Decisão Terminativa de 2º Grau

Rescisão do contrato e devolução do dinheiro 0800237-71.2024.8.18.0102


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA


PROCESSO Nº: 0800237-71.2024.8.18.0102
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Indenização por Dano Material, Práticas Abusivas]
APELANTE: JOAO MUNIZ DE SOUSA
APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.


JuLIA Explica

EMENTA 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INICIAL PARA JUNTADA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. DESATENDIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA. COMBATE À LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. DEVER DE COOPERAÇÃO. SÚMULA Nº 33 DO TJPI. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 

  

DECISÃO MONOCRÁTICA 

  

RELATÓRIO 

Trata-se de Apelação Cível interposta por JOAO MUNIZ DE SOUSA contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Marcos Parente/PI, que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fundamento nos artigos 321, parágrafo único, e 485, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC). 

A ação originária foi ajuizada pelo ora Apelante em face do BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., buscando a declaração de nulidade de um contrato de empréstimo consignado, a repetição em dobro dos valores supostamente descontados indevidamente de seu benefício previdenciário e indenização por danos morais. O Apelante alegou ser pessoa idosa e analfabeta, não reconhecendo a contratação do empréstimo e afirmando que o suposto contrato não atendeu aos requisitos formais de validade exigidos para pessoas analfabetas, como a formalização por escritura pública ou por procurador legalmente constituído com a presença de duas testemunhas. 

Em sede de cognição sumária, o Juízo de primeiro grau, em decisão interlocutória (ID 20563253), determinou a intimação da parte autora para emendar a petição inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de indeferimento e extinção do feito. A emenda consistia na juntada aos autos dos extratos bancários de titularidade do Apelante, correspondentes aos dois meses que antecederam o início dos descontos em seu benefício e ao mês do desconto da primeira parcela. A referida determinação foi fundamentada no poder geral de cautela do magistrado, na Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e na Nota Técnica nº 6 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí (CIJEPI), visando inibir situações de litigância predatória. 

Inconformado com a decisão interlocutória, o Apelante interpôs Agravo de Instrumento (processo nº 0756253-52.2024.8.18.0000), argumentando que a exigência dos extratos bancários configurava redistribuição indevida do ônus da prova e cerceamento de defesa, dada a sua hipossuficiência e a dificuldade em obter a documentação. Contudo, o Tribunal de Justiça do Piauí, por decisão monocrática (ID 20563261), negou conhecimento ao Agravo de Instrumento, por entender que o ato judicial impugnado não se enquadrava no rol taxativo do art. 1.015 do CPC, nem demonstrou urgência que justificasse a mitigação da taxatividade, e a decisão transitou em julgado (ID 20563262). 

Diante do não cumprimento da determinação de emenda da inicial pelo Apelante, o Juízo de origem proferiu a sentença ora apelada (ID 20563264), extinguindo o processo sem resolução do mérito. 

Em suas razões recursais (ID 20563321), o Apelante reitera a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, aduzindo que a exigência dos extratos bancários é descabida, pois a lide versa sobre a nulidade contratual e não sobre o recebimento dos valores. Argumenta que a prova do depósito deveria ser incumbência do Banco, e que sua condição de idoso e analfabeto o torna hipossuficiente, justificando a inversão do ônus da prova em seu favor, conforme o Código de Defesa do Consumidor. Cita jurisprudência que, em seu entendimento, corrobora a tese da inversão do ônus da prova e a impossibilidade de exigir prova negativa do consumidor. Pugna, ao final, pela reforma da sentença e o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito. 

O Banco Santander (Brasil) S.A. apresentou contrarrazões (ID 20563325), defendendo a manutenção da sentença. Sustenta que os extratos bancários são documentos indispensáveis para comprovar a verossimilhança das alegações de fraude e não recebimento dos valores, e que a inércia do Apelante em cumprir a ordem judicial, ou mesmo em solicitar auxílio do Juízo para obtenção dos documentos, justifica a extinção do processo. Reforça a legitimidade da atuação do Juízo no combate à litigância predatória, conforme as diretrizes do CNJ e do próprio TJPI. 

É o relatório. 

 

FUNDAMENTAÇÃO 

O presente recurso de Apelação Cível preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço. 

A questão central posta em exame nesta Apelação Cível reside na legitimidade da exigência de juntada de extratos bancários pelo Juízo de primeiro grau e na consequente extinção do processo por descumprimento da referida determinação. 

Inicialmente, quanto à preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, cumpre ressaltar que, embora o Agravo de Instrumento anteriormente interposto contra a decisão interlocutória que determinou a emenda da inicial não tenha sido conhecido, a matéria pode ser suscitada em preliminar de Apelação, nos termos do Art. 1.009, § 1º, do CPC, por não se tratar de decisão coberta pela preclusão em separado. 

No mérito da preliminar, o Apelante argumenta que a exigência dos extratos bancários configura uma indevida redistribuição do ônus da prova. É certo que as relações bancárias são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, e a hipossuficiência do consumidor, especialmente em casos de pessoas idosas e analfabetas, é um fator relevante para a inversão do ônus da prova, nos termos do Art. 6º, inciso VIII, do CDC. Contudo, a inversão do ônus da prova não exime o consumidor de apresentar um mínimo de lastro probatório para suas alegações, especialmente quando há suspeita de demandas repetitivas ou predatórias. 

O Juízo de primeiro grau, ao determinar a emenda da inicial, agiu em conformidade com o seu poder geral de cautela, previsto no Art. 139, inciso III, do CPC, que lhe permite determinar todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial e a boa condução do processo. Tal medida visa aprimorar a gestão processual e coibir o ajuizamento de ações genéricas ou infundadas que, como bem apontado na sentença, sobrecarregam o Poder Judiciário. 

Nesse contexto, a Recomendação nº 127/2022 do CNJ e a Nota Técnica nº 6/2023 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí (CIJEPI) orientam os magistrados a adotar providências para inibir a litigância predatória. A Nota Técnica nº 6/2023, inclusive, sugere expressamente a exigência de extratos bancários para comprovar a diligência prévia na aferição da viabilidade jurídica da pretensão, especialmente em casos de empréstimos consignados, onde se alega o não recebimento de valores. Essa orientação foi consolidada na Súmula nº 33 do TJPI, que estabelece: 

“Em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil”. 

Os extratos bancários, neste caso, não são exigidos para que o consumidor produza uma "prova negativa", mas sim para que ele apresente um mínimo de prova indiciária de sua alegação de não recebimento dos valores, demonstrando que, de fato, não houve o crédito do montante supostamente emprestado em sua conta. Essa exigência se mostra razoável e proporcional, considerando o grande volume de demandas semelhantes que são ajuizadas. 

A inércia do Apelante em cumprir a determinação judicial, mesmo após a oportunidade de emenda da inicial e a negativa de provimento ao Agravo de Instrumento, sem comprovar a impossibilidade de fazê-lo ou de buscar meios alternativos (como a solicitação de ofício ao Banco, o que não foi requerido nos autos de origem), impede o regular desenvolvimento do processo e a verificação da real pretensão do autor. O dever de cooperação entre as partes e o Juízo, previsto no Art. 6º do CPC, impõe que o litigante colabore para a descoberta da verdade e para a efetividade da prestação jurisdicional. 

A alegação de dificuldade em obter os documentos, embora compreensível em tese, não pode, por si só, obstar a atuação do Juízo na busca pela verdade real e na prevenção de abusos. A ausência de cumprimento da ordem de emenda, sem justificativa plausível ou busca por auxílio judicial para sua obtenção, legitima a extinção do processo, conforme o Art. 321, parágrafo único, e Art. 485, inciso I, do CPC. 

Portanto, a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito encontra-se em consonância com o entendimento deste Tribunal, não merecendo reforma. 

 

DISPOSITIVO 

Diante do exposto, com fundamento no Art. 932, inciso IV, do Código de Processo Civil, e em consonância com a jurisprudência consolidada deste Tribunal de Justiça, CONHEÇO do recurso de Apelação Cível e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo integralmente a sentença recorrida que extinguiu o processo sem resolução do mérito. 

Custas e honorários recursais pelo Apelante, fixados em 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do Art. 85, § 11, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade por ser a parte beneficiária da Justiça Gratuita (Art. 98, § 3º, do CPC). 

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. 

CUMPRA-SE. 

 

 

TERESINA-PI, 1 de setembro de 2025.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800237-71.2024.8.18.0102 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 01/09/2025 )

Detalhes

Processo

0800237-71.2024.8.18.0102

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Rescisão do contrato e devolução do dinheiro

Autor

JOAO MUNIZ DE SOUSA

Réu

BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

Publicação

01/09/2025