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tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0801135-98.2024.8.18.0065
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Direito de Imagem, Empréstimo consignado, Repetição do Indébito]
APELANTE: MARIA BENJAMIM ALVES ARAUJO
APELADO: BANCO ITAU CONSIGNADO S/A
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. COBRANÇA DE JUROS EM DESACORDO COM O PACTUADO. TAXA CONTRATADA DE 1,84% A.M. COBRANÇA EFETIVA DE 1,88% A.M. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. DANO MORAL CONFIGURADO. RELAÇÃO DE CONSUMO. HIPERVULNERABILIDADE. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 2.000,00.
DECISÃO TERMINATIVA
I - RELATÓRIO
Cuida-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e repetição de indébito, proposta por Maria Benjamim Alves Araujo em desfavor do Banco Itaú Consignado S/A, em que se discute a legalidade da taxa de juros aplicada em contrato de empréstimo consignado firmado entre as partes.
A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente a demanda, determinando: a) o cumprimento da taxa contratada (1,84% a.m.); b) a restituição em dobro do valor pago indevidamente (R$ 17,52); c) indeferiu os danos morais, por entender não configurada violação aos direitos da personalidade.
Inconformada, a autora interpôs apelação, pleiteando a majoração da indenização para R$ 10.000,00 (dez mil reais) para reconhecer o dano moral sofrido.
Contrarrazões foram apresentadas pelo banco, requerendo a manutenção da sentença ou a reforma parcial, para que a restituição se dê apenas na forma simples.
O feito foi regularmente processado. Considerando a ausência de interesse público relevante, os autos não foram remetidos ao Ministério Público, conforme previsto no Ofício Circular nº 174/2021 do TJPI.
É o que interessa relatar.
II. ADMISSIBILIDADE
Ao analisar os pressupostos objetivos, verifica-se que o recurso interposto pela autora é cabível, adequado e tempestivo. Além disso, não se verifica a existência de fato impeditivo de recurso e não ocorreu nenhuma das hipóteses de extinção anômala da via recursal (deserção, desistência e renúncia). Ausente o pagamento de preparo, em virtude de a parte Autora ser beneficiária da justiça gratuita (ID 27007644). Ademais, não há como negar o atendimento dos pressupostos subjetivos, pois a parte Autora é legítima e possui interesse recursal.
Desse modo, conheço do recurso interposto.
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Preambularmente, não há dúvidas de que o vínculo jurídico-material deduzido na inicial se enquadra como típica relação de consumo, sendo delineado pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que in
STJ/SÚMULA Nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
De início, cumpre destacar que, embora a instituição financeira afirme a existência de contratação válida por meio digital, não apresentou nos autos o contrato eletrônico firmado entre as partes, tampouco documento que contenha a assinatura digital ou biometria facial da autora, limitando-se a trazer um resumo de operação que não supre os requisitos mínimos de validade e comprovação do vínculo contratual.
A sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido inicial, declarando a inexistência do contrato de empréstimo consignado identificado sob o nº 2548674130 e condenando o banco à devolução em dobro dos valores descontados, com juros e correção monetária. Todavia, rejeitou o pedido de indenização por danos morais, reconhecendo sucumbência recíproca entre as partes.
A autora/apelante requer a reforma parcial da sentença para que seja reconhecido o abalo moral e fixada a correspondente indenização, além da redistribuição do ônus sucumbencial.
A controvérsia gira em torno da ocorrência ou não de dano moral decorrente da cobrança de taxa de juros superior à contratada, em contrato de empréstimo consignado.
O contrato firmado entre as partes previa taxa de juros mensal de 1,84%, conforme comprovado nos autos. Entretanto, conforme demonstrado na instrução processual e reconhecido pelo juízo de origem, o banco passou a cobrar 1,88% ao mês, em clara divergência com o pactuado.
O valor da diferença, embora aparentemente pequeno, não elide a ilegalidade da conduta da instituição financeira, que desrespeitou o contrato e praticou cobrança em desacordo com os parâmetros acordados, afetando diretamente os rendimentos mensais da parte autora, que se trata de consumidora hipervulnerável – idosa, aposentada e dependente de benefício previdenciário.
O conjunto probatório constante dos autos revela que o contrato impugnado não foi devidamente comprovado pelo banco, o qual, embora instado a apresentar o instrumento contratual, manteve-se inerte, não apresentando sequer comprovante de transferência bancária válida.
Aplica-se, com exatidão, a Súmula 18 do TJPI, segundo a qual:
“A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais (...).”
Embora a r. sentença tenha acolhido parcialmente a pretensão da autora para declarar a inexistência do contrato e ordenar a devolução em dobro dos valores descontados, não reconheceu o dano moral, sob o argumento de ausência de comprovação de prejuízo extrapatrimonial.
Todavia, entendo que, no presente caso, o dano moral é presumido (in re ipsa), e os descontos incidiram diretamente sobre sua verba alimentar, fato que por si só enseja vulneração à dignidade da pessoa humana, configurando violação relevante ao direito do consumidor, nos moldes do art. 6º, VI, do CDC.
A jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de que a inscrição indevida ou descontos decorrentes de contratos inexistentes em benefícios previdenciários caracterizam dano moral puro, independentemente de demonstração de abalo psicológico concreto:
“A cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados enseja reparação por danos morais, sendo prescindível a comprovação do prejuízo moral concreto. Trata-se de dano moral in re ipsa.” (REsp 1.737.412/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 01/02/2019)
No presente caso, embora não haja prova de abalo psíquico específico, a situação da autora, somada à conduta da instituição financeira, extrapola o mero dissabor cotidiano, ferindo sua dignidade enquanto consumidora e pessoa idosa, analfabeta e economicamente vulnerável.
Assim, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer o direito à indenização por danos morais.
Quanto ao valor da indenização, deve-se atentar para os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observando-se o caráter compensatório e pedagógico da condenação.
Considerando as peculiaridades do caso – notadamente a condição de hipervulnerabilidade da autora, o desrespeito à boa-fé objetiva, e a reincidência de práticas semelhantes por instituições financeiras, fixo o quantum indenizatório em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
V - DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar parcialmente a sentença e condenar o Banco Bradesco S.A. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com incidência de correção monetária pelo índice do IPCA a partir da presente decisão (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (art. 405 do CC), mantendo os demais termos da sentença, inclusive quanto à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados.
Em virtude da parcial reforma da sentença, mantêm-se os honorários sucumbenciais fixados, sem majoração, à luz do art. 85, § 11, do CPC.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Teresina, 01 de setembro de 2025.
Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
0801135-98.2024.8.18.0065
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA BENJAMIM ALVES ARAUJO
RéuBANCO ITAU CONSIGNADO S/A
Publicação01/09/2025