Decisão Terminativa de 2º Grau

Cláusulas Abusivas 0802538-43.2022.8.18.0075


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

PROCESSO Nº: 0802538-43.2022.8.18.0075
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Cláusulas Abusivas, Repetição do Indébito]
APELANTE: DOMINGOS DE SOUSA ESTRELA, MARIA DE LOURDES BATISTA DE JESUS ESTRELA
APELADO: BANCO PAN S.A.


JuLIA Explica

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CARACTERIZADA. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONCRETIZADOS. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 932, V, “a”, do CPC E ART. 91, VI-D, do RITJPI. ENTENDIMENTO FIRMADO PELAS SÚMULAS 30 E 37 DO TJPI. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

 

DECISÃO MONOCRÁTICA



I - RELATÓRIO

 

Trata-se de Apelação Cível interposta por Maria de Lourdes Batista de Jesus Estrela, representando o espólio de Domingos de Sousa Estrela em face de sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Simplicio Mendes – PI, que julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos termos do art. 487, I, do CPC, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, além de multa de 2% (dois por cento), em razão da litigância de má-fé.

Irresignada, a autora apresentou recurso de apelação (Id. nº 27327457), pugnando pela reforma da sentença, uma vez que o contrato juntado aos autos carece de assinatura a rogo, bem como de comprovante de pagamento válido.

Diante do exposto, requer a nulidade da contratação, com a fixação dos danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e a devolução em dobro os valores indevidamente descontados no seu benefício previdenciário.

A instituição financeira apresentou contrarrazões(Id. nº 27328022), aduzindo, preliminarmente, a ofensa ao princípio da dialeticidade. No mérito, sustenta a regularidade do contrato, assim como inexistência de dano material e moral.

Em razão da recomendação do Ofício Circular 740/2025 – OJOI/TJPI/PRESIDENCIA/GABJAPRE/GABJAPRES2, deixo de encaminhar os autos ao Ministério Público, por não vislumbrar interesse público que justifique sua atuação.

É o relatório.

 

VOTO

 

I – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

 

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso. Mantenho o benefício da justiça gratuita concedido ao apelante no primeiro grau, uma vez preenchidos os requisitos legais.

 

II - PRELIMINARMENTE

2.1– Da violação ao Princípio da Dialeticidade


A preliminar de ausência de dialeticidade, suscitada pelo apelado, não merece acolhimento. Apesar de parte dos argumentos recursais reiterarem a petição inicial, a apelação impugna diretamente os fundamentos da sentença, especialmente quanto à validade do contrato firmado por analfabeto e à inobservância do art. 595 do Código Civil. Assim, preenchidos os requisitos do art. 1.010 e seus incisos, do Código de Processo Civil, afasto a preliminar e passo ao exame do mérito.


III – FUNDAMENTAÇÃO

 

Nos termos do art. 932, V, “a”, do CPC e do art. 91, VI-D, do Regimento Interno deste Tribunal, é possível o provimento do recurso quando contrariar súmula dos tribunais superiores ou desta Corte.

A controvérsia em exame refere-se à validade de contrato de empréstimo consignado firmado com pessoa analfabeta, sem a observância das formalidades legais previstas no art. 595 do Código Civil.

Da análise dos autos, verifica-se que a parte contratante é pessoa em situação de analfabetismo, conforme demonstrado pelo documento de Id. nº 27327427 - Pág. 1/2. Nessas circunstâncias, exige-se o cumprimento das formalidades legais previstas no art. 595 do Código Civil, como a assinatura a rogo, a subscrição de duas testemunhas e a aposição da digital da parte. Confira-se:

“Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.”


Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência consolidada desta Corte, consubstanciada nas Súmulas nº 30 e 37 do TJPI, in verbis:

“ SÚMULA 37 - Os contratos firmados com pessoas não alfabetizadas, inclusive os firmados na modalidade nato digital, devem cumprir os requisitos estabelecidos pelo artigo 595, do Código Civil.”

“ SÚMULA 30 - A ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas nos instrumento de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado ou magistrada, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação.”

 

No caso, o banco réu não se desincumbiu do ônus que lhe competia, nos termos do art. 373, II, do CPC. Tratando-se de contratação com pessoa analfabeta, o contrato nº 313344196-8 (Id. nº 27327436 - Pág. 8/14) encontra-se assinado por apenas 02(duas) testemunhas, enquanto o artigo 595 do CC estabelece a necessidade de assinatura a rogo (terceiro) e duas testemunhas, além da aposição da digital da autora.

Diante das provas constantes nos autos, conclui-se pela nulidade do suposto contrato celebrado, por ausência das formalidades legais essenciais, notadamente a ausência de assinatura a rogo, nos termos dos arts. 166, inciso IV, e 104, ambos do Código Civil.

Registre-se que a instituição financeira apresentou, ainda em primeiro grau, o comprovante de transferência do valor (Id. nº 27327439 - Pág. 1), conforme preconiza a Súmula 18 deste TJPI. Referido documento deve ser considerado como demonstrativo de crédito, sob pena de enriquecimento ilícito da parte autora, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, nos termos do artigo 884 do CC.

Reconhecida a inexistência do negócio jurídico, é devida a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, com compensação do valor efetivamente repassado, conforme art. 368 do CC. O STJ confirma que a repetição em dobro independe de má-fé, bastando a cobrança indevida(EREsp 1.413.542/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021).

Em caso de danos materiais, os juros de mora contam da citação (art. 405 do CC) e a correção monetária incide desde cada desembolso (Súmula 43/STJ). Com a Lei nº 14.905/24, aplicam-se o IPCA para correção e a Selic, deduzido o IPCA, para os juros, conforme os arts. 389, parágrafo único, e 406, §1º do Código Civil.

Quanto aos danos morais, presente a falha na prestação do serviço, restam demonstrados os requisitos para o dever de indenizar. Em relação ao valor da indenização, considerando o caráter compensatório e pedagógico da verba, bem como os parâmetros adotados pela 2ª Câmara Cível em casos semelhantes, entendo como legitima a fixação da quantia no patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Sobre esse montante, os juros de mora incidem desde a citação (art. 405 do CC), e a correção monetária, a partir da data do arbitramento, ou seja, do julgamento (Súmula 362/STJ). Aplica-se o IPCA para a correção e a Taxa Selic, deduzido o IPCA, para os juros moratórios, conforme os arts. 389, parágrafo único, e 406, § 1º, do Código Civil.

Por fim, advirto às partes que a oposição de Embargos Declaratórios ou a interposição de Agravo Interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista, respectivamente, no art. 1.026, § 2º, e no art. 1.021, § 4º, ambos do CPC.

 

IV. DISPOSITIVO

 

Isso posto, com fulcro no artigo 932, V, “a” do CPC c/c art. 91, VI-D do RITJ/PI, conheço do presente recurso e, no mérito, dou-lhe parcial provimento, reformando a sentença recorrida para: a) declarar nulo o contrato firmado entre as partes; b) condenar o apelado a restituir em dobro os valores descontados indevidamente (juros e correção monetária nos termos estabelecidos na decisão); c) condenar o apelado ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais (juros e correção monetária nos termos estabelecidos na decisão), d) determinar a compensação destes valores com aqueles efetivamente creditados na conta da parte autora, sob pena de configurar enriquecimento ilícito, e) excluir a condenação por litigância de má-fé; e f) inverter os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.

Deixo de arbitrar honorários recursais, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil e da tese firmada no Tema 1.059 do Superior Tribunal de Justiça, em razão do provimento parcial do recurso.

Ausente a manifestação do Ministério Público Superior neste recurso.

Intimem-se as partes.

Transcorrido o prazo recursal, proceda-se à baixa e ao arquivamento dos autos.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0802538-43.2022.8.18.0075 - Relator: JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 02/09/2025 )

Detalhes

Processo

0802538-43.2022.8.18.0075

Órgão Julgador

Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

Órgão Julgador Colegiado

2ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Cláusulas Abusivas

Autor

DOMINGOS DE SOUSA ESTRELA

Réu

BANCO PAN S.A.

Publicação

02/09/2025