poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0802780-56.2023.8.18.0078
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado]
APELANTE: DEUSORDEANO DA SILVA SOARES
APELADO: BANCO PAN S.A.
DECISÃO TERMINATIVA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL PARA EMENDA DA INICIAL. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS. RECURSO DESPROVIDO.
Visto etc.
Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por DEUSORDEANO DA SILVA SOARES, contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Valença – PI, nos autos da “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS” ajuizada contra BANCO PAN S.A., ora apelado.
Na sentença recorrida, o d. Juízo de 1º Grau julgou: “Diante disso, indefiro a petição inicial e, nos termos do art. 485, I do CPC, extingo o presente processo sem resolução do mérito. Custas pela parte autora, cuja cobrança fica suspensa, diante do deferimento da gratuidade da justiça.”, sob o argumento de que a parte autora, mesmo intimada, não apresentou documentos essenciais para o desenvolvimento regular da lide, conforme exigido. O Magistrado justificou a imposição com base no elevado número de ações semelhantes, mencionando indícios de advocacia predatória e fundamentos extraídos de notas técnicas do TJPI.
Nas razões recursais, sustenta a parte autora que a exigência de comprovante de residência atualizado e em nome próprio configura excesso de formalismo, se mostrando medida excessiva e que impede a acessibilidade à justiça. Requer o provimento do recurso, com a consequente anulação da sentença.
Devidamente intimado, o banco apresentou contrarrazões, pleiteando pela manutenção da sentença.
É o relatório. Decido.
Trata-se, na origem, de demanda que visa a declaração de inexistência da relação contratual com pedido de repetição de indébito e reparação por dano moral.
O magistrado a quo determinou a intimação da parte autora, por intermédio de seu advogado, a fim de que, sob o fundamento de que a demanda se enquadra no conceito de litigância predatória, promovesse a juntada aos autos de documentos considerados imprescindíveis ao regular prosseguimento da ação, notadamente o comprovante de residência atualizado em nome da parte autora. O descumprimento da referida ordem culminou no indeferimento da petição inicial e consequente extinção do feito, sem resolução do mérito.
Pois bem. Analisando-se os autos, verifica-se que a determinação do juiz se baseou no poder geral de cautela, com o objetivo de prevenir lides temerárias, nos termos recomendados pela Nota Técnica nº 6/2023 do Centro de Inteligência deste Tribunal de Justiça (CIJEPI) e na Recomendação nº 127 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Com efeito, diante do expressivo aumento de ações judiciais versando, sobretudo, sobre a anulação de contratos de empréstimos consignados — nas quais se observa, com frequência, a utilização de petições padronizadas, destituídas de documentação mínima necessária à instrução do feito, e a propositura reiterada e desarrazoada de demandas em nome de um mesmo autor —, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí (CIJEPI) elaborou a Nota Técnica nº 06/2023. Tal documento tem por finalidade orientar os magistrados quanto ao exercício de seu poder-dever de adotar diligências cautelares diante da existência de indícios caracterizadores de demanda predatória.
Importante transcrever o conceito de demanda predatória, conforme delineado na referida nota técnica:
“São consideradas predatórias as demandas judicializadas de forma reiterada e, em regra, em massa, fundadas em teses genéricas, desprovidas das particularidades do caso concreto, com simples substituição dos dados pessoais da parte autora, de modo a dificultar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.”
Nesse cenário, para coibir tais demandas, a Nota Técnica nº 06/2023 sugere a tomada de algumas ações, lastreadas no poder-dever geral de cautela do juiz, previsto no art. 139, inciso III, do Código de Processo Civil, quais sejam:
"a) Exigir apresentação de procuração e de comprovante de endereço atualizado, além da outorga de poderes específicos no mandato, nos casos de juntada de procuração em via não original e/ou desatualizada, ou até mesmo quando existe divergência quanto ao endereço;
b) Determinar a apresentação de extrato bancário do período, para comprovar diligência prévia na aferição da viabilidade jurídica da pretensão por meio da confirmação de que o valor do empréstimo não teria sido disponibilizado à parte autora;
c) Intimação pessoal da parte autora para que esclareça ao oficial de justiça se contratou o profissional habilitado nos autos para a propositura da ação, se firmou a procuração acostada nos autos e como se deu a contratação;
d) Determinação à parte autora para exibir procuração por escritura pública, quando se tratar de analfabeto;
e) Determinar a comprovação de autenticidade através do reconhecimento de firma."
O entendimento do TJPI, consolidado na Súmula nº 33, autoriza a exigência dos documentos acima referidos quando houver fundada suspeita de litigância predatória, com base no art. 321 do CPC.
Entretanto, tal análise deve ser realizada de forma concreta e casuística, sob pena de afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF).
No caso em apreço, a parte apelante não apresentou o comprovante de residência atualizado, como fora determinado pelo magistrado, visto que quando tentada intimação no endereço indicado na inicial, sem sucesso e com o resultado “desconhecido”.
Verifica-se, no caso, que o Juízo de primeiro grau atuou de forma adequada, com fundamento em seu poder geral de cautela, ao identificar, de forma fundamentada, indícios de litigância abusiva. A medida adotada mostra-se justificada, especialmente diante da generalidade da petição inicial.
Intimada para apresentar tal documento, a parte apelante juntou apenas a Certidão de Cadastro Eleitoral, demonstrando somente o Município de residência.
Conforme entendimento pacificado neste Tribunal, consubstanciado na Súmula nº 26, é legítima a exigência de prova mínima do fato constitutivo do direito alegado, mesmo em hipóteses de inversão do ônus da prova nas ações que envolvem contratos bancários.
No caso concreto, a utilização de petição padronizada, com alegações genéricas no sentido de que caberia exclusivamente ao banco apresentar o comprovante de crédito do valor objeto do contrato impugnado, reforça os indícios de demanda abusiva. Tal circunstância justifica a exigência dos extratos bancários, como forma de demonstrar, ao menos, indício mínimo do direito à repetição do indébito em dobro, também pleiteada na inicial.
Importa destacar que o E. TJPI pacificou sua jurisprudência sobre a matéria, in verbis:
Súmula nº 33 – “Em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil”.
Não merece acolhimento a alegação de excesso de formalismo por parte do Juízo de origem. Ao contrário, é dever do magistrado, em observância ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), verificar, antes da análise do mérito, se o exercício do direito de ação ocorre de forma adequada, razoável e sem abusos.
A atuação do Juízo de primeiro grau, ao adotar diligências voltadas à adequada condução e instrução do feito, evidencia a busca pela verdade dos fatos, bem como o compromisso com a prevenção de abusos processuais e com a preservação da dignidade da Justiça e da boa-fé.
Nesse contexto, o poder do magistrado para determinar a emenda da petição inicial encontra respaldo no art. 321 do CPC, não havendo, portanto, violação aos princípios invocados pelo apelante, tampouco amparo às demais alegações recursais, as quais devem ser rejeitadas.
Assim, não merecem prosperar as alegações da parte autora/apelante no tocante a determinação do Magistrado, pois, cuida-se de documentos mínimos, indiciários da causa de pedir da parte autora, e mais, visam afastar a fundada suspeita de demanda abusiva ou predatória, conforme enunciado da Súmula nº 33 e orientação da Nota Técnica nº 06/2023, deste E. TJPI.
As peculiaridades do caso concreto, notadamente a propositura da ação desacompanhada de substrato probatório mínimo, legitimam a atuação diligente do magistrado de primeiro grau na condução do feito, com o escopo de resguardar a regularidade procedimental e a higidez do contraditório, nos termos do art. 139, incisos III e IX, do Código de Processo Civil.
Com efeito, a providência determinada pelo juízo a quo — não atendida pela parte apelante, revelando manifesta inércia — não configura excesso, tampouco desvio de finalidade, estando em consonância com o dever de cautela que incumbe ao julgador na apreciação e condução das demandas judiciais. Assim, reitera-se que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.
Ressalte-se, por fim, que as súmulas aprovadas pelo Plenário deste Egrégio Tribunal consubstanciam precedentes qualificados, cuja observância se impõe aos seus membros e órgãos fracionários, nos moldes do art. 927, inciso V, do Código de Processo Civil, autorizando, inclusive, o julgamento monocrático da causa, a teor do que prescreve o art. 932, IV, “a”, c/c art. 1.011, I, ambos do CPC:
“Art. 932. Incumbe ao relator:
[...]
IV - Negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;”
“Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:
I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V.”
Ante o exposto, com fundamento no art. 932, IV, “a” c/c art. 1.011, I, todos do CPC, CONHEÇO da Apelação Cível, e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença em todos os seus termos.
FIXO os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, conforme artigo 85, § 2º, do CPC, sob condição suspensiva, em razão da gratuidade da justiça.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo o prazo recursal sem manifestação, certifique-se e dê-se baixa, arquivando-se os autos.
Cumpra-se.
TERESINA-PI, 2 de setembro de 2025.
0802780-56.2023.8.18.0078
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorDEUSORDEANO DA SILVA SOARES
RéuBANCO PAN S.A.
Publicação02/09/2025