poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0805444-66.2023.8.18.0076
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado]
APELANTE: MARIA DE JESUS PEREIRA
APELADO: BANCO PAN S.A.
DECISÃO MONOCRÁTICA
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. INÉRCIA DO AUTOR EM CUMPRIR DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE EMENDA DA INICIAL. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. NOTA TÉCNICA Nº 06/2023 – CIJEPI. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. RECURSO IMPROVIDO.
RELATÓRIO
Trata-se de ação declaratória de inexistência de relação contratual cumulada com pedido de repetição do indébito e indenização por danos morais, ajuizada por MARIA DE JESUS PEREIRA em face do BANCO PAN S.A., sob alegação de que desconhece a origem de empréstimo pessoal debitado em seu benefício previdenciário.
O juízo de origem, em decisão (ID 23677760), intimou a requerente para emendar a inicial, para fins de juntada nos autos, de procuração mediante escritura pública, comprovante de residência atual e legível em seu nome, apresentação do instrumento contratual, visto que ainda que a parte autora alegue não ter conhecimento do contrato, para o banco requerido, identificar de forma clara no extrato do INSS, qual contrato está sendo discutido na lide, podendo utilizar recurso como marca texto, além de quantificar o valor pleiteado a título de repetição de indébito.
Considerando o atual contexto de litigância predatória envolvendo ações massificadas com objeto similar, o douto Juízo de primeiro grau utilizou tal exigência, visando verificar a regularidade no ingresso da ação.
Ocorre que, transcorreu o prazo para cumprimento da diligência, a parte autora limitou-se a apontar a desnecessidade de juntada da documentação exigida, entendendo que tais determinações são meramente excesso de formalismo.
Por este motivo, o juízo a quo julgou extinto o feito, na forma do artigo 485, I, do Código de Processo Civil (ID 23677764 – ID de origem 66145236).
Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação (ID 23677966 – ID de origem 67723602), requerendo o provimento do recurso para que seja declarada nula a sentença prolatada, e consequentemente, o retorno dos autos ao juízo de origem.
A parte apelada apresentou contrarrazões (ID 23677969 – ID de origem 71371800), requerendo a improcedência do recurso para manutenção da sentença.
O recurso foi conhecido e recebido em ambos os efeitos, conforme (decisão ID 23702220).
É o necessário relato.
FUNDAMENTAÇÃO
A discussão central do presente recurso consiste na legalidade e razoabilidade das exigências impostas pelo Juízo de origem para a emenda da petição inicial e, consequentemente, na correção da sentença que extinguiu o processo por descumprimento dessas determinações. O apelante argumenta que tais exigências se mostravam desproporcionais e que não se tratam de documentos essenciais a propositura da ação.
Para uma melhor compreensão do caso, é imperioso contextualizar a atuação do Poder Judiciário do Piauí diante do fenômeno da litigância predatória.
A Nota Técnica nº 06/2023 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí (CIJEPI), oferece um panorama alarmante e fundamental para a análise da questão.
Conforme a NT06, CIJEPI, o Estado do Piauí tem enfrentado um “crescimento expressivo de novas demandas”, especialmente a partir de 2022, de forma “desproporcional com a economia local ou crescimento populacional”. Revela a nota, que no ano de 2022, cerca de 56% de todo o peticionamento cível residual no Piauí “englobou os assuntos correlatos a empréstimo consignado”.
Ademais, constatou-se um “grande índice de similaridade entre as petições iniciais analisadas (mais de 92%)”, muitas vezes com “pedidos genéricos” e figurando no polo ativo “idoso e analfabeto”.
Consequentemente, tal fato resultou em sobrecarga do Poder Judiciário, o comprometimento da celeridade e eficiência da prestação jurisdicional, a dificuldade de defesa para o réu, e o prejuízo para a produtividade das ações reais, gerando a percepção de um “Judiciário moroso e ineficiente”.
Diante desse cenário, a Nota Técnica nº 06, da CIJEPI enfatiza o “poder/dever de agir do juiz com adoção de diligências cautelares diante de indícios de demanda predatória”.
Tal medida encontra amparo no poder geral de cautela do juiz, previsto no Art. 139, inciso III, do Código de Processo Civil, que estabelece:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela duração razoável do processo;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
A Recomendação nº 127/2022 do CNJ, que aconselha aos tribunais a adoção de cautelas para coibir a judicialização predatória, também corrobora essa postura.
As medidas sugeridas pela Nota Técnica incluem:
a) Exigir apresentação de procuração e de comprovante de endereço atualizado, além da outorga de poderes específicos no mandato, nos casos de juntada de procuração em via não original e/ou desatualizada, ou até mesmo quando existe divergência quanto ao endereço;
b) Determinar a apresentação de extrato bancário do período, para comprovar diligência prévia na aferição da viabilidade jurídica da pretensão por meio da confirmação de que o valor do empréstimo não teria sido disponibilizado à parte autora;
c) Intimação pessoal da parte autora para que esclareça ao oficial de justiça se contratou o profissional habilitado nos autos para a propositura da ação, se firmou a procuração acostada nos autos e como se deu a contratação;
d) Determinação à parte autora para exibir procuração por escritura pública, quando se tratar de analfabeto;
e) Determinar a comprovação de autenticidade através do reconhecimento de firma;
Nesse contexto, a atuação da Magistrada de primeiro grau não visou a impedir o acesso à justiça, tampouco ofender o princípio da inafastabilidade da jurisdição, mas sim, garantir que este acesso seja exercido de forma legítima e em conformidade com a boa-fé processual.
Da análise da demanda, verifica-se que o Juízo de origem, ao determinar a emenda da inicial, agiu em conformidade com o seu poder-dever de zelar pela regularidade processual e combater a litigância predatória, conforme amplamente justificado pela Nota Técnica nº 06/2023 do CIJEPI.
As exigências não foram arbitrárias, mas sim medidas cautelares específicas para verificar a autenticidade e a boa-fé da demanda, em um contexto de massificação de ações com características de predação.
Sobre a temática, o art. 321 do Código de Processo Civil confere ao juiz a prerrogativa de determinar a emenda da petição inicial, estabelecendo que:
Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
O apelante teve a oportunidade de cumprir as determinações ou de justificar a impossibilidade de fazê-lo. A inércia da parte em atender integralmente uma ordem judicial legítima, após ser devidamente intimada e ciente das consequências (indeferimento da inicial), não configura cerceamento de defesa, mas sim a assunção do risco processual decorrente de sua própria conduta.
O Código de Processo Civil, pautado pela cooperação e boa-fé (Art. 6º do CPC), exige que as partes colaborem para o saneamento do feito.
A decisão de indeferimento da inicial, portanto, é consequência legal da não observância do comando judicial, conforme previsto no art. 321, parágrafo único, do CPC. O devido processo legal foi observado, pois a parte foi intimada, teve prazo para se manifestar e a decisão foi fundamentada.
A garantia do devido processo legal não assegura um resultado favorável à parte, mas sim a observância das regras e procedimentos estabelecidos em lei.
A ausência de cumprimento integral de uma determinação judicial para saneamento da inicial, que visa a colher elementos mínimos de plausibilidade da demanda, não pode ser equiparada a um cerceamento de defesa, mas sim a uma omissão da própria parte.
A oportunidade de emenda da inicial foi concedida justamente para que a parte pudesse demonstrar a legitimidade de sua pretensão e afastar qualquer indício de irregularidade. A não observância dessa oportunidade, por sua própria conta e risco, levou à consequência legal do indeferimento.
Como já apontado, tal exigência documental se deu em virtude do contexto de massificação de ações com características de predação.
Ademais, importante apontar, que dos documentos juntados pela autora na inicial, verificou-se que a procuração e o comprovante de residência encontravam desatualizados, e este último, em nome de terceiro, sem qualquer comprovante de grau de parentesco com a parte autora.
Logo, a d. Juíza de primeira instância fez uso do seu poder de cautela, dever previsto no art. 139, inciso III, do CPC, bem como na Recomendação nº 127/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determinando a emenda à inicial, com fulcro no artigo 321 do Código de Processo Civil.
Nesse aspecto, veja-se o que dispõe a Súmula nº 33 deste E. Tribunal de Justiça:
“Em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil.”
Por fim, ressalto, que as súmulas aprovadas pelo Plenário deste Egrégio Tribunal consubstanciam precedentes qualificados, cuja observância se impõe aos seus membros e órgãos fracionários, nos moldes do art. 927, inciso V, do Código de Processo Civil, autorizando, inclusive, o julgamento monocrático da causa, a teor do que prescreve o art. 932, IV, “a”, c/c art. 1.011, I, ambos do CPC:
Art. 932. Incumbe ao relator:
(…)
IV - Negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:
I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V.”
DISPOSITIVO
Pelo exposto, com fundamento no Art. 932, inciso IV, alínea "a", do Código de Processo Civil, CONHEÇO do recurso de Apelação Cível interposto por MARIA DE JESUS PEREIRA e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara única da Comarca de União/PI.
Com relação às custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, as quais a autora foi condenada na origem, fixo em 10% (dez por cento), na forma do artigo 85, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, deixando suspensa a sua exigibilidade por força do disposto no art. 98, § 3º, do CPC, em razão do deferimento da gratuidade da justiça em seu favor.
Intimem-se as partes.
Expedientes necessários. Cumpra-se.
TERESINA-PI, 1 de setembro de 2025.
0805444-66.2023.8.18.0076
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA DE JESUS PEREIRA
RéuBANCO PAN S.A.
Publicação01/09/2025