TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
ÓRGÃO JULGADOR : 2ª Câmara Especializada Criminal
APELAÇÃO CRIMINAL (417) No 0751995-38.2020.8.18.0000
APELANTE: ALEXANDRE DA SILVA ALVES, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PIAUI
APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PIAUI, ALEXANDRE DA SILVA ALVES
Advogado(s) do reclamado: JULIO CESAR MAGALHAES SILVA, RUAN MAYKO GOMES VILARINHO
RELATOR(A): Desembargador JOAQUIM DIAS DE SANTANA FILHO
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. APELO MINISTERIAL. DOSIMETRIA. PERSONALIDADE DO AGENTE. AÇÕES PENAIS EM CURSO. QUANTIDADE DE DROGA. LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO. IMPOSSIBILIDADE. REGIME FECHADO. INVIÁVEL. APELO DO RÉU. DOSIMETRIA. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. PRAZO QUINQUENAL. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.
1 - Mesmo que existam processos com condenação definitiva em desfavor do réu, estes não podem ser utilizados para desvalorar a personalidade do agente. Poderiam, no entanto, servir como vetor negativo para os maus antecedentes, mas como o juízo de primeiro grau optou por valorá-lo como agravante, na segunda fase da dosimetria, não cabe reutilizá-lo na primeira fase, a fim de evitar o bis in idem.
2 - É inconteste que a forma como as drogas estavam acondicionadas transparece o elemento central da traficância, tese sustentada pelo depoimento das testemunhas e do próprio apelante. No entanto, o laudo pericial definitivo aponta tão somente para a existência de 20 (vinte) gramas de cocaína. Quanto aos 88 (oitenta e oito) gramas de outra substancia que foram apreendidos na mesma operação policial, o laudo pericial foi inconclusivo, não apresentando identificação confirmada quanto à natureza da substância.
3 - É fato que o art. 33, § 2º, b, e § 3º, do Código Penal, orienta a fixação do regime inicial da pena e que, além dos parâmetros matemáticos, regime mais gravado poderá ser fixado quando as circunstancias judiciais forem desfavoráveis ao réu, o que não se mostra no caso em apreço.
4 - Ocorre que, a redação do art. 61, I, CP é clara e objetiva. Aponta, em seus termos, que o prazo quinquenal possui como marco inicial o cumprimento efetivo da pena aplicada. Assim, tendo como parâmetro a data que transitou em julgado a sentença condenatória (27 de novembro de 2015), tem-se que a data prevista para o cumprimento efetivo da condenação criminal anterior se daria em 26 de dezembro de 2020. Assim, a partir dessa data é que se inicia o aludido período depurador de 05 (cinco) anos, que se protrairá até a data de 26 de dezembro de 2025, ou seja, bem além do computado pela defesa.
5 – No caso, mesmo que o apelante não possuísse condenação transitada em julgado, o Juiz sentenciante fundamentou o afastamento da causa de diminuição por entender que a ação penal em desfavor do réu permitiu concluir que se trata de pessoa reincidente e que se dedica a atividades criminosas, uma vez que responde a inúmeras ações penais, incluindo a reiteração delitiva em tráfico de drogas.
6 – Apelação conhecida e desprovida.
Decisão:
Acordam os componentes da Egrégia 2ª Câmara Especializada Criminal, à unanimidade, pelo CONHECIMENTO e IMPROVIMENTO dos recursos de apelação interpostos, mantendo a sentença de primeiro grau em seus termos, acordes com o parecer ministerial superior.
RELATÓRIO
Apelação criminal nº ° 0751995-38.2020.8.18.0000
Origem: 7ª Vara Criminal da Comarca de Teresina-PI
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ e Alexandre da Silva Alves
Advogado: RUAN MAYKO GOMES VILARINHO e JULIO CESAR MAGALHAES SILVA
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ e Alexandre da Silva Alves
Relator: Des. JOAQUIM DIAS DE SANTANA FILHO
Trata-se de Apelação Criminal interposta por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ e Alexandre da Silva Alves contra a sentença proferia pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Teresina-PI, que condenou o apelante Alexandre da Silva Alves a pena de 07 (sete) anos e 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, pelo crime tipificado no Art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 (Tráfico de Drogas).
A denúncia narra que no dia 03 de maio de 2019, o apelante Alexandre da Silva Alves teria sido preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas, quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão. Na ocasião, foram apreendidos 22 (vinte e duas) gramas de cocaína, distribuídos em pequenos invólucros, além de balança de precisão e outros instrumentos. Entende, portanto, que ele praticou o delito de tráfico de drogas (Art. 33, caput, da Lei 11.343/2006).
Devidamente processado o feito, sobreveio a sentença ora impugnada.
Irresignado com a decisão, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ interpôs recurso de apelação, pleiteando a revisão da dosimetria penal do apelado com a valoração negativa das circunstâncias da personalidade, quantidade e natureza da droga, bem como a substituição do regime inicial semiaberto para o regime fechado, uma vez que o sentenciado é considerado reincidente.
Em contrarrazões, alega a defesa de Alexandre da Silva Alves, que a sentença guerreada deve ser totalmente reformada, inicialmente com sua absolvição a desclassificação do crime de tráfico de drogas para o delito do art. 28 da Lei de Drogas. Subsidiariamente, pleiteia a redução de sua pena ao mínimo legal, em virtude das supostas circunstâncias do crime e das condições pessoais do acusado, bem como a substituição da pena por outra menos gravosa ao direito subjetivo de liberdade do acusado.
Ademais, pleiteia o apelante Alexandre da Silva Alves, em razões de apelação, que a sentença guerreada deve ser parcialmente modificada com a redução de sua pena ao mínimo legal, por suposta ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis na primeira fase da dosimetria penal e pela impossibilidade de majoração da pena nas fases seguintes por ausência dos critérios. Requer ainda o reconhecimento da causa de diminuição de 2/3 do art. 33, §4º da Lei nº11.343/2006.
Por sua vez, em contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ pleiteia o improvimento do recurso de apelação do Alexandre da Silva Alves por entender que o conjunto probatório dos autos é suficiente para ensejar a condenação do apelante nos exatos termos em que foi proferida, inclusive com a confirmação das penas estabelecidas.
Instada a se manifestar, a Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso interposto.
É o relatório, passo ao voto.
Encaminhem-se os presentes autos à revisão, conforme previsto no art. 356, inciso I, do RITJPI.
VOTO
Juízo de admissibilidade
As apelações criminais interpostas cumprem os pressupostos de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica).
Portanto, devem ser conhecidos os recursos.
Quanto a análise dos recursos, para garantir a organização de ideias, passo a considera-los separadamente, iniciando pelo recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ.
Dosimetria da pena (Personalidade do agente)
Quanto à dosimetria da pena, o apelante argumenta que as circunstâncias judiciais foram valoradas erroneamente, uma vez que estariam presentes os elementos negativos da personalidade do agente.
Tese que não merece prosperar.
O juízo de primeiro grau utilizou como vetores negativos no crime de tráfico de drogas, aptos a exasperar a pena acima do mínimo legal, a conduta social do réu, visto que desde a adolescência já se dedicava às atividades criminosas, vindo a ser alvejado por projetil de arma de fogo em decorrência de desentendimentos e rixas no contexto social em que vive.
No caso, a personalidade deve ser entendida como conjunto dos elementos em que orbitam as qualidades morais e o temperamento do acusado. A toda sorte, por se tratarem de vetores técnicos que merecem aferição por meios de natureza específica, carece dos autos de elementos que sustentem a desqualificação da personalidade do sujeito.
Além disso, a inteligência da Súmula 444 do STJ afasta a utilização de ações penais em curso como forma de exasperar a pena acima do mínimo legal. Assim decidem os tribunais:
APELAÇÃO CRIMINAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CALIBRAGEM X VERIFICAÇÃO DO ETILÔMETRO. PENA-BASE. PERSONALIDADE. AÇÕES EM CURSO. SÚM. 444 STJ. REGIME PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. 1. Os requisitos técnicos exigidos pela resolução 206/2006 do CONTRAN para a validade dos testes de alcoolemia realizados no aparelho etilômetro diz respeito apenas à verificação periódica anual realizada pelo INMETRO, a qual não se confunde com o procedimento de calibração, procedido pelo fabricante apenas quando constatado, por meio da verificação anual, alguma divergência entre o resultado obtido e os padrões definidos pelos órgãos de controle técnico. 2. Tendo o teste de alcoolemia sido realizado dentro do período de validade da última verificação periódica anual, em plena conformidade com a legislação vigente, o seu resultado deve ser considerado plenamente válido como prova da materialidade do delito previsto no artigo 306 do CTB. 3. Não tendo o Magistrado capacidade técnica para aferir qualidades morais e o temperamento do acusado, bem como, sendo inviável a utilização de ações penais em curso para elevação da pena-base, a personalidade do agente deve ser considerada circunstância favorável. 4. Analisadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP em favor do agente, sendo ele primário e permitindo a pena aplicada, o regime deve ser alterado para o aberto e a pena substituída por restritiva de direitos. (TJ-MG - APR: 10481120080629001 MG, Relator: Marcílio Eustáquio Santos, Data de Julgamento: 28/04/2016, Data de Publicação: 06/05/2016)
PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. AUTORIA. PENA-BASE. ANTECEDENTES E PERSONALIDADE. AÇÕES EM CURSO. SÚMULA 444 DO STJ. 1. Conjunto probatório que demonstra a materialidade e a autoria do crime de roubo circunstanciado. A palavra da vítima é de relevo na prova dos crimes contra o patrimônio, ganhando maior força quando em conformidade com outros elementos probatórios, como no caso. 2. Registros penais sem condenação transitada em julgado não servem para valorar negativamente os antecedentes e a personalidade, conforme orienta a Súmula 444/STJ. 3. Apelo parcialmente provido. (TJ-DF - APR: 20140810048612, Relator: MARIO MACHADO, Data de Julgamento: 03/06/2015, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 12/06/2015 . Pág.: 71)
Ainda assim, mesmo que existam processos com condenação definitiva em desfavor do réu, estes não podem ser utilizados para desvalorar a personalidade do agente. Poderiam, no entanto, servir como vetor negativo para os maus antecedentes, mas como o juízo de primeiro grau optou por valorá-lo como agravante, na segunda fase da dosimetria, não cabe reutilizá-lo na primeira fase, a fim de evitar o bis in idem.
Assim decide o STJ, tanto por jurisprudência pacífica, quanto por meio da inteligência da Súmula 241:
Súmula 241 - A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial. (Súmula 241, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/08/2000, DJe 15/09/2000)
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DO ENTORPECENTE. FUNDAMENTOS VÁLIDOS. PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL DO AGENTE VALORADAS NEGATIVAMENTE. CONDENAÇÕES DEFINITIVAS. IMPOSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO DESTA CORTE SOBRE O TEMA. READEQUAÇÃO PENA. REGIME PRISIONAL. PENA SUPERIOR A OITO ANOS. MODO FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO EM PARTE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. Segundo posicionamento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, as condenações anteriores transitadas em julgados justificam a exacerbação da pena-base exclusivamente sob a vertente de maus antecedentes, sendo inidônea a aferição de tais elementos para concluir-se pela personalidade do agente voltada a prática criminosa ou pela sua conduta social inadequada (HC 366.639/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017). 3. Hipótese em que, sendo manifestamente ilegal a aferição das condenações anteriores para desabonar a personalidade e a conduta social do agente, a pena-base deve ser reduzida para 8 anos, mantida a valoração negativa dos maus antecedentes do réu, da quantidade e da natureza do entorpecente, nos termos dos arts. 59 do Código Penal e 42 da Lei n. 11.343/2006. 4. Estabelecida a sanção em patamar superior a 8 anos de reclusão, ficam mantidos o regime inicial fechado e a impossibilidade de substituição da pena reclusiva por restritivas de direitos, nos termos dos arts. 33, § 2º, a, e 44, I, do Código Penal. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a pena-base, resultando a sanção final em 9 anos e 3 meses de reclusão e pagamento de 933 dias-multa. (STJ - HC: 528669 SP 2019/0249157-5, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 05/11/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/11/2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E RECEPTAÇÃO EM CONCURSO MATERIAL. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE RECEPTAÇÃO. PENAS-BASE. CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA AFERIR DE FORMA NEGATIVA A PERSONALIDADE E A CONDUTA SOCIAL DO PACIENTE. NOVO ENTENDIMENTO DA QUINTA TURMA SOBRE O TEMA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. - A Quinta Turma desta Corte Superior passou a entender que anteriores condenações transitadas em julgado não podem ser utilizadas para majorar a pena-base a título de desvalor da conduta social e da personalidade, devendo ser valoradas somente a título de maus antecedentes, na primeira fase da calibragem. Precedentes - Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 431482 SC 2017/0335220-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 09/10/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2018)
Sendo assim, neste ponto, mantenho inalterada a sentença de primeiro grau.
Dosimetria da pena (quantidade de droga)
Em outro momento, ainda sobre a dosimetria, o apelante alega que a quantidade de droga apreendida teria o condão de exasperar a pena acima do mínimo legal, visto que teriam sido apreendidos 108 (cento e oito) gramas de drogas.
Tese que não merece prosperar.
É inconteste que a forma como as drogas estavam acondicionadas transparece o elemento central da traficância, tese sustentada pelo depoimento das testemunhas e do próprio apelante. No entanto, o laudo pericial definitivo aponta tão somente para a existência de 20 (vinte) gramas de cocaína. Quanto aos 88 (oitenta e oito) gramas de outra substancia que foram apreendidos na mesma operação policial, o laudo pericial foi inconclusivo, não apresentando identificação confirmada quanto à natureza da substância.
Dessa forma, não há prova concreta que sustente a argumentação do apelante. Ademais, quanto aos 20 (vinte) gramas confirmados, acertada fora a decisão do magistrado de piso ao considerar a quantidade incapaz de exasperar a pena acima do mínimo legalmente estabelecido. Assim orienta o STJ:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. USUÁRIO E DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA INVESTIGADA. TESES NÃO ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SEGREGAÇÃO FUNDADA NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. HISTÓRICO CRIMINAL DO AGENTE. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. FUNDADO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. CONSTRIÇÃO JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. RECLAMO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. Não há como se examinar a alegação de que o paciente é usuário e viciado em drogas e de que o entorpecente apreendido destinava-se ao seu próprio consumo, o que afastaria a conduta que lhe é imputada, pois tais questões não foram objeto de exame e deliberação pelo Colegiado local ao exarar o acórdão combatido, circunstância que inviabiliza a aspirada análise direta por este Sodalício, sob pena de indevida supressão de instância. 2. Não há constrangimento ilegal quando a manutenção da custódia preventiva está fundada no art. 312 do Código de Processo Penal, notadamente na necessidade de se acautelar a ordem pública, diante das circunstâncias em que ocorrido o delito e do histórico criminal do agente. 3. Caso em que a considerável quantidade e a natureza altamente deletéria da droga encontrada em poder do acusado são fatores que, somados à forma de acondicionamento do material tóxico e à apreensão de apetrechos comumente utilizados no manuseio do estupefaciente, revelam maior envolvimento com a narcotraficância, mostrando que a manutenção da prisão preventiva encontra-se justificada e é realmente necessária para preservar a ordem pública e, consequentemente, acautelar o meio social. 4. Além disso, a custódia faz-se necessária também para evitar a reiteração delitiva, uma vez que o acusado é reincidente específico, tendo inclusive cumprido pena pelo tráfico de drogas, revelando inclinação à criminalidade, concluindo-se pela sua efetiva periculosidade social, o que inviabiliza a pretendida liberdade, já que patente a real possibilidade de que, solto, continue a delinquir. 5. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada e mostra-se imprescindível para acautelar o meio social da reprodução de fatos criminosos. 6. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente conhecido e, na extensão, desprovido. (STJ - RHC: 108516 RS 2019/0048238-5, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 23/04/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2019)
Nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, a quantidade e a natureza da droga apreendida são preponderantes sobre as circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 do Código Penal e podem justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, neste sentido a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça, in verbis:
DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. INCABÍVEL. RECONHECIMENTO DE ATENUNATE. SÚMULA 231 STJ. RECURSO CONHECIDO E JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A materialidade e autoria do delito encontram-se devidamente comprovados nos autos, conforme as provas documentais e orais colhidas em audiência de instrução e julgamento. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que os depoimentos prestados por policiais podem e devem ser utilizados como fundamento para embasar o decreto condenatório, isto, quando apoiados em outros meios de provas, o que ocorre no presente caso. 3. No caso em analise o réu responde por outros processos criminais, não deixam dúvidas acerca da dedicação da mesma a atividades criminosas, o que torna impossível o reconhecimento da minorante prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06. 4. A invocação da natureza e quantidade de droga apreendida constitui motivação idônea para exasperar a pena-base, sobretudo se considerado que esses vetores são preponderantes em relação às circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, conforme define o art. 42 da lei nº 11.343/2006. 5. A análise futura quanto a forma de pagamento da respectiva pena e/ou a respeito de sua impossibilidade financeira de arcar com tal ônus caberá ao juízo de execução. 6. Recursos conhecidos e improvidos.
Assim, mantenho a exasperação da pena base com fundamento tão somente na natureza da droga apreendida, nos mesmos termos da sentença de primeiro grau.
Regime inicial de cumprimento da pena
Neste ponto, argumenta o apelante que mesmo que não seja acolhida a tese de reestruturação da pena, ainda assim existiriam elementos desabonadores na conduta do sujeito que autorizariam a fixação do regime inicial fechado como o mais adequado.
Tese que não merece prosperar.
É fato que o art. 33, § 2º, b, e § 3º, do Código Penal, orienta a fixação do regime inicial da pena e que, além dos parâmetros matemáticos, regime mais gravado poderá ser fixado quando as circunstancias judiciais forem desfavoráveis ao réu, o que não se mostra no caso em apreço. Assim decide o STJ:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA. REGIME INICIAL SEMIABERTO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. RÉU PRIMÁRIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A individualização da pena é uma atividade em que o julgador está vinculado a parâmetros abstratamente cominados pela lei, sendo-lhe permitido, entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Dessarte, ressalvadas as hipóteses de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade, é inadmissível às Cortes Superiores a revisão dos critérios adotados na dosimetria da pena. 2. Na hipótese, observa-se que a pena-base foi majorada em 6 meses de reclusão, tendo como fundamento a quantidade, a variedade e alta lesividade das drogas apreendidas (9,6g de crack e 6,4g de cocaína). Todavia, não sendo significativo o quantum de entorpecente e tendo em vista a análise favorável das demais circunstâncias judiciais, não se mostra adequado o aumento operado pela instância ordinária. 3. Estabelecida a pena em 5 anos de reclusão, sendo favoráveis as circunstâncias judiciais e primário o paciente, o regime semiaberto é o cabível para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, a teor do contido no art. 33, § 2º, b, e § 3º, do Código Penal. 4. Agravo regimental desprovido .(STJ - AgRg no HC: 631949 RS 2020/0328652-2, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 09/02/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2021)
Feito isso, mantenho a sentença de primeiro grau em todos os seus termos e nego provimento ao recurso ministerial.
Passo a analisar o recurso interposto por Alexandre da Silva Alves.
Mérito
Não reincidência (decurso do prazo quinquenal)
Inicialmente, afirma o apelante que o juízo de primeiro grau não poderia ter usado uma condenação transitada em julgado a mais de cinco anos como vetor agravante, visto que o prazo quinquenal do art. 64, I, CP já teria sido esgotado.
Tese que não merece prosperar.
Compulsando os autos, verifico que o apelante teve a pena agravada em virtude de condenação transitada em julgado pelo crime de roubo majorado (art. 157, §2º, inciso II, do CP) em 2015, nos autos do processo 0006026-82.2015.8.18.0140, que tramitou na 4ª Vara Criminal de Teresina-PI. No decreto condenatório da ação penal em comento, a douta magistrada fixou a pena definitiva do réu ALEXANDRE DA SILVA ALVES em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa. Por sua vez, a sentença criminal, prolatada no dia 25 de junho de 2015, transitou em julgado na data de 27 de novembro de 2015.
Ocorre que, a redação do art. 61, I, CP é clara e objetiva. Aponta, em seus termos, que o prazo quinquenal possui como marco inicial o cumprimento efetivo da pena aplicada. Assim, tendo como parâmetro a data que transitou em julgado a sentença condenatória (27 de novembro de 2015), tem-se que a data prevista para o cumprimento efetivo da condenação criminal anterior se daria em 26 de dezembro de 2020. Assim, a partir dessa data é que se inicia o aludido período depurador de 05 (cinco) anos, que se protrairá até a data de 26 de dezembro de 2025, ou seja, bem além do computado pela defesa.
Assim decide o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. DESPROPORCIONALIDADE DO QUANTUM DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRAZO DEPURADOR. DATA INICIAL. EXTINÇÃO DA PENA. 1. A data inicial de contagem do prazo depurador da reincidência é a da extinção ou a do cumprimento da pena, conforme inteligência do art. 64, inciso I, do Código Penal. 2. Não se mostra desproporcional o aumento de 1 ano na segunda fase da dosimetria se considerado haver 6 condenações transitadas em julgado aptas a ensejar a aplicação do instituto da reincidência. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 278007 MG 2013/0324604-0, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 15/10/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2019)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. CONDUTA PRATICADA EM 2010. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORALIS. NÃO OCORRÊNCIA. REINCIDÊNCIA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DEPURADOR DE CINCO ANOS. DATA DO TÉRMINO DO CUMPRIMENTO DA PENA OU DA DECLARAÇÃO DE SUA EXTINÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A posse de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido ou restrito, se praticada até 23/10/2005, é atípica, pois abrangida pela vacatio legis prevista nos arts. 30 e 32, ambos da Lei n. 8.136/2003, com a redação dada pela Lei n. 11.191/2005. 2. Após a edição da Medida Provisória n. 417, que alterou a redação originária do art. 30 da Lei n. 10.826/2003, este Superior Tribunal firmou o entendimento de que apenas para os possuidores de armamento de uso permitido esse termo legal foi prorrogado até o dia 31/12/2009. 3. É típica a conduta do réu flagrado na posse de arma de fogo de uso permitido em 7/1/2010. 4. Para o reconhecimento da agravante da reincidência é necessária a existência de condenação, por crime, com trânsito em julgado anterior à prática do novo delito, bem como a não superação do prazo de cinco anos entre a data do cumprimento da pena relativa ao crime anterior, ou a declaração de sua extinção, e a prática do novo delito. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para excluir a reincidência do cálculo das penas dos delitos de posse de arma de fogo e tráfico ilícito de entorpecentes praticados em 7/1/2010. Determinado o retorno dos autos ao juízo da execução para que proceda à nova dosimetria de pena. (STJ - HC: 218273 SP 2011/0217075-2, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 25/11/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/12/2014)
Por tudo, neste ponto, mantenho afasto a tese recursal e mantenho inalterada a sentença de primeiro grau, incluindo o cálculo dosimétrico da penal.
Do tráfico de drogas privilegiado
Neste ponto, o apelante pugna pelo reconhecido da minorante do tráfico privilegiado, uma vez que é primário, possui bons antecedentes e não se dedicaria a atividade criminosa. Além disso, reafirmar que a condenação passada em julgado já não atingiria os fatos apreciados neste processo, dado o decurso do tempo quinquenal.
Tese que não merece prosperar.
Ressalto que a aplicação da causa de diminuição de pena é condicionada ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: ser primário; possuir bons antecedentes; não se dedicar às atividades criminosas e não integrar organização criminosa, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
No caso, mesmo que o apelante não possuísse condenação transitada em julgado, o Juiz sentenciante fundamentou o afastamento da causa de diminuição por entender que a ação penal em desfavor do réu permitiu concluir que se trata de pessoa reincidente e que se dedica a atividades criminosas, uma vez que responde a inúmeras ações penais, incluindo a reiteração delitiva em tráfico de drogas.
Em correta consonância com o entendimento jurisprudencial:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INCABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. TRÁFICO PRIVILEGIADO. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. RÉU QUE SE DEDICA A ATIVIDADES CRIMINOSAS. NÃO APLICAÇÃO DA MINORANTE. MATÉRIA PACIFICA. 1. É inviável a apreciação de matéria que não foi alegada no momento processual adequado, pois é vedado à parte inovar quando da interposição de agravo regimental ou de embargos de declaração. 2. Este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a existência de processos em curso, conquanto não possa ser considerada para fins de reincidência ou maus antecedentes (Súmula 444/STJ), permite a conclusão de que o agente se dedica a atividades criminosas, constituindo fundamento idôneo para afastar a minorante do tráfico privilegiado. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1664259 ES 2017/0077216-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 13/06/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. OUTRAS PROVAS. SÚMULA 7/STJ. NEGATIVA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. AÇÕES PENAIS EM CURSO. FUNDAMENTO IDÔNEO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Se as instâncias ordinárias asseveram que os depoimentos prestados em juízo pelos policiais estão em consonância com as demais provas colhidas, não é dado a esta Corte contrariar tal conclusão, sob pena de desrespeito ao enunciado da Súmula 7/STJ. Precedentes. 2. Este Superior Tribunal de Justiça entende que os inquéritos policiais e as ações penais em curso podem ser utilizados como fundamento para afastar a causa especial de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 1784892 DF 2020/0289989-2, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 30/03/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/04/2021)
Por tudo, mantenho afastada a causa de diminuição de pena do tráfico privilegiado, pelos motivos já expostos.
Não existem causas excludentes de tipicidade ou de ilicitude, nominadas ou inominadas. De igual forma, são inaplicáveis as causas dirimentes previstas no Código Penal. Também não existem causas extintivas de punibilidade a serem consideradas.
Assim, presentes os elementos configuradores da conduta típica, e inexistentes quaisquer excludentes, dirimentes ou exculpantes, impõe-se a subsunção da conduta imputada ao tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06), conforme os termos da sentença vergastada.
Entendo também desnecessária, neste momento processual, a fixação de medidas cautelares diversas, sobretudo porque não consta pedido ministerial neste sentido.
Dispositivo
Com estas considerações, VOTO pelo CONHECIMENTO e IMPROVIMENTO dos recursos de apelação interpostos, mantendo a sentença de primeiro grau em seus termos, acordes com o parecer ministerial superior.
É como voto.
Como consta da ata de julgamento, a decisão foi a seguinte: Acordam os componentes da Egrégia 2ª Câmara Especializada Criminal, à unanimidade, pelo CONHECIMENTO e IMPROVIMENTO dos recursos de apelação interpostos, mantendo a sentença de primeiro grau em seus termos, acordes com o parecer ministerial superior.
Presentes na Sessão os Exmos. Srs. Des. Erivan José da Silva Lopes, Des. Joaquim Dias de Santana Filho-Relator e Dr. Antônio Lopes de Oliveira (convocado).
Ausente justificadamente: Exma. Sra. Desa. Eulália Maria Pinheiro, em gozo de férias regulamentares.
Impedido/Suspeito: não houve.
Foi presente o(a) Exmo(a). Sr(ª). Dr(ª). Aristides Silva Pinheiro, Procurador(a) de Justiça.
SALA DAS SESSÕES VIRTUAIS DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, em Teresina/PI, de quinze aos vinte e dois dias do mês de outubro do ano de dois mil e vinte e um (15 a 22/10/2021).
Des. Joaquim Dias de Santana Filho
Relator
Teresina, 25/10/2021
0751995-38.2020.8.18.0000
Órgão JulgadorDesembargador JOAQUIM DIAS DE SANTANA FILHO
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a)JOAQUIM DIAS DE SANTANA FILHO
Classe JudicialAPELAÇÃO CRIMINAL
CompetênciaVice-Presidência
Assunto PrincipalTráfico de Drogas e Condutas Afins
AutorALEXANDRE DA SILVA ALVES
RéuMINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PIAUI
Publicação26/10/2021