Em juízo de retratação, o MM. Juiz a quo manteve a sentença em todos os seus termos (ID 5429599, fls. 365/366).
A Procuradoria Geral de Justiça (ID 5586301, fls. 01/07), em fundamentado parecer, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Piauí.
Revisão dispensável (art.355, RITJ – PI).
Inclua-se o processo em pauta virtual.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos gerais de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica), CONHEÇO dos recursos interpostos pelos Recorrentes.
PRELIMINAR
Não há preliminares arguidas pelas partes.
MÉRITO
No mérito, o Ministério Público requer que seja afastada a extinção da punibilidade em relação ao acusado REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, em virtude de prescrição da pretensão punitiva estatal, posto que o feito encontra-se suspenso com relação ao mesmo, nos termos do art. 366, do Código de Processo Penal.
Inicialmente, registra-se que o recorrido foi denunciado em razão da prática do delito previsto no artigo 171, do Código Penal. Dessa forma, a solução da controvérsia limita-se em saber se ocorreu, no caso em análise, a extinção da punibilidade em relação a ele.
Urge ressaltar que a prescrição em matéria criminal é de ordem pública, devendo ser decretada de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer fase do processo, sempre que constatada.
Isto se justifica na medida em que a prática de um fato definido em lei como crime traz ínsita a punibilidade, isto é, a aplicabilidade da pena que lhe é cominada em abstrato na norma penal, sendo a prescrição uma das causas de extinção da punibilidade, conforme se depreende do disposto no artigo 107 do Código Penal pátrio:
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:(...)
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
No ordenamento brasileiro, a prescrição penal é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo, ou seja, pelo seu não exercício no prazo previsto em lei. Lecionando acerca do conceito de tal instituto, conceitua DAMÁSIO E. DE JESUS, in Prescrição Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva:
"Prescrição é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo"
Assim, a prescrição extingue a punibilidade, baseando-se na fluência do tempo. Se a pena não é imposta ou executada dentro de determinado prazo, cessa o interesse da lei pela punição.
No presente caso, a sentença impugnada foi prolatada e fundamentada nos seguintes termos (ID 5429599, fls.349/350):
“ A denúncia foi recebida em 03/07/2009. (...)
Ocorrida uma causa de extinção da punibilidade torna-se impossível aplicar contra o agente pena ou mesmo medida de segurança, nem mesmo processado o acusado pode ser.
Da leitura dos autos, observa-se que, de fato, já transcorreram o prazo de prescrição previsto na legislação, o que leva à conclusão da impossibilidade de prosseguimento da persecução penal, não havendo outra decisão que não seja a extinção da punibilidade.
Diante do exposto, na forma do art. 61 do CPP, decreto a EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, em face de REGINALDO LEONARDO DE SOUSA E JOSÉ HUGO DE LIMA FILHO pela prescrição da pretensão punitiva na forma do 107, IV do Código Penal.”
No caso, o Magistrado sentenciante considerou a prescrição estatal aos acusados, alegando que entre a data do recebimento da denúncia, em 03/07/2009, e a data da apreciação do fato pela sentença, em 05/07/2021, decorreu mais de 12 anos.
Ocorre que o Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Teresina deixou de considerar que o prazo prescricional em relação ao recorrido está suspenso desde a data de 10/07/2013 (ID 5429599, fls. 279), quando foi determinada a suspensão do curso de processo e do prazo prescricional, após a sua devida citação por edital (ID 5429599, fls. 269/277) e este quedou-se inerte, deixando de apresentar qualquer defesa ou pronunciamento nos autos, in verbis (ID 5429599, fls. 279):
“ Tendo em vista o teor da certidão de fls. 144 dos autos determino a suspensão do processo e do prazo prescricional em relação aos acusados Reginaldo e Maria das Dores, nos termos do art. 366 do CPP, que deverá ficar limitado a 12 anos, a contar desta data. Em relação ao acusado José Hugo determino o prosseguimento do feito, com a designação de audiências, intimações e providências necessárias.
Data (13 de julho de 2013).”
Constata-se que citado por edital, não compareceu em juízo e nem constituiu defensor, por este motivo, o Magistrado de primeiro grau determinou a suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, que diz:
“Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”.
Considerando ainda que por inteligência da Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça, o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada, então a prescrição referente ao acusado está suspensa por 12 (doze) anos, ou seja, desde 10/07/2013 até 09/07/2025.
Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no seguinte sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 366 DO CPP. DURAÇÃO. ART. 109 DO CP. SÚMULA N. 415 DO STJ. TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO SEM LOCALIZAÇÃO DO ACUSADO. NÃO CABIMENTO. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM PROCESSO SUBMETIDO AO REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. "Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso" (STF, RE n. 600.851/DF, submetido à sistemática da repercussão geral).
2. Após o decurso do prazo prescricional, o prosseguimento do feito sem a ciência do acusado ofende os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (STF, RE n. 600.851/DF, submetido à sistemática da repercussão geral).
3. Agravo regimental provido para se conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial.
(AgRg no AREsp 1882368/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. ART. 56 DA LEI N. 9.605/1998. CITAÇÃO POR EDITAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO. ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SÚMULA N. 415 DO STJ. ESGOTAMENTO DO PRAZO MÁXIMO DE SUSPENSÃO. RETOMADA DA PRESCRIÇÃO. MANUTENÇÃO DA SUSPENSÃO DO PROCESSO. ENTENDIMENTO CONFORME TESE FIXADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO STF. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. Feita a citação por edital, caso o réu não compareça em juízo e nem constitua defensor, serão suspensos o processo e a prescrição, consoante o art. 366 do Código de Processo Penal. Essa última, por sua vez, ficará suspensa pelo período indicado no art. 109 do Código Penal, considerando o máximo da pena cominada ao delito do qual o agente é acusado, nos termos da Súmula n. 415 do STJ.
2. Conforme tese fixada pelo STF, com repercussão geral reconhecida, "Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso" (RE n. 600.851/DF, Rel. Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe 23/2/2021).
3. Portanto, em atenção à segurança jurídica e à fidelidade ao sistema de precedentes qualificados, conclui-se que passado o prazo enunciado na Súmula n. 415 do STJ, a prescrição voltará a correr, mas o processo não poderá retomar o seu curso até que o réu compareça em juízo ou constitua advogado.
4. Na hipótese, o agravante foi denunciado pelo crime do art. 56 da Lei de Crimes Ambientais, cuja pena máxima cominada é de 4 anos de reclusão. O acusado foi citado por edital e o Magistrado de primeira instância determinou a suspensão do processo e da prescrição, nos termos do art. 366 do CPP. Passados mais de oito anos sem que o réu haja comparecido em juízo ou constituído advogado - período previsto no art. 109, IV, do CP -, a prescrição voltará a correr, mas o processo não poderá retomar o seu curso.
5. Agravo provido para determinar a suspensão do processo originário até que o réu compareça em juízo, constitua advogado ou que sua punibilidade seja extinta pela prescrição, o que ocorrer primeiro.
(AgRg no RHC 139.924/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 30/04/2021)
Portanto, o feito deve permanecer suspenso com relação ao acusado REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, pelo período de 12 (doze) anos. Dessa forma, constata-se que não transcorreu o lapso temporal exigido para prescrição da pretensão punitiva estatal em face do recorrido, visto que o processo encontra-se suspenso desde julho de 2013 até os dias atuais.
Por fim, esclarece-se que em relação ao outro denunciado, JOSÉ HUGO DE LIMA FILHO, como não houve a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, posto que apresentou defesa, mostra-se correta a sentença que extinguiu a sua punibilidade em razão da prescricional da pretensão punitiva estatal, face ao transcurso de período superior à 12(doze) anos desde a data de recebimento da denúncia, qual seja 03/07/2009 até a prolação da sentença em 05/07/2021.
DISPOSITIVO
Em face do exposto, CONHEÇO do recurso interposto e DOU-LHE PROVIMENTO, para afastar a extinção da punibilidade do recorrido REGINALDO LEONARDO DE SOUSA, posto que o feito encontra-se suspenso com relação a ele, nos termos do artigo 366, do Código de Processo Penal, em conformidade com o parecer do Ministério Público Superior.
É como voto.
Teresina, 21/03/2022
0760465-24.2021.8.18.0000
Órgão JulgadorDesembargador SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a)SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS
Classe JudicialRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
CompetênciaCâmaras Criminais
Assunto PrincipalEstelionato
AutorMINISTERIO PÚBLICO CO ESTADO DO PIAUI
RéuREGINALDO LEONARDO DE SOUSA
Publicação21/03/2022