poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0800510-79.2023.8.18.0039
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Contratos Bancários, Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado, Repetição do Indébito]
APELANTE: ISAURA MARIA DA CONCEICAO CARRIAS
APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONTRATAÇÃO COMPROVADA – INSTRUMENTO CONTRATUAL ASSINADO E DEPÓSITO EFETUADO NA CONTA DO CONSUMIDOR – AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO MORAL INDEVIDAS – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO DESPROVIDO.
DECISÃO TERMINATIVA
I – RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por ISAURA MARIA DA CONCEIÇÃO CARRIAS em face de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barras/PI, nos autos da ação declaratória de nulidade contratual c/c repetição de indébito c/c indenização por danos morais proposta em desfavor do BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A. – BANRISUL, que julgou improcedentes os pedidos. Ainda, manteve a justiça gratuita, condenou a parte autora em custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa e impôs multa de 5% por litigância de má-fé (arts. 81 e 80, II, do CPC).
Irresignada, a autora interpôs Recurso de Apelação (ID 27313493), protocolado em 03/07/2025, no qual sustenta, em síntese, hipossuficiência e vulnerabilidade por ser idosa e de poucos conhecimentos; requer a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC), afirma não recordar a contratação nem ter comparecido a agência do recorrido, e pugna pela nulidade do contrato, cancelamento dos descontos, repetição do indébito em dobro e indenização por dano moral. Postula, ainda, efeito suspensivo ao recurso e, subsidiariamente, a reforma do capítulo que a condenou por litigância de má-fé.
Regularmente intimado, o BANRISUL apresentou Contrarrazões (ID 27313495) em 05/08/2025, pugnando pelo desprovimento do apelo e pela manutenção integral da sentença, com destaque para a improcedência reconhecida em primeiro grau.
O processo foi regularmente instruído e não houve manifestação do Ministério Público, ante a ausência de interesse público relevante.
É o que importa relatar.
II – DO CONHECIMENTO DO RECURSO
Ao analisar os pressupostos objetivos, verifica-se que o recurso interposto é cabível, adequado e tempestivo. Além disso, não se verifica a existência de fato impeditivo de recurso e não ocorreu nenhuma das hipóteses de extinção anômala da via recursal (deserção, desistência e renúncia). Ausente o pagamento de preparo, em virtude de a parte Autora ser beneficiária da justiça gratuita.
Desse modo, conheço do recurso interposto.
III – MÉRITO
Preambularmente, consoante dispõe o art. 932, IV, “a”, do CPC, compete ao relator negar provimento ao recurso que contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal.
Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-B, do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça, senão vejamos:
Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:
(…)
VI-B - negar provimento a recurso que for contrário a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016)
Utilizo-me, pois, de tais disposições normativas, uma vez que a matéria aqui trazida já foi amplamente deliberada nesta Corte de Justiça, possuindo até mesmo disposição de súmula.
Pois bem.
Adianto que não merece reforma a sentença recorrida.
Cinge-se a controvérsia acerca da pretensão da parte Recorrente em ver reconhecida a nulidade da contratação realizada entre as partes.
Preambularmente, não há dúvida de que a referida lide, por envolver a discussão acerca de falha na prestação de serviços, é regida pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a redação:
STJ/SÚMULA Nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Nas referidas ações, em regra, é deferida em favor da parte autora a inversão do ônus da prova, em razão da hipossuficiência técnica financeira, a fim de que a Instituição bancária Requerida comprove a existência do contrato, bem como o depósito da quantia contratada.
Esta é uma questão exaustivamente debatida nesta E. Câmara Especializada Cível, possuindo até mesmo disposição expressa na Súmula nº 26 deste TJPI, in litteris:
TJPI/SÚMULA Nº 26 – Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.
Nesse contexto, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Contudo, a aplicação da norma consumerista não significa que a demanda promoverá um favorecimento desmedido de um sujeito em prol de outro, pois o objetivo da norma é justamente o alcance da paridade processual.
Cinge-se a controvérsia acerca da validade do contrato de empréstimo consignado firmado entre os apelantes e a instituição financeira apelada, bem como da possibilidade de declaração de inexistência da relação jurídica, repetição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais.
A controvérsia cinge-se à alegação da parte autora de inexistência de relação jurídica quanto ao contrato de empréstimo consignado objeto da demanda, sustentando, em suma, não ter contratado a operação, pugnando pela nulidade do negócio e, ainda, pela condenação da instituição financeira à restituição dos valores descontados, em dobro, bem como à reparação por danos morais.
Todavia, compulsando os autos, observa-se que a instituição financeira apresentou elementos suficientes à comprovação da avença. Consta o instrumento contratual (ID 27313480), além de comprovante de transferência bancária (TED) do valor contratado em favor do consumidor, circunstâncias que demonstram a regularidade do negócio jurídico (ID 27313482).
Assim, não há que se falar em ausência de demonstração do recebimento dos valores pela parte autora, restando afastada a aplicação da Súmula 18 do TJ-PI.
Diante desse conjunto probatório, não se verifica qualquer irregularidade na contratação, tampouco vício de consentimento, sendo válida a avença realizada entre as partes. A apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar o alegado desconhecimento do contrato, nos termos do art. 373, I, do CPC. Ao contrário, os elementos constantes dos autos demonstram de forma clara que houve contratação válida e que a apelante se beneficiou do valor pactuado.
Neste cenário, de fato, os documentos juntados pela instituição financeira evidenciam a existência de relação jurídica entre as partes, assim como a disponibilização do valor contratado em favor da parte Autora, ora Apelante, que deixou de fazer qualquer contraprova no sentido da existência do ilícito que alega, pois mesmo havendo a inversão do ônus da prova, ainda cabe a quem alega a existência de fato constitutivo do seu direito (art. 373, I, CPC).
Em face das razões acima explicitadas, não há que se falar em devolução de valores, tampouco indenização por danos morais, isto porque, sendo a contratação realizada de forma livre, afasta-se a possibilidade de concessão da indenização pretendida, pois inocorrente situação de fraude, erro ou coação.
No mesmo sentido é a jurisprudência desta Egrégia Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. PROPOSTA EXCLUÍDA. DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NÃO COMPROVADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. No caso, cinge-se a controvérsia acerca da pretensão da parte recorrente em ver reconhecida a nulidade da contratação realizada entre as partes. 2. Preambularmente, não há dúvida de que a referida lide, por envolver a discussão acerca de falha na prestação de serviços, é regida pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, conforme a Súmula 297, STJ, para impor a instituição financeira o ônus de provar. 3. Há nos autos, porém, provas juntadas pela Autora e pelo Banco que mostram a inocorrência de descontos no benefício previdenciário, razão pela qual deve ser declarado inexistente a avença, bem como os danos materiais e morais, uma vez que ausentes os descontos ou prejuízos para a parte Autora, ora Apelante. 4. Litigância de má-fé reconhecida. 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJPI | Apelação Cível Nº 0802525-75.2021.8.18.0076 | Relator: José Wilson Ferreira de Aguiar Júnior | 2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL | Data de Julgamento: 30/06/2023)
Por fim, quanto à condenação por litigância de má-fé, ainda que se reconheça a vulnerabilidade da autora, o certo é que a parte insistiu em tese sabidamente destituída de respaldo, em confronto com provas claras de regularidade contratual. A aplicação da multa, nesse contexto, encontra amparo nos arts. 80 e 81 do CPC, devendo ser mantida.
Ademais, a condição de beneficiária da justiça gratuita não afasta a possibilidade de imposição da multa por má-fé, conforme entendimento pacífico na jurisprudência pátria, restando a exigibilidade da multa suspensa até que haja modificação na situação financeira da parte, nos termos do art. 98, § 3.º, do CPC.
Assim, não se verifica qualquer vício na sentença que justifique sua reforma.
IV – DISPOSITIVO
Por todo o exposto, voto pelo CONHECIMENTO do recurso para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença incólume em todos os seus termos.
Por fim, majoro os honorários de sucumbência recursal em 2% sobre o valor da causa, mantendo, contudo, a sua exequibilidade suspensa em razão da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita
Ressalto, ainda, que a interposição de Agravo Interno com o único objetivo de atrasar o andamento processual, se julgado inadmissível ou improcedente por unanimidade, nos termos do § 4º do art. 1.021, do CPC, poderá acarretar a aplicação de multa de 1% (um por cento) a 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Teresina, Data do sistema.
Des. José Wilson Ferreira de Araújo Júnior
0800510-79.2023.8.18.0039
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorISAURA MARIA DA CONCEICAO CARRIAS
RéuBANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA
Publicação02/09/2025