poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0802409-70.2022.8.18.0032
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: MARIA ISABEL DA CONCEICAO, BANCO BRADESCO S.A.
APELADO: BANCO BRADESCO S.A., MARIA ISABEL DA CONCEICAO
DECISÃO MONOCRÁTICA
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE CONTRATO E TRANSFERÊNCIA DE VALORES. NULIDADE DA AVENÇA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DA PARTE AUTORA PALCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO BANCO IMPROVIDO.
Vistos etc.
Tratam-se de APELAÇÕES CÍVEIS interpostas pelo BANCO BRADESCO S/A e MARIA ISABEL DA CONCEIÇÃO contra sentença exarada na “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS movida por MARIA ISABEL DA CONCEIÇÃO em face do BANCO BRADESCO S/A,” (Processo nº 0802409-70.2022.8.18.0032, 2ª Vara da Comarca DE PICOS/PI).
Ingressou a parte autora com a ação, alegando, em síntese, ser pessoa idosa e que vem sofrendo descontos em seu benefício previdenciário, referente a empréstimo, o qual afirma desconhecer.
Requereu, em síntese, a procedência total da ação, com a condenação da parte requerida à repetição do indébito dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da parte autora, bem como indenização a título de danos morais, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais)
O banco réu apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos, no entanto, não juntou o contrato válido aos autos, e nem apresentou o comprovante de transferência do valor contratado.
Em Réplica a contestação, a parte autora reiterou os pedidos formulados na inicial.
Por sentença (ID 19184950 – ID de origem 54730944), o d. Magistrado a quo, assim julgou: “Pelo exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, julgo procedente os pedidos contidos na inicial e declaro inexistente relação a jurídica contratual entre as partes que fundamente os descontos questionados, condeno o banco demandado a pagar à parte autora o valor de R$ R$ 6.121,28, correspondentes à restituição em dobro do valor dos descontos indevidos no seu benefício previdenciário. Tal importância deve ser corrigida monetariamente nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto nº 06/2009 do Egrégio TJPI), acrescentado o percentual de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, atendendo ao disposto no art. 406, do Código Civil vigente, em consonância com o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, a contar da data de cada desconto indevido (súmulas 43 e 54 do STJ).
Condeno ainda o banco réu a pagar ao autor o importe de R$ 2.000,00 a título de danos morais. Sobre tal valor a ser pago deverá incidir também correção monetária nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto nº 06/2009 do Egrégio TJPI), acrescentado o percentual de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, atendendo ao disposto no art. 406, do Código Civil vigente, em consonância com o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. O valor indenizatório dos danos morais deve ser corrigido monetariamente a partir desta data (Súmula 362 – STJ), e os juros de mora devem incidir a partir do início dos descontos indevidos (Súmula 54 – STJ).
Fica condenada a empresa ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.”
Inconformado, o banco apelou (ID 19184952 – ID de origem 55625821), pugnando pelo acolhimento do recurso, requerendo a reforma da sentença. Caso não seja totalmente acolhido o apelo, requereu a minoração do valor da indenização dos danos morais, bem como a determinação da devolução simples dos valores descontados.
A parte autora também interpôs apelação (ID 19184964 – ID de origem 56145799), requerendo a reforma da sentença para majorar o valor da indenização fixado a título de danos morais.
Devidamente intimadas, ambas as partes apresentaram contrarrazões, requerendo o improvimento do recurso de apelação da parte adversa.
Posteriormente, em petição atravessada nos autos (ID 22160626), o banco requerido suscitou a ocorrência de prescrição trienal e, subsidiariamente, prescrição quinquenal.
Intimada, a parte autora em manifestação id 24273564, requereu a rejeição da tese de existência de prescrição.
É, em resumo, o relatório necessário.
Os Recursos de Apelação merecem ser conhecidos, eis que estão comprovados os pressupostos da sua admissibilidade.
Delineada sumariamente a pretensão recursal, passo, de logo, ao julgamento monocrático do mesmo, eis que é dispensada a participação de Órgão Julgador Colegiado, nos moldes do art. 932, V, alínea “a”, do CPC, que autoriza o relator a dar provimento a recurso se a decisão recorrida for contrária a Súmula do próprio Tribunal.
O d. Magistrado a quo julgou a demanda procedente.
Compulsando os autos, verifica-se que não consta nenhuma prova que ateste transferência dos valores contratados, haja vista a inexistência de documento hábil para comprovar a existência e validade da relação contratual, muito menos houve a juntada do contrato discutido nos autos.
Registre-se que a prova de transferência do valor contratado, é documento hábil para comprovar a existência e validade da relação contratual, não tendo a parte Ré juntado aos autos o comprovante válido de transferência do valor contratado, razão esta que me leva ao entendimento de que deve ser aplicada a Súmula de nº 18, deste Eg. Tribunal:
“SÚMULA Nº 18 – A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil.”
No caso em tela, o banco, quando da apresentação de sua contestação, como dito, não fez juntar comprovante válido de transferência do valor supostamente contratado, a fim de comprovar a realização do pacto descrito na inicial, muito menos juntou o contrato discutido nos autos, caracterizando, destarte, que as cobranças realizadas pelo banco basearam-se em contrato de empréstimo nulo.
Quanto ao pedido de indenização em razão do dano moral que afirma a parte autora haver sofrido, tenho que lhe assiste razão.
Importa trazer à colação o disposto na primeira parte do parágrafo único do art. 927, do Código Civil:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Como dito, as instituições financeiras respondem objetivamente pela má prestação do serviço ou fornecimento do produto, sendo inequívoca a aplicação do art. 14 do CDC nas relações bancárias firmadas com a pessoa física ou jurídica na condição de consumidora final.
Deste modo, pode-se notar que a responsabilidade civil decorre do descumprimento obrigacional pela infringência a uma regra contratual, ou, por ausência de observância de um preceito normativo que regula a vida.
Destarte, mais do que mero aborrecimento, patente o constrangimento e angústia suportados pela parte recorrida, na medida em que fora obrigada a ver reduzido seu provento por má conduta do banco.
Em relação ao quantum a ser arbitrado a título de ressarcimento por danos morais tenho que, ressalvada a notória dificuldade da fixação de valores a serem pagos a título de indenização por danos morais, e à vista da inexistência legal de critérios objetivos para seu arbitramento, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Outrossim, deve-se atentar para a natureza jurídica da indenização, que não só deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, como também o de cumprir o seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito.
Correto, por outro lado, que a indenização por danos morais não pode resultar em obtenção de vantagem indevida. Por outro prisma, também não pode ser irrisória, pois almeja coibir a repetição de comportamento descompromissado.
Dessa forma, levando em consideração o potencial econômico do banco, as circunstâncias e a extensão do evento danoso, ratifico o meu posicionamento, já adotado em casos semelhantes, entendendo por razoável e proporcional a condenação dos danos morais na quanta de cinco mil reais (R$ 5.000,00), a ser paga pelo banco à parte autora.
Portanto, o montante compensatório arbitrado na origem deve ser retificado em razão do princípio da devolutividade e tendo em vista que a irresignação recursal nesse aspecto partiu de ambas as partes, fixo a condenação em danos morais em favor da parte Autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Nessa esteira, cabível a repetição do indébito em dobro, ante a violação, via descontos nos benefícios previdenciários da autora sem cumprir com a devida contraprestação, donde também se depreende a má-fé da instituição financeira, para efeitos da repetição dobrada prevista no art. 42, parágrafo único, CDC.
Por fim, tendo em vista a manifestação do banco (ID 22160626), apontando a possível ocorrência de prescrição trienal, bem como acolhimento da tese de prescrição quinquenal, passo a analisar o pleito.
De início, cabe esclarecer que ao caso deve aplicar-se o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, se não vejamos:
“Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”
Tem-se que a contratação de empréstimo bancário cuida de obrigação de trato sucessivo ou de execução continuada, a qual se caracteriza pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo.
Logo, revela-se a ocorrência de uma obrigação de trato sucessivo, uma vez que a cada prestação mensal renova-se o prazo para ingresso de ação referente a questionamentos do referido negócio.
Nesse sentido, colaciona-se entendimento do Colendo STJ:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. A jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior é no sentido de que, fundando-se o pedido na ausência de contratação de empréstimo com instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
2. Em relação ao termo inicial, insta esclarecer que a jurisprudência desta Casa é firme no sentido de que o prazo prescricional para o exercício da referida pretensão flui a partir da data do último desconto no benefício previdenciário.
3. Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp 1728230/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021)”
Desse modo, não há que se falar em prescrição trienal, como alegada pelo banco apelante/apelado, uma vez que para o presente caso deverá ser utilizado como parâmetro o prazo prescricional quinquenal, por tratar-se de demanda aplicada no Código de Defesa do Consumidor.
Da análise dos autos, verifica-se que o contrato discutido, cujo mesmo foi firmado 2019, teve como início dos descontos o mês de outubro de 2019 e previsão do último desconto no mês de agosto de 2020. Portanto, levando-se em conta o instituto da prescrição quinquenal, a parte apelante tinha 05 (cinco) anos a partir da data do último desconto para ajuizar a devida ação (AGOSTO DE 2025).
Destarte, não houve o transcurso do prazo prescricional de 05 (cinco) anos, posto que a ação foi ajuizada no dia 10 de maio de 2020, não ocorrendo assim, a prescrição apontada.
Portanto, REJEITO a tese de ocorrência de prescrição apontada pelo banco.
Diante do exposto, e sem a necessidade de maiores considerações, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao RECURSO DE APELAÇÃO interposto por MARIA ISABEL DA CONCEIÇÃO e NEGO PROVIMENTO ao RECURSO DE APELAÇÃO interposto pelo BANCO BRADESCO S.A, para reformar a sentença apenas no tocante ao valor da condenação dos danos morais.
Majoro a condenação das custas processuais e honorários advocatícios, para o percentual de quinze por cento (15%) do valor atualizado da condenação.
Por fim, mantenho os demais termos da sentença.
Intimem-se.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, certifique-se.
Cumpra-se.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CDC, arts. 6º, VI, 14, 27 e 42, parágrafo único; CC, art. 927, parágrafo único; CPC, art. 6º.
Jurisprudência relevante citada: TJPI, Súmula nº 18.
(AgInt no AREsp 1728230/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021).
TERESINA-PI, 27 de agosto de 2025.
0802409-70.2022.8.18.0032
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA ISABEL DA CONCEICAO
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação27/08/2025