Decisão Terminativa de 2º Grau

Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes 0812945-10.2022.8.18.0140


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA


PROCESSO Nº: 0812945-10.2022.8.18.0140
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes]
APELANTE: MARIA MARLENE DA SILVA RIBEIRO
APELADO: SERASA S.A., BANCO DO BRASIL SA


JuLIA Explica

EMENTA 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE ANOTAÇÕES LEGÍTIMAS PREEXISTENTES. APLICAÇÃO DA SÚMULA 385 DO STJ. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DO CREDOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

A responsabilidade pela notificação do devedor antes da inscrição em cadastros de inadimplentes é do órgão mantenedor do cadastro (Súmula 359 do STJ). 

A comprovação do envio da correspondência ao endereço do devedor é suficiente para o cumprimento da obrigação de notificação prévia, sendo dispensável o Aviso de Recebimento (AR) (REsp 1.083.291-RS e Súmula 404 do STJ). 

A existência de anotações legítimas e preexistentes em nome do devedor afasta o direito à indenização por danos morais, ainda que a inscrição questionada seja irregular (Súmula 385 do STJ). 

Comprovada a origem da dívida e a inadimplência, a comunicação aos órgãos de proteção ao crédito configura exercício regular de direito do credor (Art. 188, I, do Código Civil). 

Recurso de Apelação Cível conhecido e desprovido. 

  

  

DECISÃO MONOCRÁTICA 

 

RELATÓRIO 

Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA MARLENE DA SILVA RIBEIRO contra a sentença (ID 18094534, p. 1-2) proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Teresina/PI, que julgou totalmente improcedente a Ação de Indenização por Danos Morais cumulada com Obrigação de Fazer ajuizada em desfavor de SERASA S.A. e BANCO DO BRASIL SA. 

Em sua petição inicial (ID 18094278, p. 1-9), a apelante narrou que teve seu nome indevidamente incluído em cadastro de inadimplentes (Serasa) sem a devida notificação prévia, o que, em tese, configuraria ato ilícito e ensejaria a reparação por danos morais. Especificou um débito junto ao Banco do Brasil S.A., no valor de R$ 5.759,29, referente ao Contrato nº 00000000000924957232, com data de inclusão em 04/12/2019. Requereu, além da concessão da justiça gratuita e prioridade de tramitação (em razão da idade), a exclusão de seu nome do cadastro de inadimplentes e a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 50.000,00, bem como a inversão do ônus da prova. 

O apelado BANCO DO BRASIL S.A. apresentou contestação (ID 18094291, p. 1-16), arguindo, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, sob o argumento de que não houve falha em sua conduta, e a inépcia da inicial por ausência de comprovação do dano. No mérito, defendeu a legitimidade da dívida, informando que a apelante é correntista desde 2017 e contratou dois empréstimos CDC (924957232 e 923948965), cujos extratos e comprovantes de contratação foram anexados (ID 18094295, p. 1-35; ID 18094296, p. 1-2; ID 18094297, p. 1-2). Afirmou que a responsabilidade pela notificação prévia é do órgão mantenedor do cadastro e que a apelante possui diversas outras anotações restritivas, o que afastaria o dano moral. 

A apelada SERASA S.A., por sua vez, também contestou a demanda (ID 18094309, p. 1-7), suscitando preliminar de conexão de ações, ao apontar a existência de outras demandas idênticas propostas pela apelante (ID 18128735, p. 1), e impugnação ao valor da causa. No mérito, alegou ter cumprido a exigência de notificação prévia ao enviar o comunicado referente à primeira dívida da apelante, e que a existência de outras anotações legítimas preexistentes em nome da autora (totalizando 9 anotações ativas, sendo 8 não objeto desta lide – ID 18094309, p. 4) afasta o dever de indenizar por danos morais, conforme a Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça. 

Em réplica (ID 18094521, p. 1-2), a apelante reiterou a tese de ausência de comprovação do efetivo encaminhamento da notificação prévia, citando precedente do próprio TJPI (ID 18094522, p. 1-5) que, em outro caso, exigiu a "comprovação do encaminhamento ao devedor". 

O Juízo de primeiro grau proferiu sentença (ID 18094534, p. 1-2) julgando a lide antecipadamente, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil. O magistrado singular concluiu que "houve efetivo envio de correspondência para o endereço da requerente", e que os réus agiram no exercício regular de direito. Assim, julgou totalmente improcedente o pedido, condenando a apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, com exigibilidade suspensa em razão da justiça gratuita concedida. 

Inconformada com a decisão, a apelante interpôs o presente recurso de apelação (ID 18094536, p. 1-3), reiterando a tese de que não houve comprovação do encaminhamento da notificação prévia da inscrição, o que, em sua visão, justificaria a reforma da sentença e a procedência de seus pedidos. 

Os apelados apresentaram contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença: o Banco do Brasil S.A. (ID 18094539, p. 1-13) e a Serasa S.A. (ID 18094541, p. 1-7). 

É o relatório. 

 

FUNDAMENTAÇÃO 

 

A questão central a ser dirimida nesta instância recursal consiste em verificar a regularidade da inscrição do nome da apelante em cadastro de inadimplentes e a consequente existência de dano moral indenizável. 

Inicialmente, cumpre afastar a preliminar de ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A. O credor, ao solicitar a inclusão do nome do devedor em cadastros restritivos, participa da cadeia de eventos que pode gerar o dano, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo da demanda. 

No mérito, a controvérsia se desdobra em dois pontos principais: a obrigatoriedade e a comprovação da notificação prévia da inscrição, e a configuração do dano moral diante da existência de outras anotações preexistentes. 

 

Da Notificação Prévia da Inscrição 

A legislação consumerista e a jurisprudência pátria são claras quanto à responsabilidade pela notificação do devedor antes da inclusão de seu nome em cadastros restritivos de crédito. Tal ônus recai sobre o órgão mantenedor do cadastro, e não sobre o credor. Este entendimento está consolidado na Súmula 359 do Superior Tribunal de Justiça: 

Súmula 359 do STJ 

"Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição." 

Quanto à forma de comprovação dessa notificação, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.083.291-RS), firmou a tese de que é suficiente a comprovação da postagem da correspondência ao endereço do devedor, sendo dispensável o Aviso de Recebimento (AR). Essa tese foi cristalizada na Súmula 404 do STJ: 

"NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO DE CORRESPONDÊNCIA COMUNICANDO PREVIAMENTE A INSCRIÇÃO DO NOME DO CONSUMIDOR EM CADASTRO DE INADIMPLENTES, MEDIANTE AVISO DE RECEBIMENTO – AR. I- Julgamento com efeitos do art. 543-C, § 7º, do CPC. – Para adimplemento, pelos cadastros de inadimplência, da obrigação consubstanciada no art. 43, §2º, do CDC, BASTA QUE COMPROVEM A POSTAGEM, AO CONSUMIDOR, DA CORRESPONDÊNCIA NOTIFICANDO-O QUANTO À INSCRIÇÃO DE SEU NOME NO RESPECTIVO CADASTRO, SENDO DESNECESSÁRIO AVISO DE RECEBIMENTO. – A POSTAGEM DEVERÁ SER DIRIGIDA AO ENDEREÇO FORNECIDO PELO CREDOR. (…) Recurso especial improvido. Não é necessária a comprovação, mediante aviso de recebimento, da notificação prévia do devedor sobre a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, pois o artigo 43, §2º, do CDC não exige tal providência, sendo suficiente que o órgão de proteção ao crédito comprove o envio de correspondência para o endereço fornecido pelo credor." REsp 1.083.291-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 09/09/2009, DJe 20/10/2009 

 

Súmula 404 do STJ 

"É dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros." 

No caso concreto, a Serasa S.A. alegou ter enviado a notificação prévia referente à primeira dívida da apelante. A sentença de primeiro grau, ao analisar o conjunto probatório, concluiu que "houve efetivo envio de correspondência para o endereço da requerente" (ID 18094534, p. 1). Embora a apelante insista na ausência de comprovação, a documentação e a análise do juízo de origem indicam que a Serasa se desincumbiu do seu ônus de comprovar o envio da notificação, conforme a jurisprudência consolidada. 

 

Da Inexistência de Dano Moral em Face de Anotações Preexistentes 

Ainda que se pudesse cogitar de alguma irregularidade na notificação específica da dívida do Banco do Brasil S.A. objeto desta ação, a pretensão de indenização por danos morais esbarra em óbice intransponível: a existência de outras anotações legítimas e preexistentes em nome da apelante. 

A Serasa S.A. comprovou que a apelante possui 9 anotações ativas em seu nome, sendo que 8 delas não são objeto de discussão nesta ação (ID 18094309, p. 4). A apelante, em sua réplica e apelação, não impugnou a legitimidade ou a preexistência dessas outras anotações, nem demonstrou que elas seriam irregulares. 

Nesse cenário, aplica-se a Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça: 

Súmula 385 do STJ 

"Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legitima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento." 

Este entendimento visa coibir o enriquecimento sem causa e reconhece que a pessoa que já possui outras inscrições legítimas (ou não contestadas quanto à sua legitimidade) como mau pagador não sofre o mesmo abalo moral que alguém com um histórico de crédito imaculado. A finalidade da indenização por dano moral é compensar a dor e o constrangimento, e não premiar a inadimplência contumaz ou a busca por indenizações múltiplas. 

A dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil, orienta a interpretação do direito, mas não pode ser invocada para justificar o desvirtuamento da finalidade do instituto da reparação por danos morais. A jurisprudência do STJ, ao editar a Súmula 385, buscou justamente equilibrar a proteção ao consumidor com a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa. 

Do Exercício Regular de Direito do Credor 

No que tange ao Banco do Brasil S.A., a documentação acostada aos autos (ID 18094295, p. 1-35; ID 18094296, p. 1-2; ID 18094297, p. 1-2) demonstra a existência dos contratos de empréstimo e a inadimplência da apelante. A comunicação de dívidas aos órgãos de proteção ao crédito, quando legítima e devida, configura exercício regular de direito do credor, nos termos do Art. 188, I, do Código Civil: 

Art. 188 do Código Civil 

"Não constituem atos ilícitos:  

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;" 

Portanto, a conduta do Banco do Brasil S.A. em reportar a inadimplência da apelante não se reveste de ilicitude, afastando qualquer pretensão indenizatória em relação a ele. 

A existência de múltiplos processos com o mesmo objeto e partes, conforme indicado pela certidão de distribuição anterior (ID 18128735, p. 1) e a decisão de prevenção (ID 21564197, p. 1-2), corrobora a aplicação da Súmula 385 do STJ, que visa justamente evitar a proliferação de demandas indenizatórias em situações de inadimplência contumaz. 

Diante de todo o exposto, a sentença de primeiro grau, ao julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais, alinha-se à jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, especialmente às Súmulas 359, 404 e 385, que são de observância obrigatória pelos tribunais, nos termos do Art. 927 do Código de Processo Civil. 

 

DISPOSITIVO 

Ante o exposto, com fundamento no Art. 932, inciso IV, alínea "a", do Código de Processo Civil, c/c a Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça, CONHEÇO do recurso de apelação interposto por MARIA MARLENE DA SILVA RIBEIRO e a ele NEGO PROVIMENTO, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau em todos os seus termos. 

Custas processuais e honorários advocatícios, fixados na sentença em 10% (dez por cento) do valor da causa, permanecem sob condição suspensiva de exigibilidade, nos termos do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil, em razão da justiça gratuita concedida à apelante. 

Publique-se. Intimem-se. 

 

 

 

TERESINA-PI, 2 de setembro de 2025.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0812945-10.2022.8.18.0140 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 02/09/2025 )

Detalhes

Processo

0812945-10.2022.8.18.0140

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes

Autor

MARIA MARLENE DA SILVA RIBEIRO

Réu

SERASA S.A.

Publicação

02/09/2025