Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0802237-49.2024.8.18.0068


Decisão Terminativa

 

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

PROCESSO Nº: 0802237-49.2024.8.18.0068
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado, Repetição do Indébito]
APELANTE: HONORINA MARIA VALE DE OLIVEIRA
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.


JuLIA Explica

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONTRATO DE REFINANCIAMENTO – REGULARIDADE DEMONSTRADA – PROVA DO REPASSE DO NUMERÁRIO – EXTRATO DO INSS EVIDENCIANDO A EXCLUSÃO DO CONTRATO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO MATERIAL OU MORAL – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

 

DECISÃO TERMINATIVA

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por HONORINA MARIA VALE DE OLIVEIRA em face de BANCO BRADESCO S.A., nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais, referente ao Processo nº 0802237-49.2024.8.18.0068, em trâmite na Vara Única da Comarca de Porto/PI, que julgou totalmente improcedentes os pedidos da autora, com fundamento no art. 487, I, do CPC, e condenando-a nas custas processuais e em honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa, com suspensão da exigibilidade na forma do art. 98, § 3º, do CPC.

Inconformada, a autora interpôs Apelação em 07/08/2025 (ID 27454704), reiterando, em síntese: (i) a inexistência de contratação e de recebimento de valores; (ii) a ausência de apresentação, pelo banco, de contrato assinado e de documentos pessoais essenciais à avença; (iii) a falta de comprovante de transferência eletrônica (TED) do valor do empréstimo, invocando o teor das Súmulas 18 e 26 do TJPI; (iv) o desconto de 01 (uma) parcela de R$ 28,02 no benefício previdenciário (NB 188.879.857-0), com pedido de reforma integral da sentença para declarar a nulidade do débito, condenar à repetição do indébito (em dobro) e à indenização por danos morais.

Regularmente intimado, o banco apresentou Contrarrazões em 25/08/2025 (ID 27454706), pugnando pela manutenção integral da sentença. Em preliminar, impugnou a assistência judiciária gratuita por ausência de comprovação de hipossuficiência. No mérito, sustentou: (i) a validade da contratação eletrônica via aplicativo/terminal com autenticação por cartão e senha/chave de segurança; (ii) a efetiva disponibilização do numerário na conta da autora e a natureza de refinanciamento do ajuste; (iii) a inexistência de ilicitude, afastando repetição de indébito e danos morais; e (iv) a conformidade do decisum com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e deste Tribunal.

O processo foi regularmente instruído e, conforme Ofício Circular nº 174/2021 do TJPI, não houve necessidade de remessa dos autos ao Ministério Público, ante a ausência de interesse público relevante.

É o que importa relatar.

II – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Ao analisar os pressupostos objetivos, verifica-se que o recurso interposto é cabível, adequado e tempestivo. Além disso, não se verifica a existência de fato impeditivo de recurso e não ocorreu nenhuma das hipóteses de extinção anômala da via recursal (deserção, desistência e renúncia).

Ausente o pagamento de preparo, em virtude de a parte Autora, ora Apelante, ser beneficiária da justiça gratuita.

Ademais, não há como negar o atendimento dos pressupostos subjetivos, pois a parte Autora, ora Apelante, é legítima e possui interesse recursal.

Desse modo, conheço do recurso interposto.

 

III – PRELIMINAR - IMPUGNAÇÃO AO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA

À luz do art. 98 do CPC/2015, para a concessão do benefício da gratuidade judiciária, é necessário que o postulante não possua condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família. Todavia, a presunção de pobreza pode ser elidida mediante prova em contrário, conforme art. 7º da Lei nº 1.060/50, hipótese em que o benefício legal pode ser revogado. Confira-se:

"A comprovação do estado de pobreza se faz, em tese, mediante a mera declaração do requerente atestando sua condição de hipossuficiente. No entanto, tal declaração não gera presunção absoluta, podendo ser elidida por entendimento do juízo havendo fundadas razões que justifiquem o indeferimento dos benefícios da gratuidade da justiça." (STJ, Resp nº 1.170.529/MG; Rel. Min. Massami Uyeda, p. 10/02/2010).

Assim, não obstante a necessidade de se provar a insuficiência de recursos para a concessão do benefício, uma vez deferida a gratuidade de justiça, incumbe a parte contrária, impugnante, o ônus de provar que o beneficiário não se encontra em situação econômica difícil e que, por isso, tem como arcar com as despesas processuais. A prova, por sua vez, deve ser incontestável e ficar distante do terreno das argumentações, sob pena de não se revogar o benefício concedido.

No caso em julgamento, não há nada nos autos que nos faça revogar o benefício deferido ao apelante em 1º grau, pois nenhum documento foi juntado pelo Apelante nesse sentido.

Em face do exposto, afasto a presente preliminar arguida.

 

IV DO MÉRITO RECURSAL

Preambularmente, consoante dispõe o art. 932, IV, “a”, do CPC, compete ao relator negar provimento ao recurso que contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal.

Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-B, do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça, senão vejamos:

 

Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:

(…)

VI-B - negar provimento a recurso que for contrário a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016)

Utilizo-me, pois, de tais disposições normativas, uma vez que a matéria aqui trazida já foi amplamente deliberada nesta Corte de Justiça, possuindo até mesmo disposição de súmula.

Pois bem.

Adianto que não merece reforma a sentença recorrida.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que o presente caso deve ser apreciado sob a égide do Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei nº 8.078/90, logo é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor.

Nesse sentido, é o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência, acerca da aplicação do CDC às operações bancárias, o que inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a redação:

Súmula 297 – STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Nas referidas ações, em regra, é deferida em favor da parte Autora a inversão do ônus da prova, em razão da hipossuficiência técnica financeira, a fim de que a Instituição bancária comprove a existência do contrato, bem como o depósito da quantia contratada.

Esta é uma questão exaustivamente debatida nesta E. Câmara Especializada Cível, possuindo até mesmo disposição expressa na Súmula nº 26 deste TJPI, in litteris:

TJPI/SÚMULA Nº 26 – Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.

 

Nesse contexto, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor, contudo, a aplicação da norma consumerista não significa que a demanda promoverá um favorecimento desmedido de um sujeito em prol de outro, pois o objetivo da norma é justamente o alcance da paridade processual.

A controvérsia cinge-se à suposta inexistência de contratação do empréstimo consignado nº 0123488456458, firmado em 30/10/2023, que a autora afirma não ter realizado, bem como à alegação de ausência de repasse de valores e de comprovação documental da avença.

Todavia, os autos revelam situação diversa. Conforme se extrai da documentação juntada pelo banco, houve regular contratação de refinanciamento, sendo a operação realizada mediante uso de cartão, senha e biometria, consoante demonstrado no LOG de ID 70445975 e no extrato bancário de ID 70445974. Ademais, há comprovação do efetivo crédito do numerário na conta da autora, evidenciando que não se trata de contratação inexistente, mas de refinanciamento de operação já existente.

Outro ponto relevante é o extrato previdenciário do INSS (ID 27454677, pág. 04), o qual demonstra que o contrato em discussão foi posteriormente excluído, de modo que não mais incidem descontos no benefício da parte autora. Assim, não subsiste qualquer prejuízo material atual, o que afasta, por consequência, a pretensão indenizatória.

Dessa forma, resta demonstrada a validade do contrato e a regularidade do desconto efetuado, razão pela qual não há falar em repetição de indébito, tampouco em indenização por danos morais, uma vez que ausente qualquer conduta ilícita por parte da instituição financeira.

A sentença examinou detidamente a questão e decidiu em consonância com a prova dos autos e a jurisprudência consolidada acerca da validade de contratações eletrônicas regularmente autenticadas. Nada há a reformar.

De igual modo, não se configura o dever de indenizar, porquanto inexistente ato ilícito. Os descontos decorreram de negócio jurídico válido e eficaz, inexistindo prova de fraude ou vício de consentimento. Eventuais aborrecimentos advindos da contratação regular de empréstimo não ensejam reparação por dano moral, sob pena de banalização da tutela indenizatória.

Também não há falar em repetição em dobro (art. 42, parágrafo único, CDC), uma vez que não demonstrada cobrança indevida nem má-fé da instituição financeira. Ao contrário, os descontos decorreram de contrato válido e lastreado em documentos autênticos.

Ademais, considerando-se suficientemente demonstrada a relação negocial que deu origem aos descontos, descabe a indenização por danos morais ou materiais, pois não configurada qualquer irregularidade.

Assim, correta a sentença que, reconhecendo a licitude da relação contratual e a inexistência de ilícito, julgou improcedentes os pedidos autorais.

V – DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço do recurso, para, no mérito, negar-lhe provimento, com fundamento no art. 932, IV, “a” do CPC, nos termos anteriormente delineados.

Por fim, majoro os honorários de sucumbência recursal em 2% sobre o valor da causa, mantendo, contudo, a sua exequibilidade suspensa em razão da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.

Intimem-se as partes.

Transcorrido o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.

Advirto às partes que a oposição de Embargos Declaratórios ou a interposição de Agravo Interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista, respectivamente, no art. 1.026, § 2º, e no art. 1.021, § 4º, ambos do CPC.

Cumpra-se. 

Teresina, Data do sistema.

Des. José Wilson Ferreira de Araújo Júnior

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0802237-49.2024.8.18.0068 - Relator: JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 02/09/2025 )

Detalhes

Processo

0802237-49.2024.8.18.0068

Órgão Julgador

Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

Órgão Julgador Colegiado

2ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

HONORINA MARIA VALE DE OLIVEIRA

Réu

BANCO BRADESCO S.A.

Publicação

02/09/2025