Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0800817-46.2024.8.18.0088


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

PROCESSO Nº: 0800817-46.2024.8.18.0088
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Contratos Bancários, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado]
APELANTE: TOMAZ OLIVEIRA
APELADO: BANCO ITAU CONSIGNADO S/A


JuLIA Explica

DECISÃO TERMINATIVA

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO PÚBLICA SEM FUNDAMENTAÇÃO LEGAL. PARTE ALFABETIZADA. INDEVIDA A EXIGÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA ANULADA.

1. A imposição de apresentação de procuração pública, como condição para o exercício do direito de ação, somente se justifica em hipóteses excepcionais, como quando a parte é analfabeta, o que não se verifica na espécie.

2. A Nota Técnica nº 06/2023 do TJPI e a Recomendação nº 159 do CNJ autorizam o magistrado a adotar medidas cautelares para coibir práticas de advocacia predatória, mas tais medidas devem observar o princípio da legalidade e ser aplicadas com base em elementos concretos, o que não ocorreu no presente caso.

3. A Súmula nº 33 do TJPI estabelece que a exigência de procuração pública só se aplica nos casos em que a parte outorgante é analfabeta, hipótese não caracterizada nos autos, sendo indevida a aplicação da sanção processual de extinção da demanda.

4. A sentença violou os princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF) e da primazia da decisão de mérito (art. 4º, CPC), impondo-se sua anulação.

5. Não se aplica a regra do art. 1.013, § 3º, I, do CPC, pois o processo ainda não foi instruído nem houve citação da parte ré, devendo os autos retornar ao juízo de origem para regular processamento.

6. Recurso provido.







Visto etc.





Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por TOMAZ OLIVEIRA, contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Capitão de Campos-PI, nos autos da “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL” ajuizada contra BANCO ITAÚ CONSIGNADO S.A., ora apelado.

 

Na sentença recorrida, o d. Juízo de 1º Grau julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento nos incisos I e IV do artigo 485, do CPC, sob o argumento de que a parte autora, mesmo intimada, não apresentou documento essencial - a procuração pública - para o desenvolvimento regular da lide, conforme exigido. O magistrado justificou a imposição com base no elevado número de ações semelhantes, mencionando indícios de advocacia predatória e fundamentos extraídos de notas técnicas do TJPI.

 

A parte apelante nas suas razões recursais sustenta, em síntese, que a petição inicial foi devidamente instruída, sendo desnecessária a juntada de procuração pública. Pleiteia o integral provimento do recurso, devendo ser anulada a sentença.

 

Intimada, a parte ré apresentou contrarrazões, requerendo o improvimento do recurso.

É o relatório. Decido.

 

Trata-se, na origem, de demanda que visa a declaração de nulidade/inexistência da relação contratual com pedido de repetição de indébito e reparação por dano moral.

 

O juízo a quo determinou a intimação da parte autora, por meio de seu patrono, para apresentação de procuração lavrada por instrumento público, sob o fundamento de haver indícios de litigância predatória, uma vez que a demandante ajuizou diversas ações com idêntico objeto. Amparou-se, para tanto, no poder geral de cautela e na Nota Técnica nº 06/2023 do TJPI, visando coibir práticas abusivas e garantir a boa-fé processual.

 

Segundo consignado na sentença, em casos como esse, admite-se a exigência de tais documentos, como medida preventiva contra fraudes processuais, convertendo-se tal exigência em condição para o exercício do direito de ação. Diante do descumprimento da ordem judicial, determinou-se a extinção do processo sem resolução do mérito.

 

Não se contesta a pertinência de medidas preventivas por parte do magistrado diante da proliferação de lides temerárias, conforme preconizam a Nota Técnica nº 06/2023 do CIJEPI e a Recomendação nº 159 do CNJ. Essas diretrizes respondem ao aumento expressivo de demandas, especialmente no tocante a empréstimos consignados, muitas vezes formuladas a partir de petições padronizadas, sem documentação mínima ou com ajuizamento em massa em nome de um único autor.

Importante transcrever o conceito de demanda predatória, conforme delineado na referida nota técnica:
“São consideradas predatórias as demandas judicializadas de forma reiterada e, em regra, em massa, fundadas em teses genéricas, desprovidas das particularidades do caso concreto, com simples substituição dos dados pessoais da parte autora, de modo a dificultar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.”

Nesse cenário, para coibir tais demandas, a Nota Técnica nº 06/2023 sugere a tomada de algumas ações, lastreadas no poder-dever geral de cautela do juiz, previsto no art. 139, inciso III, do Código de Processo Civil, quais sejam:

"a) Exigir apresentação de procuração e de comprovante de endereço atualizado, além da outorga de poderes específicos no mandato, nos casos de juntada de procuração em via não original e/ou desatualizada, ou até mesmo quando existe divergência quanto ao endereço;

b) Determinar a apresentação de extrato bancário do período, para comprovar diligência prévia na aferição da viabilidade jurídica da pretensão por meio da confirmação de que o valor do empréstimo não teria sido disponibilizado à parte autora;

c) Intimação pessoal da parte autora para que esclareça ao oficial de justiça se contratou o profissional habilitado nos autos para a propositura da ação, se firmou a procuração acostada nos autos e como se deu a contratação;

d) Determinação à parte autora para exibir procuração por escritura pública, quando se tratar de analfabeto;

e) Determinar a comprovação de autenticidade através do reconhecimento de firma."



O entendimento do TJPI, consolidado na Súmula nº 33, autoriza a exigência dos documentos acima referidos quando houver fundada suspeita de litigância predatória, com base no art. 321 do CPC.

Entretanto, tal análise deve ser realizada de forma concreta e casuística, sob pena de afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF).

No caso em apreço, diferentemente do que sugeriu o juízo de primeiro grau, não há respaldo legal ou jurisprudencial para exigir procuração pública de pessoa alfabetizada, como é o caso do autor, cuja procuração, constante no ID 21459046, foi apresentada em sua forma original, válida e atualizada.

Logo, a extinção do processo com base na não apresentação de instrumento público é indevida, carecendo de amparo tanto na legislação quanto na Nota Técnica nº 06/2023.

Nesse contexto, à luz dos princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) e da primazia da decisão de mérito (art. 4º, CPC), impõe-se a superação do óbice processual apontado, devolvendo-se os autos à origem para regular prosseguimento.

Ressalte-se que o processo ainda não se encontra em condições de julgamento imediato, uma vez que não houve citação da parte ré, nem instrução suficiente da demanda, razão pela qual não se aplica, ao presente caso, a regra do art. 1.013, § 3º, I, do CPC (teoria da causa madura).

Assim sendo, nos termos do art. 932, V, "a", do CPC, dá-se provimento ao recurso, considerando que a sentença recorrida contraria o entendimento consolidado na Súmula nº 33 do TJPI, que limita a exigência de procuração pública aos casos em que a parte outorgante é analfabeta, o que não se verifica na espécie.

 

Frise-se, por fim, que as súmulas aprovadas pelo Plenário deste Egrégio Tribunal consubstanciam precedentes qualificados, cuja observância se impõe aos seus membros e órgãos fracionários, nos moldes do art. 927, inciso V, do Código de Processo Civil, autorizando, inclusive, o julgamento monocrático da causa, a teor do que prescreve o art. 932, IV, “a”, c/c art. 1.011, I, ambos do CPC:

Art. 932. Incumbe ao relator:

[...]

IV - Negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:

I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V.

 

Diante do exposto e sem a necessidade de maiores considerações, DOU PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, no sentido de ANULAR a sentença recorrida, e não estando a causa madura para julgamento, determinar o RETORNO DOS AUTOS ao Juízo de Origem para regular processamento e julgamento.

 

 

Por fim, deixo de fixar honorários advocatícios recursais, de acordo com o art. 85, § 11, do CPC/15, tendo em vista que a decisão não pôs fim à demanda, por determinar o prosseguimento do processo em primeiro grau de jurisdição.

 

Intimem-se as partes.

Transcorrendo o prazo recursal sem manifestação, certifique-se e dê-se baixa, arquivando-se os autos.

 

Cumpra-se.





TERESINA-PI, 29 de agosto de 2025.

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800817-46.2024.8.18.0088 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 29/08/2025 )

Detalhes

Processo

0800817-46.2024.8.18.0088

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

TOMAZ OLIVEIRA

Réu

BANCO ITAU CONSIGNADO S/A

Publicação

29/08/2025