poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0804005-39.2024.8.18.0026
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Contratos Bancários, Tarifas]
APELANTE: ANA ROSA DE OLIVEIRA
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
DECISÃO TERMINATIVA
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO BANCÁRIO. TARIFA DE SERVIÇOS (CESTA B EXPRESSO). CONTRATAÇÃO COMPROVADA POR TERMO DE ADESÃO ASSINADO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA PELA ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. RECURSO DESPROVIDO.
I – RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por ANA ROSA DE OLIVEIRA contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Campo Maior/PI, que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados na Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais c/c Pedido de Repetição do Indébito. A ação visava a declaração de nulidade da cobrança de tarifa bancária denominada "Cesta B Expresso", a repetição do indébito e a condenação do Banco Bradesco S.A. ao pagamento de indenização por danos morais. A sentença de primeiro grau, além de julgar improcedente a demanda, condenou a autora por litigância de má-fé.
Em suas razões recursais, a apelante sustenta, em síntese, a ausência de contratação válida e de informação adequada sobre a tarifa, a prática abusiva do banco, a violação da boa-fé objetiva e a não incidência da litigância de má-fé. Requer a reforma da sentença para que seus pedidos iniciais sejam julgados procedentes, com a consequente exclusão da condenação por litigância de má-fé e a redução dos honorários sucumbenciais.
O apelado apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção integral da sentença, reiterando a regularidade da contratação e a correção da condenação por litigância de má-fé.
É o relatório. DECIDO.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A controvérsia recursal cinge-se à validade da cobrança da tarifa "Cesta B Expresso", à configuração de danos materiais e morais, e à manutenção da condenação por litigância de má-fé.
Inicialmente, cumpre registrar que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, aplicando-se as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Conforme o art. 6º, VIII, do CDC, é cabível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, dada sua hipossuficiência. No entanto, tal inversão não exime o consumidor de apresentar indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, conforme entendimento consolidado deste Tribunal de Justiça:
"Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo." (TJPI, Súmula 26)
No caso em análise, o Banco Bradesco S.A. logrou êxito em comprovar a contratação da "Cesta Bradesco Expresso 4" por meio do Termo de Adesão (ID 22817408), documento que contém a assinatura da apelante e a descrição clara do serviço e seu valor. A data de contratação, 13/07/2021, é anterior ao período dos descontos questionados pela autora, que se iniciam em janeiro de 2022.
A existência de um termo de adesão assinado pela consumidora, com a especificação do serviço e do valor, afasta a alegação de ausência de contratação ou de falta de informação. A alegação da apelante de que "jamais firmou qualquer ajuste jurídico autorizando tais descontos, tampouco foi informada" é refutada pela prova documental apresentada pelo banco.
Nesse contexto, a Súmula 35 do TJPI, invocada pela apelante, não se aplica em seu favor. Esta Súmula veda a cobrança de tarifas "sem a prévia contratação e/ou autorização pelo consumidor". Havendo um termo de adesão assinado, a condição para a vedação não se verifica, pois a contratação e a autorização foram formalizadas.
"É vedada à instituição financeira a cobrança de tarifas de manutenção de conta e de serviços sem a prévia contratação e/ou autorização pelo consumidor, nos termos do art. 54, parágrafo 4º, do CDC. A reiteração de descontos de valores a título de tarifas bancárias não configura engano justificável. Presentes tais requisitos (má-fé e inexistência de engano justificável), a indenização por danos materiais deve ocorrer na forma do art. 42 (devolução em dobro), parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, ao passo que o valor dos danos morais será arbitrado a depender da magnitude do dano aferida pelo órgão julgador, nos termos do art. 54-D, parágrafo único, do CDC." (TJPI, Súmula 35)
A jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que a comprovação da validade do contrato e da efetiva disponibilização dos valores afasta a nulidade da relação jurídica e a pretensão de repetição de indébito:
"O Banco apelado se desincumbiu do seu ônus probatório ao acostar aos autos cópia do contrato de cartão de crédito consignado, bem como comprovante de transferência do numerário contratado, o que denota zelo e cautela durante a realização do negócio jurídico. (…) Comprovada a regularidade do negócio pactuado entre as partes e a disponibilização e utilização do valor contratado em favor do beneficiário, são devidos os respectivos descontos em seus proventos de aposentadoria, referentes às parcelas do empréstimo contratado, fato que não configura ato ilícito, tampouco atrai o dever de indenizar ou a repetição do indébito, como acertadamente decidiu o Juízo singular, incidindo-se, in casu, a excludente de responsabilidade civil prevista no art. 14, §3º, I, do CDC." (TJPI, Apelação Cível: 0806804-06.2022.8.18.0065, Relator: Manoel de Sousa Dourado, Data de Julgamento: 20/03/2025, 2ª Câmara Especializada Cível, Data de Publicação: 20/03/2025)
Ademais, a utilização dos serviços típicos de conta corrente pela consumidora, conforme alegado pelo banco e não refutado de forma contundente, reforça a validade da cobrança. A vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) impede que a parte se beneficie de serviços e, posteriormente, os impugne, senão vejamos:
"É cediço que as contas correntes possuem taxas de manutenção a depender dos serviços que lhe são oferecidos. Conforme extrato juntado aos autos, a parte autora faz uso de conta corrente, modalidade que não pode ser confundida com conta para recebimento de valores do INSS. (…) esbarra a pretensão autoral na vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium), porquanto não pode o consumidor se beneficiar de serviços específicos da cesta de serviços bancários para mais adiante impugná-los. (…) No caso concreto, a parte ré demonstrou a efetiva utilização de serviços típicos de conta corrente, o que permite a cobrança de valor referente à cesta de serviços." (TJ-PE, Apelação Cível: 0000361-26.2021.8.17.3140, Relator: Luciano de Castro Campos, Data de Julgamento: 22/08/2024, 1ª Turma da Câmara Regional de Caruaru, Data de Publicação: 22/08/2024)
Uma vez reconhecida a regularidade da contratação e da cobrança, os pedidos de repetição do indébito (seja simples ou em dobro) e de indenização por danos morais perdem seu fundamento. A ausência de ato ilícito por parte do banco afasta o dever de indenizar.
Por fim, no tocante à condenação por litigância de má-fé, a sentença de primeiro grau fundamentou-se na alteração da verdade dos fatos pela apelante (art. 80, II, do CPC). A negativa da autora quanto à contratação, em face da prova documental robusta (Termo de Adesão assinado), configura a conduta temerária. Este Tribunal de Justiça tem reiteradamente aplicado a penalidade quando comprovada a alteração da verdade dos fatos, visando coibir abusos processuais.
"A comprovação da validade do contrato e da efetiva transferência do valor contratado exclui a nulidade da relação jurídica e a reprodução de indébito. A alteração da verdade dos fatos e o uso do processo para objetivo ilegal configuram litigância de má-fé, sendo legítima a aplicação de multa nos termos do art. 81 do CPC." (TJPI, Apelação Cível: 0800148-26.2024.8.18.0077, Relator: Haroldo Oliveira Rehem, Data de Julgamento: 20/03/2025, 1ª Câmara Especializada Cível, Data de Publicação: 20/03/2025)
Diante da clareza da prova da contratação e da ausência de ato ilícito por parte do apelado, a sentença de primeiro grau mostra-se em conformidade com a legislação e a jurisprudência dominante, justificando o julgamento monocrático nos termos do art. 932, IV, "a", do CPC.
III – DISPOSITIVO
Diante do exposto, com fulcro no art. 932, inciso IV, alínea "a", do Código de Processo Civil, NEGO PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, mantendo integralmente a sentença de primeiro grau.
Em consequência, condeno a apelante por litigância de má-fé, ao pagamento de multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa e de indenização para a parte demandada no valor correspondente a 01 (um) salário-mínimo, conforme fixado na sentença.
Condeno a apelante ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, já considerando o trabalho adicional realizado em grau recursal, fixo em 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC.
Considerando que a apelante é beneficiária da justiça gratuita, a exigibilidade das custas processuais e dos honorários advocatícios fica suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, ressalvada a condenação por litigância de má-fé, cuja exigibilidade não é suspensa, conforme expressamente previsto na sentença de primeiro grau.
Publique-se. Intimem-se.
CUMPRA-SE.
TERESINA-PI, 1 de setembro de 2025.
DESEMBARGADOR ANTÔNIO LOPES DE OLIVEIRA
Relator
0804005-39.2024.8.18.0026
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalTarifas
AutorANA ROSA DE OLIVEIRA
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação01/09/2025