Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0800780-42.2025.8.18.0069


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador LIRTON NOGUEIRA SANTOS

PROCESSO Nº: 0800780-42.2025.8.18.0069
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: GONCALO BARBOSA LIMA
APELADO: BANCO PAN S.A.


JuLIA Explica

DECISÃO TERMINATIVA

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. NÃO CUMPRIMENTO DE EMENDA À INICIAL. INDÍCIOS DE ADVOCACIA PREDATÓRIA E LITIGÂNCIA EM MASSA. PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS. LEGITIMIDADE. SÚMULA 33 DO TJ-PI. TEMA REPETITIVO Nº 1198 DO STJ. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. NÃO VIOLAÇÃO. DIREITO DE ACESSO QUE NÃO EXIME A OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS PROCESSUAIS. DESPROVIMENTO MONOCRÁTICO. ART. 932, IV, "A", DO CPC.



1. RELATÓRIO


Cuida-se de recurso de apelação (id 26121601) interposto por Gonçalo Barbosa Lima contra sentença (id 26121600) que, nos autos de ação declaratória de nulidade contratual c/c repetição de indébito e indenização por danos morais, extinguiu o feito sem resolução do mérito, com fundamento nos artigos 330, III, e 485, I e VI, do CPC, ao reconhecer a ausência de interesse processual diante da prática de fracionamento indevido de demandas contra o mesmo réu.

O apelante sustenta, em síntese, que não houve litispendência ou identidade entre as demandas, por versarem sobre contratos distintos e fatos específicos. Alega ter sido vítima de fraude, com descontos indevidos em seu benefício previdenciário, pleiteando o regular prosseguimento do feito para apuração da veracidade dos fatos e eventual condenação do banco apelado.

Foram apresentadas contrarrazões pelo Banco Pan S/A (id 26121606), defendendo a manutenção da sentença, sob o argumento de que a ação configura litigância predatória, com uso de procuração genérica, ausência de documentos essenciais e evidente desinteresse processual.

É o relatório. Decido.


2. ADMISSIBILIDADE RECURSAL


 Preenchidos os pressupostos processuais exigíveis à espécie, recebo o recurso de apelação interposto por Antônia de Sousa Silva. 

Diante do exposto, CONHEÇO da irresignação recursal e passo à análise do mérito.


3. MÉRITO


A controvérsia recursal cinge-se à análise da correção da sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, em razão da extinção da ação (falta de interesse de agir - ajuizamento de ações distintas - em curto lapso temporal - certidão id 26121599), motivada por indícios de advocacia predatória.

Sobre o cerne do recurso em apreço, constato que o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí possui a súmula nº 33 no sentido de que “em caso de fundada suspeita de demanda repetitiva ou predatória, é legítima a exigência dos documentos recomendados pelas Notas Técnicas do Centro de Inteligência da Justiça Estadual Piauiense, com base no artigo 321 do Código de Processo Civil”.

Diante da existência da súmula nº 33 do Tribunal de Justiça e da previsão do artigo 932, IV, do Código de Processo Civil, é possível o julgamento monocrático por esta relatoria.  

Ressalto que a matéria em discussão é regida pelas normas pertinentes ao Código de Defesa do Consumidor, porquanto a instituição financeira caracteriza-se como fornecedora de serviços, nos termos do artigo 3º. 

 

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.  

 

Além disso, há entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça: 

 

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 

 

Entendo que, diante da possibilidade de lide predatória, compete ao juiz o poder/dever de controlar os processos de forma eficiente, diligenciando para que o andamento do caso concreto seja pautado no princípio da boa-fé, evitando os abusos de direitos, buscando identificar a prática de litigância predatória e adotando medidas necessárias para coibi-la.  

O Código de Processo Civil, ao dispor sobre os poderes, deveres e responsabilidade do Juiz, determinou no artigo 139 incumbências ao Magistrado. Vejamos: 

 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: 

I - assegurar às partes igualdade de tratamento; 

II - velar pela duração razoável do processo; 

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; 

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; 

VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; 

VII - exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais; 

VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso; 

IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; 

X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 , e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva. 

Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular. 

 

Dentre elas, friso a hipótese contida no inciso III, que determina ao Magistrado o dever de prevenção ou repressão em face de qualquer ato contrário à dignidade da justiça, assim como o indeferimento de postulações meramente protelatórias.  

O poder geral de cautela do Juiz consiste na possibilidade do magistrado adotar medida cautelar assecuratória adequada e necessária, de ofício, ainda que não prevista expressamente no Código de Processo Civil, para garantir o cumprimento das ordens judiciais, de forma a prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e, até mesmo, indeferir postulações meramente protelatórias, conforme se extrai do art. 139, inciso III, do CPC. 

Menciono importante passagem do processualista Alexandre Freitas Câmara sobre o poder geral de cautela. 

 

“O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o processo que podem vir a ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se considerado necessário prever a possibilidade de o juiz conceder medidas outras que não apenas aquelas expressamente previstas pelas leis processuais.” (FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, vol. III, p. 43.) 

 

Sendo assim, é perfeitamente possível que o magistrado adote providências voltadas ao controle do desenvolvimento válido e regular do processo e acauteladora do exercício ao direito da ação, sem olvidar da ampla defesa e do contraditório. 

Enfatizo, ainda, que o Código de Processo Civil preceitua avultante poder do Juiz ao dispor no artigo 142 que “convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé.” 

O Conselho Nacional de Justiça na recomendação nº 127/2022 recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento de defesa.

Outrossim, a Nota Técnica n° 06/23, do Centro de Inteligência da Justiça Estadual, evidencia que o caso em tela se enquadra como demanda predatória, confira-se: 


"As demandas judicializadas reiteradamente e, em geral, em massa, contendo teses genéricas, desprovidas, portanto, das especificidades do caso concreto, havendo alteração apenas quanto às informações pessoais da parte, de forma a dificultar o exercício do contraditório e da ampla defesa, são consideradas predatórias. Caracterizam-se, também, pela propositura, ao mesmo tempo, em várias comarcas ou varas e, muitas vezes, em nome de pessoas vulneráveis, o que contribui para comprometer a celeridade, eficiência e o funcionamento da prestação jurisdicional, na medida que promove a sobrecarga do Poder Judiciário, em virtude da necessidade de concentrar mais força de trabalho por conta do congestionamento gerado pelo grande número de ações temerárias. "


Destarte, é de se gerar desconfiança o fracionamento de demandas, em curto espaço de tempo (id 26121599 - diferença de horas) e  possuindo a mesma matéria fática (suposta inexistência ou invalidade contratual, expostas por petições genéricas e similares, os quais poderia ter sido manejados através do ajuizamento de uma única ação. 

A garantia constitucional assegurada pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, revelada pelo princípio de acesso à justiça, conduz ao entendimento de que nada poderá afastar a intervenção do Poder Judiciário, quando houver lesão ou simples ameaça de lesão a direito.

 Nessa toada, atente-se à excepcionalidade de que deve estar revestida qualquer medida que restrinja tal direito, conforme bem ensinou o ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em julgamento relativo ao ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, denominado assédio processual:


A excepcionalidade de se reconhecer eventual abuso do direito de acesso à justiça deve ser sempre ressaltada porque, em última análise, trata-se um direito fundamental estruturante do Estado Democrático de Direito e uma garantia de amplíssimo espectro, de modo que há uma natural renitência em cogitar da possibilidade de reconhecê-lo em virtude da tensão e da tenuidade com o próprio exercício regular desse direito fundamental. Respeitosamente, esse não é um argumento suficiente para que não se reprima o abuso de um direito fundamental processual, como é o direito de ação. Ao contrário, o exercício abusivo de direitos de natureza fundamental, quando configurado, deve ser rechaçado com o vigor correspondente à relevância que essa garantia possui no ordenamento jurídico, exigindo-se, contudo, e somente, ainda mais prudência do julgador na certificação de que o abuso ocorreu estreme de dúvidas” (STJ, REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 10/10/2019, DJe 17/10/2019)


Assim, é possível concluir que todos têm o direito de acesso à Justiça, mas esse direito não pode ser usado com práticas abusivas, geradora de aumento exacerbado do valor de indenizações e de honorários advocatícios sucumbenciais, além de desperdício expressivo de recurso público com o seu processamento no Judiciário, pois, a parte autora, propondo três ações ao invés de uma, tende a gerar uma grande despesa custeada exclusivamente pelo erário, já que litiga ao amparo da justiça gratuita.

O Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em casos similares, já deliberou:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DE EMENDA. EXIGÊNCIAS FUNDAMENTADAS EM FORTES INDÍCIOS DE ADVOCACIA PREDATÓRIA E LITIGÂNCIA EM MASSA. LEGITIMIDADE DA CONDUTA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. APLICAÇÃO DA SÚMULA 33 DO TJPI. EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800921-43.2024.8.18.0054 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 14/08/2025)


CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA INICIAL PARA A JUNTADA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. DESCUMPRIMENTO. INDÍCIOS DE LIDE PREDATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 33 DO TJPI. CONDENAÇÃO DA ADVOGADA DA AUTORA EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MANTIDA. FATIAMENTO DE AÇÕES. ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA. TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0802815-27.2023.8.18.0042 - Relator: MANOEL DE SOUSA DOURADO - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 03/10/2024


Desse modo, conclui-se que a melhor solução para o caso concreto é a manutenção da sentença de indeferimento da petição inicial.


4. DISPOSITIVO


ISSO POSTO, com fundamento no art. 932, IV, "a", do CPC conheço da apelação, mas para negar-lhe provimento, mantendo incólume a sentença vergastada.

Deixo de majorar os honorários recursais, visto que não houve sua fixação na sentença de primeiro grau.

 Custas pela parte autora, com exigibilidade suspensa, ante à concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, nos termos do art. 98, §3º, do CPC. 

Advirto às partes que a oposição de Embargos Declaratórios ou a interposição de Agravo Interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista, respectivamente, no art. 1.026, § 2º, e no art. 1.021, § 4º, ambos do CPC.

 Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos dando-se baixa na distribuição.


Teresina/PI, data da assinatura digital.

Desembargador LIRTON NOGUEIRA SANTOS

Relator 

 

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800780-42.2025.8.18.0069 - Relator: LIRTON NOGUEIRA SANTOS - 4ª Câmara Especializada Cível - Data 28/08/2025 )

Detalhes

Processo

0800780-42.2025.8.18.0069

Órgão Julgador

Desembargador LIRTON NOGUEIRA SANTOS

Órgão Julgador Colegiado

4ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

LIRTON NOGUEIRA SANTOS

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

GONCALO BARBOSA LIMA

Réu

BANCO PAN S.A.

Publicação

28/08/2025