Decisão Terminativa de 2º Grau

Contratos Bancários 0803267-33.2024.8.18.0032


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA


PROCESSO Nº: 0803267-33.2024.8.18.0032
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Contratos Bancários, Empréstimo consignado]
APELANTE: HILDA DE SOUSA NASCIMENTO
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.


JuLIA Explica

DECISÃO MONOCRÁTICA


EMENTA 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIA INTIMAÇÃO PARA EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 321 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA E AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA COOPERAÇÃO E DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. RECOMENDAÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE NÃO AFASTAM A OBRIGATORIEDADE DO SANEAMENTO PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. 

  

RELATÓRIO 

Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto por HILDA DE SOUSA NASCIMENTO, devidamente qualificada nos autos, contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Picos/PI, que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade Contratual c/c Tutela Antecipada, Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais e Materiais (Processo nº 0803267-33.2024.8.18.0032), ajuizada em desfavor de BANCO BRADESCO S.A., julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fulcro nos artigos 485, inciso I, e 330, § 1º, incisos I e II, ambos do Código de Processo Civil. 

Em sua petição inicial (Id. 22319774), a Apelante alegou ser vítima de suposta contratação fraudulenta de empréstimo consignado, que teria resultado em descontos indevidos em seu benefício previdenciário. Afirmou ser pessoa idosa e semianalfabeta, sem ter anuído ao contrato, e pleiteou a declaração de nulidade do contrato, a restituição em dobro dos valores descontados, e indenização por danos morais e materiais. Requereu, ainda, a concessão dos benefícios da justiça gratuita e a tutela antecipada para suspensão dos descontos. 

O Banco Bradesco S.A. (Apelado) apresentou contestação (Id. 22319784), arguindo preliminares de inépcia da inicial por ausência de documentos essenciais e impugnação ao valor da causa, além de conexão com outro processo. No mérito, defendeu a regularidade da contratação por meios eletrônicos (aplicativo, senha, chave de segurança ou biometria), a anuência tácita da autora (pelo recebimento e uso dos valores e pela inércia em reclamar), e a inexistência de ato ilícito a justificar danos morais. Juntou telas sistêmicas e extratos bancários (Id. 22319786 e 22319791) que, segundo sua tese, comprovariam a liberação dos valores e os saques realizados pela Apelante. 

Após a intimação para réplica (Id. 22319795), a parte autora deixou transcorrer o prazo sem manifestação (Id. 22319796). 

Sobreveio, então, a r. sentença (Id. 22319798), que fundamentou a extinção do feito na suposta inépcia da petição inicial, por considerá-la genérica, desprovida de especificidades e sem os documentos indispensáveis (como comprovantes de transações e extratos bancários completos). O Juízo a quo asseverou que a demanda se apresentava de forma padronizada e potencialmente predatória, citando, inclusive, diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, e concluiu que a generalidade e a ausência de diligências essenciais configuravam um "vício insanável", impedindo a emenda da inicial após a contestação e a estabilização da lide. 

Irresignada, a Apelante interpôs o presente recurso de Apelação (Id. 22319800), sustentando, em síntese, que a petição inicial não é genérica, que há comprovação mínima dos fatos constitutivos de seu direito (extrato de consignações), e que a sentença incorreu em erro de procedimento ao extinguir o processo sem antes oportunizar a emenda da inicial, em violação ao disposto no Art. 321 do CPC. Requereu o provimento do apelo para que esta Corte julgue o mérito da causa, aplicando a teoria da causa madura, ou, subsidiariamente, que os autos retornem à vara de origem para regular processamento. 

O Apelado apresentou contrarrazões (Id. 22319803), pugnando pela manutenção da sentença, reiterando os argumentos de inépcia da inicial e a ausência de fundamentos para a reforma da decisão de primeiro grau. 

O recurso foi recebido no duplo efeito (Id. 22341719). 

É o relatório. 

  

FUNDAMENTAÇÃO 

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço. 

A controvérsia recursal cinge-se à correção da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de inépcia da petição inicial, sem que fosse concedida à Apelante a oportunidade de emendá-la. 

Conforme se depreende dos autos, a sentença de primeiro grau fundamentou a extinção do processo na suposta inépcia da petição inicial, por considerá-la genérica e desprovida de especificidades. Contudo, o Código de Processo Civil estabelece um rito claro e mandatório para o saneamento de vícios na peça exordial. O artigo 321 do CPC é categórico ao dispor que, "verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado". 

A inobservância dessa regra processual configura cerceamento de defesa e violação aos princípios da cooperação (Art. 6º do CPC) e da primazia do julgamento do mérito (Art. 4º do CPC). A extinção prematura do processo, sem a concessão da oportunidade de saneamento, impede que a parte autora corrija eventuais falhas formais e que a lide seja devidamente instruída e julgada em seu mérito. 

É certo que o Juízo a quo fez menção a diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, que visam combater a litigância abusiva e predatória, fenômeno que, de fato, sobrecarrega o Poder Judiciário. No entanto, as recomendações e notas técnicas, por mais relevantes que sejam para a gestão processual, não podem se sobrepor às normas processuais expressas, que visam garantir o devido processo legal e o acesso à justiça. O combate à litigância predatória deve ocorrer dentro dos limites e procedimentos estabelecidos em lei, sendo a intimação para emenda da inicial uma ferramenta essencial para sanar vícios e, se for o caso, confirmar a inviabilidade da demanda após a recusa do autor em corrigi-la. 

Ademais, no caso em tela, o processo já havia ultrapassado a fase inicial, com a citação do réu e a apresentação de contestação. Embora a parte autora não tenha apresentado réplica, a própria apresentação da contestação demonstra que a petição inicial, ainda que com supostas deficiências, permitiu o desenvolvimento da relação processual, ao menos para fins de defesa. Nesse contexto, a extinção sem a prévia intimação para emenda se mostra ainda mais desarrazoada e contrária à boa técnica processual. 

Embora a Apelante tenha pugnado pela aplicação da teoria da causa madura (Art. 1.013, § 3º, I do CPC) para que esta Corte julgue o mérito, entendo que o vício processual na origem (ausência de oportunidade de emenda da inicial) é de tal gravidade que impede o julgamento imediato do mérito por este Tribunal. A cassação da sentença e o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau são medidas que garantem o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, permitindo que o Juízo a quo, se assim entender, promova o saneamento necessário e conduza a instrução processual de forma completa, proferindo, ao final, uma decisão de mérito. A aplicação da teoria da causa madura, neste cenário, implicaria em supressão de instância, o que é vedado. 

Portanto, a sentença deve ser anulada, a fim de que o processo retorne à origem para o devido saneamento e processamento, com a observância do Art. 321 do CPC. 

 

DISPOSITIVO 

Ante o exposto, com fundamento no artigo 932, inciso V, do Código de Processo Civil, CONHEÇO do Recurso de Apelação e a ele DOU PARCIAL PROVIMENTO, ao Recurso Interposto, para ANULAR A SENTENÇA proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Picos/PI. 

DETERMINO O RETORNO DOS AUTOS à origem para que o processo tenha regular prosseguimento, com a observância do disposto no artigo 321 do Código de Processo Civil, e posterior julgamento do mérito, evitando-se supressão de instância e garantindo-se o devido processo legal. 

Custas recursais na forma da lei. Sem condenação em honorários recursais, por se tratar de anulação de sentença. 

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. 

 

 

TERESINA-PI, 1 de setembro de 2025.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0803267-33.2024.8.18.0032 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 01/09/2025 )

Detalhes

Processo

0803267-33.2024.8.18.0032

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Contratos Bancários

Autor

HILDA DE SOUSA NASCIMENTO

Réu

BANCO BRADESCO S.A.

Publicação

01/09/2025