poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0823266-70.2023.8.18.0140
CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689)
ASSUNTO(S): [Defeito, nulidade ou anulação, Práticas Abusivas]
EMBARGANTE: BANCO BRADESCO SA
EMBARGADO: ALCIMAR SOARES NUNES
DECISÃO TERMINATIVA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO NÃO RECONHECIDO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO QUANTO À PRESCRIÇÃO TRIENAL. AFASTAMENTO. APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS MODIFICATIVOS.
I - RELATÓRIO
Trata-se de Embargos de Declaração (ID. 26923308) opostos por BANCO BRADESCO S.A., com fulcro no art. 1.022, II, do Código de Processo Civil, em face de acórdão proferido nos autos da Apelação Cível, que reformou a sentença de primeiro grau para: (i) declarar a nulidade do contrato de empréstimo; (ii) determinar a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados; (iii) condenar ao pagamento de indenização por danos morais; e (iv) inverter os ônus da sucumbência.
O embargante sustenta, em síntese, omissão do julgado quanto à alegação de prescrição trienal, a qual teria sido devidamente arguida em sede de contrarrazões de apelação, nos termos do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. Aduz tratar-se de matéria de ordem pública, o que impõe o dever de análise ex officio por parte do órgão julgador.
É o relatório. Decido.
II – ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos embargos.
III – MÉRITO
Assiste parcial razão ao embargante.
Com efeito, verifica-se que, ao julgar a apelação interposta por ALCIMAR SOARES NUNES, esta relatoria deixou de se pronunciar expressamente sobre a preliminar de prescrição trienal suscitada nas contrarrazões apresentadas pelo ora embargante.
Nos termos do art. 1.022, II, do CPC, são cabíveis embargos de declaração para “suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”. Ademais, a jurisprudência pacífica reconhece a necessidade de enfrentamento das matérias de ordem pública, como a prescrição, ainda que de ofício, como condição da prestação jurisdicional adequada e válida.
Dessa forma, reconheço a omissão e passo à análise do ponto omitido.
Ao analisar o caso, constato que o mérito recursal trata da incidência ou não do instituto da prescrição sobre a pretensão da parte Recorrente.
Insta salientar, que a ação originária reclama pela declaração de nulidade de relação jurídica ocasionado por suposta conduta negligente da instituição financeira Requerida, que resultou na inclusão no benefício previdenciário da parte Autora/Apelante de descontos para adimplemento de parcelas de empréstimo que diz não ter pactuado.
Importa ressaltar, a princípio, que o caso em voga deve ser apreciado sob a égide do Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei nº 8.078/90, logo, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor.
Nesse sentido, é o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência, acerca da aplicação do CDC às operações bancárias, o que, inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a redação:
STJ/SÚMULA Nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Diante disso, aplica-se o disposto no art. 27, do CDC, in verbis:
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Em relação ao termo inicial, é entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça que o prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto em benefício previdenciário, é a data do último desconto indevido.
Pela pertinência, transcrevo o julgado a seguir:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. 3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1799862/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 05/08/2020 – destacado).
Destarte, o prazo prescricional ocorre em 05 (cinco) anos, a contar da ciência do evento danoso pela parte Autora, quando se tratar de fato do produto ou do serviço, como é o caso aqui em apreço, visto que se trata de apuração sobre desconto contínuo em benefício previdenciário. Nesse sentido, não se trata do prazo trienal da prática civilista, dado que o Código de Defesa do Consumidor possui prazo próprio que regula a prescrição na situação em análise, afastando a aplicação do Código Civil.
Cumpre ressaltar, que o caso aqui em vertente se refere a uma relação de trato sucessivo, na qual a violação do direito ocorre de forma contínua, posto que os descontos no benefício da parte Apelante se renovam a cada mês, o que provoca, por consequência, a renovação do dano enquanto perdurar a relação jurídica.
No mesmo sentido, posiciona-se esta Corte de Justiça, senão vejamos:
EMENTA: CÍVEL. CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR DE CARÁTER ANTECEDENTE cc DANOS MORAIS e REPETIÇÃO DO INDÉBITO CC PEDIDO DE LIMINAR. APLICAÇÃO DO CDC. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PRESCRIÇÃO TRIENAL AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM. SENTENÇA ANULADA. 1. As normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis às relações estabelecidas com instituições financeiras, Súmula 297, do STJ. 2. Consoante, disposto no art. 27 da referida lei consumerista, o prazo prescricional é de 5 (cinco) anos, em se tratando de relação de trato sucessivo, o termo inicial da prescrição quinquenal é a data de vencimento da última prestação, no caso, o último desconto efetuado. Prescrição afastada. 3. Sentença anulada. Retorno dos autos ao juízo de origem. 4. Recurso conhecido e provido. (TJ-PI - AC: 08000272020228180060, Relator: Luiz Gonzaga Brandão De Carvalho, Data de Julgamento: 19/08/2022, 2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL)
Compulsando detidamente os autos e considerando (na pior das hipóteses) que o contrato nº 367498945 teve o último desconto em 03/09/2019, conforme consta no extrato de ID. 25866076, não há que se falar em prescrição da pretensão autoral, isto porque, entre o último desconto e a propositura da ação (07/05/2023) não decorreu o lapso temporal superior a 5 (cinco) anos.
Ante o exposto, acolho os Embargos de Declaração para sanar a omissão identificada na decisão de ID. 26213990 quanto à análise da alegação de prescrição, afastando, contudo, a ocorrência da prescrição trienal, nos termos da fundamentação acima exposta, mantendo-se incólume o resultado do julgamento de mérito anteriormente proferido.
Intimem-se as partes.
Transcorrido o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
TERESINA-PI, 2 de setembro de 2025.
0823266-70.2023.8.18.0140
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialEMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalPráticas Abusivas
AutorBANCO BRADESCO SA
RéuALCIMAR SOARES NUNES
Publicação02/09/2025