Decisão Terminativa de 2º Grau

Rescisão do contrato e devolução do dinheiro 0800652-67.2023.8.18.0109


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

PROCESSO Nº: 0800652-67.2023.8.18.0109
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Indenização por Dano Material, Tarifas, Práticas Abusivas]
JUIZO RECORRENTE: CRISTOVAM BEZERRA DA SILVA
RECORRIDO: BANCO BRADESCO S.A.


JuLIA Explica

DECISÃO TERMINATIVA

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL PARA EMENDA DA INICIAL. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS. RECURSO DESPROVIDO.

 

Vistos etc.

 

Cuida-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por CRISTOVAM BEZERRA DA SILVA contra sentença exarada nos autos da “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS(Processo nº 0800652-67.2023.8.18.0109 – Vara Única da Comarca de Parnaguá-PI), ajuizada contra o BANCO BRADESCO S.A., ora apelado.

 

Na inicial, a parte autora afirma que está havendo descontos de valores a título de tarifa bancária – “TARIFA BRADESCO” sem a sua anuência, razão pela qual requereu a declaração de nulidade do negócio jurídico, condenando o Banco requerido à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados e pagamento de indenização por danos morais.

Por despacho, o magistrado determinou a intimação da pate autora parano prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de indeferimento da petição inicial e consequente extinção do processo sem julgamento do mérito (arts. 319, 320, 321, 330, I, c/c art. 485, I, todos do CPC), juntar: a) procuração atualizada com os documentos pessoais do assinante a rogo; b) comprovante de residência atualizado, ou seja, datado de até três meses antes da propositura da ação, e em nome da parte autora ou com declaração de residência anexada”.

A parte autora requereu dilação de prazo para apresentação de tais documentos, concedida pelo magistrado.

 

Decorreu o prazo, mantendo-se inerte a parte autora.

 

Por sentença, o Magistrado a quo extinguiu o processo sem resolução do mérito, com base no art. 485, inciso I c/c art. 321, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Inconformada com a referida sentença, a parte autora interpôs Recurso de Apelação, alegando, resumidamente, a inversão do ônus da prova em razão de sua hipossuficiência e vulnerabilidade da autora diante a instituição financeira. Requereu, ao final, a reforma total da sentença, devendo os autos retornarem à vara de origem para posterior apreciação e seguimento.

Contrarrazões, apresentadas pela parte requerida, alegando, preliminarmente, a inovação recursal, e, no mérito, a validade do contrato, pugnando pelo improvimento do recurso.

 

É o relatório.


Conheço do Recurso de Apelação, eis que nele existentes os pressupostos da sua admissibilidade.

Trata-se, na origem, de demanda que visa a declaração de nulidade/inexistência da relação contratual com pedido de repetição de indébito e reparação por dano moral.

 

O juízo a quo determinou a intimação da parte autora, por meio de seu patrono, para apresentação de documentos – procuração atualizada com os documentos pessoais do assinante a rogo e o comprovante de residência atualizado –, sob o fundamento de haver indícios de litigância predatória. Amparou-se, para tanto, no poder geral de cautela e na Nota Técnica nº 06/2023 do TJPI, visando coibir práticas abusivas e garantir a boa-fé processual.

 

Segundo consignado na sentença, em casos como esse, admite-se a exigência de tais documentos, como medida preventiva contra fraudes processuais, convertendo-se tal exigência em condição para o exercício do direito de ação. Diante do descumprimento da ordem judicial, determinou-se a extinção do processo sem resolução do mérito.

 

Não se contesta a pertinência de medidas preventivas por parte do Magistrado diante da proliferação de lides temerárias, conforme preconizam a Nota Técnica nº 06/2023 do CIJEPI e a Recomendação nº 159 do CNJ. Essas diretrizes respondem ao aumento expressivo de demandas, especialmente no tocante a empréstimos consignados, muitas vezes formuladas a partir de petições padronizadas, sem documentação mínima ou com ajuizamento em massa em nome de um único autor.

 

Importante transcrever o conceito de demanda predatória, conforme delineado na referida nota técnica:

 

“São consideradas predatórias as demandas judicializadas de forma reiterada e, em regra, em massa, fundadas em teses genéricas, desprovidas das particularidades do caso concreto, com simples substituição dos dados pessoais da parte autora, de modo a dificultar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.”

 

Nesse cenário, para coibir tais demandas, a Nota Técnica nº 06/2023 sugere a tomada de algumas ações, lastreadas no poder-dever geral de cautela do juiz, previsto no art. 139, inciso III, do Código de Processo Civil, quais sejam:

 

"a) Exigir apresentação de procuração e de comprovante de endereço atualizado, além da outorga de poderes específicos no mandato, nos casos de juntada de procuração em via não original e/ou desatualizada, ou até mesmo quando existe divergência quanto ao endereço;

b) Determinar a apresentação de extrato bancário do período, para comprovar diligência prévia na aferição da viabilidade jurídica da pretensão por meio da confirmação de que o valor do empréstimo não teria sido disponibilizado à parte autora;

c) Intimação pessoal da parte autora para que esclareça ao oficial de justiça se contratou o profissional habilitado nos autos para a propositura da ação, se firmou a procuração acostada nos autos e como se deu a contratação;

d) Determinação à parte autora para exibir procuração por escritura pública, quando se tratar de analfabeto;

e) Determinar a comprovação de autenticidade através do reconhecimento de firma."

 

O entendimento do TJPI, consolidado na Súmula nº 33, autoriza a exigência dos documentos acima referidos quando houver fundada suspeita de litigância predatória, com base no art. 321 do CPC.

 

Constata-se, no caso, que o Juízo de primeiro grau atuou de forma adequada, com fundamento em seu poder geral de cautela, ao identificar, de forma fundamentada, indícios de litigância abusiva. Analisando os documentos anexados, verifica-se que são datados de 2019, e a interposição da ação ocorreu em 2023. Assim, a medida adotada mostra-se justificada, especialmente diante da generalidade da petição inicial.

 

Ademais, o tema referente à possibilidade de o Magistrado, considerando o seu poder geral de cautela diante de ações com suspeita de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a inicial com a apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, tais quais os documentos exigidos na espécie, está sendo discutido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Repetitivo (Tema nº 1198).

 

Em que pese a tese repetitiva ainda não tenha sido firmada, é inequívoco que alguns Tribunais pátrios, a exemplo desta Corte Estadual, através de notas técnicas, vem orientando os Magistrados a, diante de indícios concretos de demanda predatória, adotar diligências cautelares visando dirigir o processo reprimindo abuso do direito de ação.

 

Reforça-se ainda que, conforme entendimento pacificado neste Tribunal, consubstanciado na Súmula nº 26, é legítima a exigência de prova mínima do fato constitutivo do direito alegado, mesmo em hipóteses de inversão do ônus da prova nas ações que envolvem contratos bancários.

 

Importa destacar que o e. TJPI pacificou sua jurisprudência sobre a matéria, in verbis:

Súmula nº 33 – “Em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil.

 

Não merece acolhimento a alegação de excesso de formalismo por parte do Juízo de origem. Ao contrário, é dever do magistrado, em observância ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), verificar, antes da análise do mérito, se o exercício do direito de ação ocorre de forma adequada, razoável e sem abusos.

 

A atuação do Juízo de primeiro grau, ao adotar diligências voltadas à adequada condução e instrução do feito, evidencia a busca pela verdade dos fatos, bem como o compromisso com a prevenção de abusos processuais e com a preservação da dignidade da Justiça e da boa-fé.

 

Nesse contexto, o poder do magistrado para determinar a emenda da petição inicial encontra respaldo no art. 321 do CPC, não havendo, portanto, violação aos princípios invocados pela parte apelante, tampouco amparo às demais alegações recursais, as quais devem ser rejeitadas.

 

Assim, não merecem prosperar as alegações da parte autora/apelante no tocante a determinação do Magistrado, pois, cuida-se de documentos mínimos, indiciários da causa de pedir da parte autora, e mais, visam afastar a fundada suspeita de demanda abusiva ou predatória, conforme enunciado da Súmula nº 33 e orientação da Nota Técnica nº 06/2023, deste E. TJPI.

 

As peculiaridades do caso concreto, notadamente a propositura da ação desacompanhada de substrato probatório mínimo, legitimam a atuação diligente do Magistrado de Primeiro Grau na condução do feito, com o escopo de resguardar a regularidade procedimental e a higidez do contraditório, nos termos do art. 139, incisos III e IX, do Código de Processo Civil.

 

Com efeito, a providência determinada pelo juízo a quo — não atendida pela parte apelante, revelando manifesta inércia — não configura excesso, tampouco desvio de finalidade, estando em consonância com o dever de cautela que incumbe ao julgador na apreciação e condução das demandas judiciais. Assim, reitera-se que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.

 

Ressalte-se, por fim, que as súmulas aprovadas pelo Plenário deste Egrégio Tribunal consubstanciam precedentes qualificados, cuja observância se impõe aos seus membros e órgãos fracionários, nos moldes do art. 927, inciso V, do Código de Processo Civil, autorizando, inclusive, o julgamento monocrático da causa, a teor do que prescreve o art. 932, IV, “a”, c/c art. 1.011, I, ambos do CPC:

 

Art. 932. Incumbe ao relator:

[...]

IV - Negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:

I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V.

 

Ante o exposto, com fundamento no art. 932, IV, “a” c/c art. 1.011, I, todos do CPC, CONHEÇO da Apelação Cível, e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença em todos os seus termos.

 

Intimem-se as partes.

 

Transcorrendo o prazo recursal sem manifestação, certifique-se e dê-se baixa, arquivando-se os autos.

 

Cumpra-se.

 

TERESINA-PI, 1 de setembro de 2025.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800652-67.2023.8.18.0109 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 01/09/2025 )

Detalhes

Processo

0800652-67.2023.8.18.0109

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Rescisão do contrato e devolução do dinheiro

Autor

CRISTOVAM BEZERRA DA SILVA

Réu

BANCO BRADESCO S.A.

Publicação

01/09/2025