poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0800789-45.2021.8.18.0036
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Defeito, nulidade ou anulação, Dever de Informação, Práticas Abusivas]
APELANTE: PEDRO BASILIO DOS SANTOS
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
DECISÃO MONOCRÁTICA
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARTE AUTORA IDOSA E ANALFABETA. ORDEM JUDICIAL DE JUNTADA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. DESCUMPRIMENTO. PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. SÚMULA Nº 33 DO TJPI. NOTA TÉCNICA Nº 06/2023 DO CIJEPI. EXIGÊNCIA LEGÍTIMA PARA VERIFICAÇÃO DA PLAUSIBILIDADE DA DEMANDA. HIPOSSUFICIÊNCIA QUE NÃO AFASTA O DEVER DE COOPERAÇÃO E A APRESENTAÇÃO DE PROVA MÍNIMA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
RELATÓRIO
PEDRO BASILIO DOS SANTOS, qualificado nos autos, ajuizou Ação Declaratória de Nulidade de Repetição de Indébito c/c Danos Morais em desfavor do BANCO BRADESCO S.A., igualmente qualificado.
Em sua petição inicial, o Autor alegou ser pessoa idosa e analfabeta, beneficiária da Previdência Social, e que foi surpreendido com descontos consignados em seu benefício referentes a um contrato de empréstimo (nº 812935639, no valor de R$ 5.180,91, em 72 parcelas de R$ 148,00, com início em 10/2019) que não reconhece ter contratado. Afirmou ter tomado conhecimento da suposta fraude apenas em março de 2021. Requereu a concessão da justiça gratuita, a inversão do ônus da prova, a declaração de nulidade do contrato, a repetição em dobro dos valores indevidamente descontados (R$ 5.328,00) e indenização por danos morais (sugerindo R$ 10.000,00). Manifestou desinteresse na autocomposição.
O Banco Bradesco S.A. apresentou contestação, arguindo, preliminarmente, a inépcia da inicial por ausência de extratos bancários que comprovassem os fatos alegados e o recebimento dos valores. Requereu, ainda, o segredo de justiça e a conexão com outros processos. No mérito, defendeu a regularidade da contratação, afirmando que o contrato foi devidamente assinado pelo Autor e por duas testemunhas, e que o valor do empréstimo foi liberado e usufruído. Sustentou que o analfabetismo não implica incapacidade e que a conduta do Autor violaria a boa-fé objetiva. Impugnou os pedidos de repetição em dobro e danos morais, alegando ausência de má-fé.
Em réplica, o Autor refutou as preliminares e reiterou seus pedidos, destacando que "prints de tela" não são prova hábil de depósito e que a ausência de formalidades legais (assinatura a rogo e duas testemunhas, conforme Art. 595 do Código Civil) torna o contrato nulo. Citou precedentes do TJPI e a Súmula 18 do TJPI, que dispõe sobre a nulidade do contrato na ausência de comprovação da transferência do valor pela instituição financeira.
O Juízo de primeiro grau, por meio de decisão interlocutória (ID 21888936), determinou a intimação da parte autora para apresentar procuração pública (já juntada, ID 21888942) e extratos bancários do período compreendendo os dois meses anteriores e dois posteriores à contratação, sob pena de extinção do processo ou julgamento no estado em que se encontrava, fundamentando-se na Recomendação nº 127 do CNJ e na Nota Técnica nº 06 do CIJEPI, que tratam da litigância predatória.
Sobreveio sentença (ID 21888943) que extinguiu o processo sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV, do CPC, por considerar que a parte autora não cumpriu a determinação de juntada dos extratos bancários, documento tido como essencial para a propositura da ação e para afastar a suspeita de litigância predatória.
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso de Apelação (ID 21888945), pugnando pela reforma da sentença. Argumentou que a demanda não se enquadra como litigância predatória, pois a inicial está devidamente instruída com procuração pública e comprovante de endereço, e que a exigência de extratos bancários não é condição da ação, especialmente em casos de inversão do ônus da prova, conforme Súmulas 18 e 26 do TJPI. Requereu a aplicação da Teoria da Causa Madura (Art. 1.013, § 3º, CPC) para que o mérito fosse julgado diretamente por este Tribunal, sustentando a nulidade do contrato por inobservância do Art. 595 do Código Civil e a ausência de comprovação da transferência do valor do empréstimo.
O Banco Bradesco S.A. apresentou contrarrazões (ID 21888958), defendendo a manutenção da sentença, reiterando a inépcia da inicial e a necessidade dos extratos bancários para comprovar a plausibilidade do direito alegado, e reforçando os argumentos sobre a litigância predatória.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
O presente recurso de Apelação Cível busca a reforma da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, em razão do não cumprimento da ordem de emenda da petição inicial, que exigia a juntada de extratos bancários. A controvérsia central reside na legitimidade da exigência de documentos adicionais, como extratos bancários, em ações que envolvem empréstimos consignados e suposta fraude, especialmente quando a parte autora é idosa e analfabeta.
Do Poder Geral de Cautela do Magistrado e da Litigância Predatória
A decisão de primeiro grau que determinou a juntada dos extratos bancários e, posteriormente, extinguiu o feito em razão do descumprimento da ordem, encontra amparo no poder geral de cautela do magistrado, previsto no art. 139, inciso III, do Código de Processo Civil. Este dispositivo confere ao juiz a prerrogativa de determinar todas as medidas necessárias para a boa condução do processo e para prevenir abusos, incluindo a coibição da chamada "litigância predatória".
A litigância predatória, caracterizada pela propositura massiva de ações com teses genéricas e desprovidas de particularidades do caso concreto, representa um sério desafio à eficiência e à credibilidade do Poder Judiciário. Em resposta a essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Recomendação nº 127, e este Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí, com a edição da Nota Técnica nº 06/2023 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Piauí (CIJEPI), têm orientado os magistrados sobre a adoção de diligências cautelares diante de indícios de tal prática.
A Súmula nº 33 do TJPI, inclusive, consolidou esse entendimento: Súmula nº 33 – TJPI
"Em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil."
No caso em tela, o Juízo de primeiro grau, ao identificar a natureza da demanda e a suspeita de litigância predatória, agiu em conformidade com as orientações deste Tribunal e com seu poder-dever de cautela. A exigência dos extratos bancários da conta da parte autora não se trata de um mero formalismo, mas de uma medida essencial para verificar a plausibilidade da alegação de fraude e a inexistência de contratação, bem como para apurar se o valor do empréstimo foi efetivamente creditado na conta do consumidor. Essa prova é fundamental para a instrução do processo e para evitar que o Poder Judiciário seja utilizado para fins indevidos.
Da Não Exclusão do Dever de Cooperação pela Hipossuficiência ou Inversão do Ônus da Prova
O Apelante argumenta que a exigência dos extratos bancários não seria condição da ação, especialmente em casos de inversão do ônus da prova, citando as Súmulas 18 e 26 do TJPI. Contudo, tal argumento não prospera no contexto da decisão de saneamento e extinção do processo.
Embora o Código de Defesa do Consumidor preveja a inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente (Art. 6º, VIII), tal instituto não dispensa a parte autora de apresentar um mínimo de prova de suas alegações. A hipossuficiência não se confunde com a ausência total de diligência ou com a impossibilidade de acesso a documentos básicos que comprovem a verossimilhança dos fatos narrados. Bancos e instituições financeiras, em regra, fornecem extratos aos seus clientes, e a dificuldade alegada não se mostra razoável para justificar o descumprimento de uma ordem judicial tão relevante para a elucidação dos fatos.
As Súmulas 18 e 26 do TJPI, embora importantes para a distribuição do ônus da prova no mérito da demanda, não afastam o dever do autor de cooperar com o juízo na fase de saneamento, especialmente quando há fundada suspeita de litigância predatória. A exigência de extratos bancários, neste momento processual, visa a subsidiar a análise da materialidade da transação e, consequentemente, da validade ou não do contrato, antes mesmo de adentrar o mérito.
A condição de pessoa idosa, embora garanta a prioridade na tramitação do feito, por si só, não impede o acesso à documentação necessária para a devida instrução processual, especialmente quando se trata de documentos que deveriam estar sob a guarda do próprio consumidor ou ser de fácil obtenção.
A jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí tem se posicionado de forma reiterada nesse sentido: TJPI, Apelação Cível nº 0800868-80.2023.8.18.0027, Rel. Des. Agrimar Rodrigues de Araújo, 3ª Câmara Especializada Cível, julgado em 08/02/2024 (ID 21888954)
"A decisão recorrida não deve prevalecer por ser, nas circunstâncias da causa, desproporcional, irrazoável e ilegal e contrária a súmula deste tribunal. [...] Desse modo, o ônus a respeito da comprovação da regularidade do contrato em questão, bem como da demonstração do regular pagamento do valor do empréstimo à parte Autora, ora Apelante, é do Banco Réu, ora Apelado, nos termos da súmula 18 deste tribunal. [...] in caso, o juízo de piso, atuando na contramão das súmulas 18 e 26 deste tribunal, determinou que a parte Apelante juntasse os extratos bancários para demonstrar o não recebimento dos valores discutidos."
No presente caso, o Apelante, embora tenha cumprido a determinação de juntada da procuração pública, não apresentou os extratos bancários solicitados, o que impede a verificação da plausibilidade de suas alegações e a correta instrução do processo. A inércia em cumprir a determinação judicial, que visava a sanar irregularidades e a subsidiar a análise da demanda, justifica o indeferimento da petição inicial e a consequente extinção do feito.
Portanto, a atuação do Juízo de primeiro grau, ao exigir a emenda da inicial e extinguir o processo diante do descumprimento, demonstra o compromisso com a busca da verdade real e com a prevenção de abusos processuais, em consonância com os princípios da boa-fé e da cooperação processual.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, com fulcro no art. 932, inciso IV, alínea "a", do Código de Processo Civil, c/c a Súmula nº 33 do TJPI, CONHEÇO da presente Apelação Cível, mas, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença de primeiro grau em todos os seus termos.
Em observância ao disposto no art. 85, § 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios recursais para 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, mantendo, contudo, a suspensão de sua exigibilidade em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita ao Apelante (art. 98, § 3º, do CPC).
Intimem-se as partes.
TERESINA-PI, 29 de agosto de 2025.
0800789-45.2021.8.18.0036
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalDever de Informação
AutorPEDRO BASILIO DOS SANTOS
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação29/08/2025