Decisão Terminativa de 2º Grau

Contratos Bancários 0803632-88.2023.8.18.0140


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

PROCESSO Nº: 0803632-88.2023.8.18.0140
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Contratos Bancários, Dever de Informação, Práticas Abusivas]
APELANTE: MARIA APARECIDA BARROS ALVES
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.


JuLIA Explica

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

 

Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO BANCÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE CONTRATO. NULIDADE DA AVENÇA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DA PARTE AUTORA PALCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO BANCO IMPROVIDO.

 

Vistos etc.

 

Tratam-se de APELAÇÕES CÍVEIS interpostas pelo BANCO BRADESCO S/A e MARIA APARECIDA BARROS ALVES contra sentença exarada na AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS movida por Maria Aparecida Barros Alves em face do BANCO BRADESCO S/A, (Processo nº 0803632-88.2023.8.18.0140, 6ª Vara CÍVEL da Comarca DE TERESINA/PI).

Ingressou a parte autora com a ação, alegando, em síntese, que possui uma conta corrente para efetuar saques, pagamentos e depósitos, porém vem sofrendo descontos referentes a seguro que nunca solicitou. Ao final, requer condenação do requerido à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados e indenização por danos morais.

O banco réu apresentou contestação, alegando a regularidade da contratação e pugnando pela improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos, no entanto, não juntou o contrato válido aos autos.

Em Réplica a contestação, a parte autora reiterou os pedidos formulados na inicial.

Por sentença (ID 16964934 – ID de origem 53969439), o d. Magistrado a quo, assim julgou: Ante o exposto, em face das razões deduzidas, com apoio na substância e inteligência das normas referidas, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para:

a) Declarar a inexistência do Contrato de Seguro Bradesco Vida e Previdência, devendo a parte ré se abster de realizar qualquer tipo de desconto em relação a ele;

b) Condenar a ré no pagamento em dobro do que foi descontado no contracheque da autora, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, a contar da data do desconto (Súmulas n.º 54 e 43, do STJ);

c) Condenar a ré no pagamento em favor da requerente da importância de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de dano moral, acrescida, a partir do ilícito (primeiro desconto indevido), de juros de mora de 1% ao mês (art. 406, do CC/2002, c/c. o art. 161, § 1.º, do CTN e Súmula 54, STJ), corrigida monetariamente pela Tabela de Correção Monetária da Justiça Federal (Provimento Conjunto n.º 006/2010), a partir da sentença (Súmula 362, do STJ), até o efetivo pagamento.

Diante da sucumbência, condeno a parte ré no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios da parte autora, que fixo em 10% sobre o proveito econômico auferido por esta.

Inconformado, o banco apelou (ID 16964940 – ID de origem 54837913), pugnando pelo acolhimento do recurso, requerendo a reforma da sentença. Caso não seja totalmente acolhido o apelo, requereu a minoração do valor da indenização dos danos morais, bem como a determinação da devolução simples dos valores descontados.

A parte autora também interpôs apelação (ID 16964936 – ID de origem 54002534), requerendo a reforma da sentença para majorar o valor da indenização fixado a título de danos morais.

Devidamente intimadas, ambas as partes apresentaram contrarrazões, requerendo o improvimento do recurso de apelação da parte adversa.

Posteriormente, em petição atravessada nos autos (ID 22161160), o banco requerido suscitou a ocorrência de prescrição trienal e, subsidiariamente, prescrição quinquenal.

Intimada, a parte autora em manifestação id 23698652, requereu a rejeição da tese de existência de prescrição.

 

É, em resumo, o relatório necessário.

 

Os Recursos de Apelação merecem ser conhecidos, eis que estão comprovados os pressupostos da sua admissibilidade.

Delineada sumariamente a pretensão recursal, passo, de logo, ao julgamento monocrático do mesmo, eis que é dispensada a participação de Órgão Julgador Colegiado, nos moldes do art. 932, V, alínea “a”, do CPC, que autoriza o relator a dar provimento a recurso se a decisão recorrida for contrária a Súmula do próprio Tribunal.

O d. Magistrado a quo julgou a demanda procedente.

Compulsando os autos, verifica-se que não consta nenhuma prova que ateste a contratação dos serviços, haja vista a inexistência de documento hábil para comprovar a existência e validade da relação contratual, muito menos houve a juntada do contrato discutido nos autos.

O banco não conseguiu comprovar quaisquer fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito autoral a fim de eximir sua responsabilidade pelos alegados danos, não se desincumbindo válida e satisfatoriamente do ônus que lhe competia, restando configurada a ocorrência de dano e a responsabilidade do banco em indenizar a parte autora.

Nesse caminho, colaciona-se o entendimento jurisprudencial sumulado no âmbito deste e. Tribunal de Justiça, acerca da aplicação da inversão do ônus da prova nas ações desta espécie:

SÚMULA 26 Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.

Dito isto, tenho que o banco, quando da apresentação de sua contestação, não colacionou aos autos o contrato ora discutido, caracterizando, destarte, que as cobranças realizadas pelo banco basearam-se em contrato nulo.

Quanto ao pedido de indenização em razão do dano moral que afirma a parte autora haver sofrido, tenho que lhe assiste razão.

Importa trazer à colação o disposto na primeira parte do parágrafo único do art. 927, do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Como dito, as instituições financeiras respondem objetivamente pela má prestação do serviço ou fornecimento do produto, sendo inequívoca a aplicação do art. 14 do CDC nas relações bancárias firmadas com a pessoa física ou jurídica na condição de consumidora final.

Deste modo, pode-se notar que a responsabilidade civil decorre do descumprimento obrigacional pela infringência a uma regra contratual, ou, por ausência de observância de um preceito normativo que regula a vida.

Destarte, mais do que mero aborrecimento, patente o constrangimento e angústia suportados pela parte autora, na medida em que fora obrigada a ver reduzido seu provento por má conduta do banco.

Em relação ao quantum a ser arbitrado a título de ressarcimento por danos morais tenho que, ressalvada a notória dificuldade da fixação de valores a serem pagos a título de indenização por danos morais, e à vista da inexistência legal de critérios objetivos para seu arbitramento, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Outrossim, deve-se atentar para a natureza jurídica da indenização, que não só deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, como também o de cumprir o seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito.

Correto, por outro lado, que a indenização por danos morais não pode resultar em obtenção de vantagem indevida. Por outro prisma, também não pode ser irrisória, pois almeja coibir a repetição de comportamento descompromissado.

Dessa forma, levando em consideração o potencial econômico do banco, as circunstâncias e a extensão do evento danoso, ratifico o meu posicionamento, já adotado em casos semelhantes, entendendo por razoável e proporcional a condenação dos danos morais na quanta de cinco mil reais (R$ 5.000,00), a ser paga pelo banco à parte autora.

Portanto, o montante compensatório arbitrado na origem deve ser retificado em razão do princípio da devolutividade e tendo em vista que a irresignação recursal nesse aspecto partiu de ambas as partes, fixo a condenação em danos morais em favor da parte Autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Nessa esteira, cabível a repetição do indébito em dobro, ante a violação, via descontos nos benefícios previdenciários da autora sem cumprir com a devida contraprestação, donde também se depreende a má-fé da instituição financeira, para efeitos da repetição dobrada prevista no art. 42, parágrafo único, CDC.

Por fim, tendo em vista a manifestação do banco (ID 22161160), apontando a possível ocorrência de prescrição trienal, bem como acolhimento da tese de prescrição quinquenal, passo a analisar o pleito.

De início, cabe esclarecer que ao caso deve aplicar-se o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, se não vejamos:

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

Tem-se que a contratação de empréstimo bancário cuida de obrigação de trato sucessivo ou de execução continuada, a qual se caracteriza pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo.

Logo, revela-se a ocorrência de uma obrigação de trato sucessivo, uma vez que a cada prestação mensal renova-se o prazo para ingresso de ação referente a questionamentos do referido negócio.

Nesse sentido, colaciona-se entendimento do Colendo STJ:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. A jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior é no sentido de que, fundando-se o pedido na ausência de contratação de empréstimo com instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.

2. Em relação ao termo inicial, insta esclarecer que a jurisprudência desta Casa é firme no sentido de que o prazo prescricional para o exercício da referida pretensão flui a partir da data do último desconto no benefício previdenciário.

3. Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp 1728230/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021)”

 

Desse modo, não há que se falar em prescrição trienal, como alegada pelo banco apelante/apelado, uma vez que para o presente caso deverá ser utilizado como parâmetro o prazo prescricional quinquenal, por tratar-se de demanda aplicada no Código de Defesa do Consumidor.

Da análise dos autos, verifica-se que o contrato discutido, cujo mesmo foi firmado em 2018, teve como início dos descontos o dia 04/10/2018 e tendo o último desconto ocorrido em novembro de 2019. Portanto, levando-se em conta o instituto da prescrição quinquenal, a parte apelante tinha 05 (cinco) anos a partir da data do último desconto para ajuizar a devida ação (NOVEMBRO DE 2024).

Destarte, não houve o transcurso do prazo prescricional de 05 (cinco) anos, posto que a ação foi ajuizada no dia 29 de janeiro de 2023, não ocorrendo assim, a prescrição apontada.

Portanto, REJEITO a tese de ocorrência de prescrição apontada pelo banco.

Diante do exposto, e sem a necessidade de maiores considerações, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao RECURSO DE APELAÇÃO interposto por MARIA APARECIDA BARROS ALVES e NEGO PROVIMENTO ao RECURSO DE APELAÇÃO interposto pelo BANCO BRADESCO S.A, para reformar a sentença apenas no tocante ao valor da condenação dos danos morais, fixando-o no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Majoro a condenação das custas processuais e honorários advocatícios, para o percentual de quinze por cento (15%) do valor atualizado da condenação.

Por fim, mantenho os demais termos da sentença.

Intimem-se.

Transcorrendo in albis o prazo recursal, certifique-se.

Cumpra-se.

 

 

 


Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CDC, arts. 6º, VI, 14, 27 e 42, parágrafo único; CC, art. 927, parágrafo único; CPC, art. 6º.

Jurisprudência relevante citada: TJPI, Súmula nº 26.

(AgInt no AREsp 1728230/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021).

TERESINA-PI, 29 de agosto de 2025.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0803632-88.2023.8.18.0140 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 29/08/2025 )

Detalhes

Processo

0803632-88.2023.8.18.0140

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Contratos Bancários

Autor

MARIA APARECIDA BARROS ALVES

Réu

BANCO BRADESCO S.A.

Publicação

29/08/2025