poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador LIRTON NOGUEIRA SANTOS
PROCESSO Nº: 0800480-80.2025.8.18.0069
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Práticas Abusivas]
APELANTE: MARIA DE LOURDES PEREIRA LIMA
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A
DECISÃO TERMINATIVA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. FRACIONAMENTO INDEVIDO DE DEMANDAS. RECURSO DESPROVIDO.
Apelação Cível interposta por Maria de Lourdes Pereira Lima contra sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu, sem resolução do mérito, Ação Declaratória de Inexistência Contratual c/c Repetição de Indébito c/c Indenização por Danos Morais, proposta em face do Banco Bradesco Financiamentos S.A. A autora alegou descontos indevidos em seu benefício previdenciário oriundos de contrato de crédito consignado que afirma não ter firmado. A sentença entendeu haver fracionamento indevido de demandas com base na mesma causa de pedir, configurando litigância predatória, e fundamentou a extinção nos arts. 330, III, e 485, I e VI, do CPC. A autora apelou alegando cerceamento de defesa, ausência de contraditório e legitimidade das ações autônomas. O recurso foi conhecido e desprovido.
Há duas questões em discussão: (i) verificar se a extinção do processo sem resolução do mérito, por litigância predatória e ausência de interesse processual, foi legítima; (ii) definir se houve cerceamento de defesa em razão da ausência de intimação prévia para emenda da petição inicial.
O ajuizamento de diversas ações autônomas, com idêntica causa de pedir e réu comum, configura fracionamento indevido de demandas e caracteriza litigância predatória, violando o dever de boa-fé processual previsto no art. 5º do CPC.
A Súmula nº 33 do TJPI legitima a exigência de documentos adicionais, nos termos do art. 321 do CPC, quando houver suspeita fundada de demanda predatória, permitindo o indeferimento liminar da inicial.
O poder geral de cautela autoriza o magistrado a adotar medidas para preservar a regularidade do processo e coibir abusos, nos termos do art. 139, III, do CPC.
O indeferimento da petição inicial encontra respaldo em jurisprudência consolidada que reconhece o abuso do direito de ação quando há fracionamento artificial de demandas idênticas, com o fim de potencializar condenações e sobrecarregar o Judiciário.
A extinção do processo não configura cerceamento de defesa, pois a autora, em outras ações similares, já fora advertida sobre a necessidade de individualização e apresentação de documentos, tendo ciência dos critérios aplicados em casos de suspeita de litigância predatória.
A Recomendação CNJ nº 127/2023 respalda a atuação judicial preventiva em face da judicialização predatória, compatibilizando o direito de acesso à justiça com os princípios da razoável duração do processo e eficiência.
Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
A propositura de múltiplas ações autônomas, fundadas na mesma causa de pedir e contra o mesmo réu, caracteriza fracionamento indevido de demandas e litigância predatória, autorizando a extinção do processo sem resolução do mérito.
O indeferimento da petição inicial por ausência de interesse processual, em casos de suspeita de litigância predatória, é legítimo e não configura cerceamento de defesa, desde que fundado em elementos objetivos e respaldado por instrumentos normativos e jurisprudenciais.
O poder geral de cautela autoriza o magistrado a adotar medidas preventivas para garantir a integridade do processo e coibir o uso abusivo da via judicial.
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 5º, 139, III, 321, 330, III, 485, I e VI, 932, IV, "a", 98, §3º, 1.021, §4º, e 1.026, §2º; CDC, art. 3º.
Jurisprudência relevante citada: TJPI, Súmula nº 33; TJPI, ApCiv 0800921-43.2024.8.18.0054, Rel. Des. Antônio Lopes de Oliveira, j. 14.08.2025; TJPI, ApCiv 0802815-27.2023.8.18.0042, Rel. Des. Manoel de Sousa Dourado, j. 03.10.2024; TJMT, N.U 1011942-88.2021.8.11.0003, j. 11.05.2022; TJ-CE, AC 02004913820228060154, j. 29.06.2022.
1. RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível (id 26250199) interposta por Maria de Lourdes Pereira Lima contra sentença (id 26250195) proferida nos autos da Ação Declaratória de Inexistência Contratual c/c Repetição do Indébito c/c Indenização por Danos Morais, ajuizada em desfavor do Banco Bradesco Financiamentos S.A.
Na origem (id 26250190), a parte autora alegou ser titular de benefício previdenciário e ter identificado descontos indevidos em sua conta bancária, supostamente decorrentes de contrato de crédito consignado que afirma não ter celebrado. Pediu, em síntese, a declaração de inexistência do vínculo contratual, a devolução em dobro dos valores indevidamente debitados e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.
O juízo de primeiro grau, ao analisar os autos (id 26250195), indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução do mérito, com base nos artigos 330, III e 485, I e VI, do CPC, por considerar caracterizada a ausência de interesse processual em virtude da prática de fracionamento de demandas contra a mesma instituição financeira. Ressaltou-se que a autora ajuizou várias ações autônomas fundadas na mesma causa de pedir, visando, segundo o juízo a quo, ao enriquecimento ilícito, o que configuraria litigância predatória. A sentença citou precedentes jurisprudenciais e a Nota Técnica nº 06/2023 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí.
Inconformada, a autora interpôs apelação (id 26250199) alegando que a extinção se deu de forma prematura e sem a prévia oportunidade de emenda da inicial, especialmente por não ter sido intimada para prestar esclarecimentos ou apresentar documentos adicionais. Requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita e sustentou que cada ação proposta trata de contratos distintos, celebrados em momentos diferentes, não se tratando de repetição de pedidos, o que tornaria legítima a via escolhida. Defendeu a inaplicabilidade automática da tese da litigância predatória, destacando a necessidade de individualização de cada caso concreto e o respeito ao princípio do contraditório. Requereu a nulidade da sentença e o regular prosseguimento do feito.
Em contrarrazões (id 26250202), o recorrido requereu o não conhecimento do recurso, ao argumento de ausência de dialeticidade, afirmando que a recorrente se limitou a repetir os argumentos da petição inicial, sem impugnar os fundamentos específicos da sentença. Defendeu a manutenção da sentença, reiterando o abuso do direito de ação pelo fracionamento de ações idênticas, ausência de interesse processual e litigância de má-fé. Alegou, ainda, a ausência de comprovação da hipossuficiência econômica da autora, pleiteando o indeferimento da justiça gratuita. Ressaltou, por fim, que a atuação reiterada com demandas genéricas, sem provas individualizadas, configura litigância predatória, o que justifica a extinção sem resolução do mérito.
É o relatório. Passo a decidir.
2. ADMISSIBILIDADE RECURSAL
Preenchidos os pressupostos processuais exigíveis à espécie, recebo o recurso de apelação interposto por MARIA DE LOURDES PEREIRA LIMA.
Diante do exposto, CONHEÇO da irresignação recursal e passo à análise do mérito.
3. MÉRITO
A controvérsia recursal cinge-se à análise da sentença (id 26250195) que extinguiu o feito sem resolução do mérito, motivada por indícios de advocacia predatória.
O magistrado sentenciante consignou que: "Em pesquisa ao PJE – 1º grau, constata-se que a parte autora ajuizou várias demandas contra a mesma instituição financeira/grupo econômico – , referentes aos mesmos fatos, vale dizer, descontos de tarifas em seu benefício previdenciário, a saber: 0800480-80.2025.8.18.0069; 0800481-65.2025.8.18.0069; 0800482-50.2025.8.18.0069; 0800483-35.2025.8.18.0069; 0800484-20.2025.8.18.0069; 0800485-05.2025.8.18.0069; 0800486-87.2025.8.18.0069."
Sobre o cerne do recurso em apreço, constato que o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí possui a súmula nº 33 no sentido de que “em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil”.
Diante da existência da súmula nº 33 do Tribunal de Justiça e da previsão do artigo 932, IV, do Código de Processo Civil, é possível o julgamento monocrático por esta relatoria.
Ressalto que a matéria em discussão é regida pelas normas pertinentes ao Código de Defesa do Consumidor, porquanto a instituição financeira caracteriza-se como fornecedora de serviços, nos termos do artigo 3º.
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Além disso, há entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Entendo que, diante da possibilidade de lide predatória, compete ao juiz o poder/dever de controlar os processos de forma eficiente, diligenciando para que o andamento do caso concreto seja pautado no princípio da boa-fé, evitando os abusos de direitos, buscando identificar a prática de litigância predatória e adotando medidas necessárias para coibi-la.
O poder geral de cautela do Juiz consiste na possibilidade do magistrado adotar medida cautelar assecuratória adequada e necessária, de ofício, ainda que não prevista expressamente no Código de Processo Civil, para garantir o cumprimento das ordens judiciais, de forma a prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e, até mesmo, indeferir postulações meramente protelatórias, conforme se extrai do art. 139, inciso III, do CPC.
Menciono importante passagem do processualista Alexandre Freitas Câmara sobre o poder geral de cautela.
“O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o processo que podem vir a ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se considerado necessário prever a possibilidade de o juiz conceder medidas outras que não apenas aquelas expressamente previstas pelas leis processuais.” (FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, vol. III, p. 43.)
Sendo assim, é perfeitamente possível que o magistrado adote providências voltadas ao controle do desenvolvimento válido e regular do processo e acauteladora do exercício ao direito da ação, sem olvidar da ampla defesa e do contraditório.
Nesse sentido, trago os seguintes precedentes dos tribunais:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - JUSTIÇA GRATUITA - NÃO APRECIAÇÃO NA ORIGEM - CONCESSÃO TÁCITA - INDEFERIMENTO DA INICIAL - EXTINÇÃO DA LIDE SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS - RECURSO NÃO PROVIDO. Se o pedido de justiça gratuita não foi apreciado na primeira instância, considera-se tacitamente deferido (AgInt no RMS 60388/TO). O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJMT - N.U 1011942-88.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/05/2022, Publicado no DJE 12/05/2022).
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO - DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. FRACIONAMENTO DE AÇÕES QUE INDICAM ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR. CONDUTA ADOTADA QUE CONFIGURA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESLEALDADE PROCESSUAL EM OBTER VANTAGEM INDEVIDA. APLICAÇÃO DE MULTA DE OFÍCIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA INALTERADA. 1. Foi indeferida a petição inicial da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica sob o fundamento de que, a parte opta pelo fracionamento de ações, o que consiste em um verdadeiro abuso de direito de demandar. 2. Entretanto, em suas razões recursais, a apelante limita-se a defender a necessidade de ajuizamento de diferentes ações para cada contrato consignado não realizado com o Banco promovido. 3. O fracionamento das ações, como a do presente caso, consiste em um verdadeiro abuso do direito de demandar, na medida em que a autora ajuizou diversas ações contra a mesma parte, inclusive veiculando pedido idêntico, no caso, a declaração de inexigibilidade de débito, configurando conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. 4. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2a Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer o recurso interposto e negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora. (TJ-CE - AC: 02004913820228060154 Quixeramobim, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, Data de Julgamento: 29/06/2022, 2a Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 29/06/2022).
AÇÃO DE ANULABILIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - COMPROVANTE DE ENDEREÇO - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO DA EXTINÇÃO - FRACIONAMENTO DE AÇÕES - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - RECURSO DESPROVIDO. Apesar do comprovante de endereço não se tratar de documento indispensável à propositura da ação, exigindo a legislação processual tão somente a indicação do domicílio, é de rigor a manutenção do indeferimento da inicial, por fundamento diverso. Quando a parte opta pelo fracionamento das ações, na medida em que poderia incluir em uma só ação os débitos que reputa fraudulentos contra mesma instituição financeira, demonstra, na verdade, o desinteresse processual, sendo imperiosa a extinção do feito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC."(TJMT - N.U 1000796-24.2021.8.11.0044, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/09/2021, Publicado no DJE 30/09/2021).
A P E L A Ç Ã O - A Ç Ã O D E C L A R A T Ó R I A D E NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - FRACIONAMENTO DE AÇÕES - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - RECURSO DESPROVIDO. O fracionamento de ações, no caso, visa o enriquecimento ilícito da parte e configura desinteresse processual, o que leva a extinção do feito (art. 485, inc. VI, do CPC). (TJ-MT 10062354020208110015 MT, Relator: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/08/2022).
Com fundamento na Nota Técnica nº 06/2023 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí, resta clara que a referida demanda não se trata apenas de ação em massa, mas de DEMANDAS PREDATÓRIAS; vejamos:
"As demandas judicializadas reiteradamente e, em geral, em massa, contendo teses genéricas, desprovidas, portanto, das especificidades do caso concreto, havendo alteração apenas quanto às informações pessoais da parte, de forma a dificultar o exercício do contraditório e da ampla defesa, são consideradas predatórias. Caracterizam-se, também, pela propositura, ao mesmo tempo, em várias comarcas ou varas e, muitas vezes, em nome de pessoas vulneráveis, o que contribui para comprometer a celeridade, eficiência e o funcionamento da prestação jurisdicional, na medida que promove a sobrecarga do Poder Judiciário, em virtude da necessidade de concentrar mais força de trabalho por conta do congestionamento gerado pelo grande número de ações temerárias."
Seguindo o mesmo raciocínio, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ através da recomendação nº 127 recomendou aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória, que possa acarretar o cerceamento de defesa e a limitação da liberdade de expressão.
Confira-se:
Art. 1º Recomendar aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento de defesa e a limitação da liberdade de expressão. No tocante à solução para evitar os efeitos danosos das demandas predatórias, a recomendação determina:
Art. 3º Com o objetivo de evitar os efeitos danosos da judicialização predatória na liberdade de expressão, recomenda-se que os tribunais adotem, quanto ao tema, medidas destinadas, exemplificativamente, a agilizar a análise da ocorrência de prevenção processual, da necessidade de agrupamento de ações, bem como da eventual má-fé dos demandantes, a fim de que o demandado, autor da manifestação, possa efetivamente defender- se judicialmente.
Desse modo, o Judiciário deve coibir condutas temerárias que não respeitam a boa-fé processual tão preconizada na atual codificação processual, insculpida logo de início no artigo 5º do CPC, confira: “Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”
Destaco, outrossim, que vedar a tramitação desse tipo de ação não significa impedir o acesso à justiça, mas sim velar para que esse direito seja feito de forma eficaz e com padrões éticos adequados.
Nessa toada, manifesto minha concordância com o entendimento exarado pelo d. Juízo a quo em relação ao prejuízo da conduta assumida pela Requerente/Apelante em relação a princípios basilares para a ordem jurídica, como a razoável duração do processo, além da eficiência e economia processual. Logo, não se mostra acertado o acionamento exacerbado e desmotivado do Poder Judiciário com o ajuizamento de ações com o mesmo teor e finalidade, sendo adequada a aplicação dos arts. 330, I e 485, VI, CPC.
O Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em casos similares, já deliberou:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DE EMENDA. EXIGÊNCIAS FUNDAMENTADAS EM FORTES INDÍCIOS DE ADVOCACIA PREDATÓRIA E LITIGÂNCIA EM MASSA. LEGITIMIDADE DA CONDUTA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. APLICAÇÃO DA SÚMULA 33 DO TJPI. EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800921-43.2024.8.18.0054 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 14/08/2025)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA INICIAL PARA A JUNTADA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. DESCUMPRIMENTO. INDÍCIOS DE LIDE PREDATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 33 DO TJPI. CONDENAÇÃO DA ADVOGADA DA AUTORA EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MANTIDA. FATIAMENTO DE AÇÕES. ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA. TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0802815-27.2023.8.18.0042 - Relator: MANOEL DE SOUSA DOURADO - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 03/10/2024
Assim, é possível concluir que todos têm o direito de acesso à Justiça, mas esse direito não pode ser usado com práticas abusivas, geradora de aumento exacerbado do valor de indenizações e de honorários advocatícios sucumbenciais, além de desperdício expressivo de recurso público com o seu processamento no Judiciário, pois, a parte autora, propondo três ações ao invés de uma, tende a gerar uma grande despesa custeada exclusivamente pelo erário, já que litiga ao amparo da justiça gratuita.
4. DISPOSITIVO
DO EXPOSTO, com fundamento no art. 932, IV, "a", do CPC, CONHEÇO da apelação, mas para NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença vergastada.
Deixo de majorar os honorários recursais, visto que não houve sua fixação na sentença de primeiro grau.
Custas pela parte autora, com exigibilidade suspensa, ante à concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.
Advirto às partes que a oposição de Embargos Declaratórios ou a interposição de Agravo Interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista, respectivamente, no art. 1.026, § 2º, e no art. 1.021, § 4º, ambos do CPC.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos dando-se baixa na distribuição.
Teresina/PI, data da assinatura digital.
Desembargador LIRTON NOGUEIRA SANTOS
Relator
0800480-80.2025.8.18.0069
Órgão JulgadorDesembargador LIRTON NOGUEIRA SANTOS
Órgão Julgador Colegiado4ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)LIRTON NOGUEIRA SANTOS
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalPráticas Abusivas
AutorMARIA DE LOURDES PEREIRA LIMA
RéuBANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A
Publicação29/08/2025