poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0803913-06.2023.8.18.0088
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Seguro, Seguro]
APELANTE: OZARIAS DE SOUSA LIRA
APELADO: FINANCEIRA ITAU CBD S.A. - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
DECISÃO TERMINATIVA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE COBRANÇAS INDEVIDAS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXIGÊNCIA DE EMENDA À INICIAL. APRESENTAÇÃO DE PROCURAÇÃO PÚBLICA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. DESNECESSIDADE DE INSTRUMENTO PÚBLICO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 33/TJPI. NOTA TÉCNICA Nº 06/2023 DO TJPI. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. EXCEPCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA. RESTRIÇÃO A SITUAÇÕES DE ANALFABETISMO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Visto etc.
Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por OZARIAS DE SOUSA LIRA, contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Capitão de Campos-PI, nos autos da “AÇÃO DECLARATÓRIA DE COBRANÇAS INDEVIDAS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS” ajuizada contra FINANCEIRA ITAU CBD S.A. - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, ora apelado.
A sentença recorrida julgou extinta a ação sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, I e IV do CPC, por entender que a parte autora, mesmo devidamente intimada, não atendeu à determinação judicial de juntar aos autos a procuração com firma reconhecida e/ou pública. O magistrado fundamentou a necessidade dessa exigência em razão do elevado número de demandas semelhantes propostas, mencionando práticas de advocacia predatória e citando notas técnicas do TJPI.
A parte apelante nas suas razões recursais sustenta, em síntese, que a petição inicial foi devidamente instruída com todos os documentos exigidos pelos artigos 319 e 320 do CPC, especialmente a procuração que, embora particular, preenchia os requisitos legais e possuía validade. Sustenta que a exigência de procuração pública para o prosseguimento da demanda é ilegal, configurando excesso de formalismo e violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Requer a reforma integral da sentença para que o feito retorne à origem e prossiga até o julgamento de mérito.
Intimada, a parte ré apresentou contrarrazões, requerendo o improvimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Trata-se, na origem, de demanda que visa a declaração de cobranças indevidas relacionada a “SEG CARTAO PROTEGIDO” com pedido de repetição de indébito e reparação por dano moral.
O Juízo de primeiro grau determinou a intimação da parte autora, ora apelante, por intermédio de seu patrono, a fim de que juntasse aos autos procuração pública. Tal exigência foi fundamentada na constatação de indícios de demanda predatória, haja vista a propositura, pela mesma parte, de outras sete (07) ações com idêntico objeto. Nesse contexto, o magistrado, valendo-se do poder geral de cautela, impôs a apresentação do referido instrumento, como medida destinada a coibir o abuso do direito, prática considerada atentatória à dignidade da justiça e à boa-fé, em consonância com a Nota Técnica nº 06 deste Tribunal de Justiça.
O Magistrado destacou, na sentença recorrida, que, em hipóteses como a presente, nos termos da referida Nota Técnica, admite-se a exigência de procuração com firma reconhecida e/ou instrumento público, como medida de cautela voltada à prevenção de eventuais fraudes processuais. Assinalou, ainda, que a juntada do referido documento constitui condição para o exercício regular do direito de ação. Assim, diante do descumprimento da determinação, o processo foi extinto sem resolução do mérito.
É inegável a pertinência da postura cautelosa adotada pelo Juízo singular na prevenção de demandas temerárias, em conformidade com as orientações constantes da Nota Técnica nº 06/2023, do Centro de Inteligência deste Tribunal de Justiça (CIJEPI), bem como da Recomendação nº 159 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tal necessidade decorre do expressivo aumento de ações, em especial aquelas relativas a empréstimos consignados, nas quais se observa, com frequência, a utilização de petições padronizadas, carentes de documentação mínima que instrua a inicial, ou mesmo a propositura de número excessivo e desarrazoado de demandas em nome de uma única parte autora.
Importante transcrever o conceito de demanda predatória, conforme delineado na referida nota técnica:
“As demandas judicializadas reiteradamente e, em geral, em massa, contendo teses genéricas, desprovidas, portanto, das especificidades do caso concreto, havendo alteração apenas quanto às informações pessoais da parte, de forma a dificultar o exercício do contraditório e da ampla defesa, são consideradas predatórias”
Nesse cenário, para coibir tais demandas, a Nota Técnica nº 06/2023 sugere a tomada de algumas ações, lastreadas no poder-dever geral de cautela do juiz, previsto no art. 139, inciso III, do Código de Processo Civil, quais sejam:
"a) Exigir apresentação de procuração e de comprovante de endereço atualizado, além da outorga de poderes específicos no mandato, nos casos de juntada de procuração em via não original e/ou desatualizada, ou até mesmo quando existe divergência quanto ao endereço;
b) Determinar a apresentação de extrato bancário do período, para comprovar diligência prévia na aferição da viabilidade jurídica da pretensão por meio da confirmação de que o valor do empréstimo não teria sido disponibilizado à parte autora;
c) Intimação pessoal da parte autora para que esclareça ao oficial de justiça se contratou o profissional habilitado nos autos para a propositura da ação, se firmou a procuração acostada nos autos e como se deu a contratação;
d) Determinação à parte autora para exibir procuração por escritura pública, quando se tratar de analfabeto;
e) Determinar a comprovação de autenticidade através do reconhecimento de firma."
No âmbito deste Egrégio TJPI, firmou-se o entendimento quanto à legitimidade da exigência de documentos indicados nas Notas Técnicas, com amparo no poder geral de cautela (art. 321 do CPC), sempre que houver fundada suspeita de demanda predatória, conforme se depreende do seguinte enunciado:
Súmula nº 33 – “Em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil”.
Cumpre assinalar, todavia, que a análise de demandas tidas como predatórias deve ser realizada caso a caso, com a devida parcimônia, a fim de se evitar decisões genéricas e abstratas, sob pena de afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).
No exame da presente controvérsia, observa-se que, diversamente do que procurou evidenciar o Juízo de origem, a decisão recorrida não encontra respaldo na necessidade de cautela voltada à prevenção de demandas predatórias, consoante orientações da Nota Técnica nº 06/2023 do Centro de Inteligência deste Tribunal de Justiça (CIJEPI) e da Recomendação nº 127 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Isso porque a mencionada Nota Técnica não prevê, dentre os documentos passíveis de exigência, a apresentação de procuração pública outorgada por pessoa alfabetizada, limitando tal exigência apenas aos casos em que a parte seja analfabeta.
No caso, a procuração acostada aos autos (ID 22030415) revela-se original, atualizada e devidamente assinada pela parte autora, pessoa alfabetizada. Desse modo, a extinção do feito sem resolução do mérito, fundada unicamente na ausência de procuração pública, não encontra respaldo na legislação processual, tampouco na Nota Técnica nº 06/2023.
Diante disso, em observância aos princípios do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV, da CF) e da Primazia da Decisão de Mérito (art. 4º do CPC), impõe-se a superação do óbice processual apontado na sentença, de modo a possibilitar o exame do mérito da controvérsia.
Cumpre salientar que o feito não se encontra em condições de imediato julgamento, porquanto não houve a citação da parte demandada, tampouco a instrução da demanda originária, razão pela qual não se aplica, à hipótese, o disposto no art. 1.013, § 3º, I, do CPC (Teoria da Causa Madura).
Assim sendo, nos termos do art. 932, V, "a", do CPC, dá-se provimento ao recurso, considerando que a sentença recorrida contraria o entendimento consolidado na Súmula nº 33 do TJPI, que limita a exigência de procuração pública aos casos em que a parte outorgante é analfabeta, o que não se verifica na espécie.
Frise-se, por fim, que as súmulas aprovadas pelo Plenário deste Egrégio Tribunal consubstanciam precedentes qualificados, cuja observância se impõe aos seus membros e órgãos fracionários, nos moldes do art. 927, inciso V, do Código de Processo Civil, autorizando, inclusive, o julgamento monocrático da causa, a teor do que prescreve o art. 932, IV, “a”, c/c art. 1.011, I, ambos do CPC:
“Art. 932. Incumbe ao relator:
[...]
IV - Negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;”
“Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:
I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V.”
Diante do exposto e sem a necessidade de maiores considerações, DOU PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, no sentido de ANULAR a sentença recorrida, e não estando a causa madura para julgamento, determinar o RETORNO DOS AUTOS ao Juízo de Origem para regular processamento e julgamento.
Por fim, deixo de fixar honorários advocatícios recursais, de acordo com o art. 85, § 11, do CPC/15, tendo em vista que a decisão não pôs fim à demanda, por determinar o prosseguimento do processo em primeiro grau de jurisdição.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo o prazo recursal sem manifestação, certifique-se e dê-se baixa, arquivando-se os autos.
Cumpra-se.
TERESINA-PI, 1 de setembro de 2025.
0803913-06.2023.8.18.0088
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalSeguro
AutorOZARIAS DE SOUSA LIRA
RéuFINANCEIRA ITAU CBD S.A. - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
Publicação01/09/2025