poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0800365-54.2019.8.18.0074
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Defeito, nulidade ou anulação, Protesto Indevido de Título, Indenização por Dano Material]
APELANTE: RAIMUNDO NONATO DA SILVA
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
DECISÃO TERMINATIVA
Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LIBERAÇÃO DOS VALORES. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR MAJORADO. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DO BANCO DESPROVIDO.
I - RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por RAIMUNDO NONATO DA SILVA e por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A contra sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Simões/PI, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Negócio Jurídico c/c Indenização por Danos Morais.
Na sentença (ID 26867002), o juízo de origem reconheceu a prescrição das parcelas descontadas anteriormente a 10/05/2014, rejeitou as demais preliminares e, no mérito, julgou parcialmente procedente o pedido. Entendeu o magistrado que, embora o banco tenha comprovado a assinatura do contrato, não demonstrou a efetiva liberação dos valores contratados na conta do autor, motivo pelo qual decretou a nulidade do negócio jurídico com base na Súmula 18 do TJPI. Condenou o banco ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados e ao pagamento de R$ 1.500,00 a título de indenização por danos morais, além das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
Irresignado, o autor interpôs Recurso de Apelação (ID 26867004), pleiteando a majoração do valor arbitrado a título de danos morais, por considerá-lo insuficiente diante da gravidade da violação aos seus direitos fundamentais, e a majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Igualmente, o banco apelou da sentença (ID 26867006), requerendo a reforma total do decisum, sustentando que o contrato é válido e que a ausência de prova da liberação do crédito não é suficiente para ensejar a nulidade da contratação. Argumenta que a assinatura do contrato foi reconhecida, que os descontos ocorreram regularmente e que não houve falha na prestação de serviços.
Em contrarrazões (ID 26867012), o banco pugna pela manutenção da sentença e refuta os argumentos apresentados pela parte adversa quanto à majoração dos danos morais, reiterando a tese de validade do contrato. Já o apelante, em contrarrazões à apelação do banco, defende a manutenção da nulidade do negócio jurídico e da condenação imposta.
O feito foi devidamente instruído, e, considerando a matéria exclusivamente de direito e a inexistência de interesse público relevante, não houve remessa dos autos ao Ministério Público, conforme orientação do Ofício Circular nº 174/2021 do TJPI.
É o que importa relatar.
II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade, pagamento do preparo pelo banco e ausência de preparo pelo autor, ante a gratuidade da justiça), os recursos devem ser admitidos e conhecidos.
No caso em julgamento não há nada nos autos que nos faça revogar o beneficio de justiça gratuita deferido à parte Autora em 1º grau, pois nenhum documento foi juntado pelo Banco nesse sentido. Desta forma, impõe-se a manutenção da concessão do benefício à parte Autora, porquanto demonstrado que possui padrão de vida compatível com o benefício pleiteado.
III – DA PRESCRIÇÃO
No presente caso, o prazo prescricional a ser utilizado é o previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual somente prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço e que referido prazo inicia-se a contar a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Consta nos autos que o contrato teria sido firmado em OUTUBRO DE 2010 e excluído em MAIO DE 2015, enquanto que a ação foi proposta em 10 DE MAIO DE 2019.
Desta forma, existem parcelas que foram atingidas pela prescrição e parcelas que não foram. Estão prescritas as parcelas debitadas anteriores a 10/05/2014, permanecendo exigível as parcelas posteriores à referida data.
IV – DO MÉRITO RECURSAL
Cinge-se a controvérsia acerca da pretensão da parte Autora em ver reconhecida a nulidade da contratação realizada entre as partes.
Preambularmente, não há dúvida de que a referida lide, por envolver a discussão acerca de falha na prestação de serviços, é regida pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a redação:
Súmula 297 – STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Nas referidas ações, em regra, é deferida em favor da parte Autora a inversão do ônus da prova, em razão da hipossuficiência técnica financeira, a fim de que a Instituição bancária comprove a existência do contrato, bem como o depósito da quantia contratada.
Essa é uma questão exaustivamente debatida nesta E. Câmara Especializada Cível, possuindo até mesmo disposição expressa na Súmula nº 26 deste TJPI, in litteris:
TJPI/SÚMULA Nº 26 – Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.
Nesse contexto, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Contudo, a aplicação da norma consumerista não significa que a demanda promoverá um favorecimento desmedido de um sujeito em detrimento do outro, pois o objetivo da norma é justamente alcançar a paridade processual.
No presente caso, verifica-se que o banco apresentou o contrato de empréstimo consignado nº 47028931 (ID 3854067) devidamente assinado pelo autor.
Contudo, a instituição financeira não logrou êxito em demonstrar que os valores foram efetivamente repassados pela parte Autora.
Assim, frente a esses fatos, forçosa é a declaração de nulidade do contrato, conforme decidido pelo juízo sentenciante, o que acarreta ao Banco o dever de restituir à parte Autora os valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, como já sumulado por este Tribunal, in verbis:
TJPI/SÚMULA Nº 18: A ausência de comprovação pela instituição financeira da transferência do valor do contrato para a conta bancária do consumidor/mutuário, garantidos o contraditório e a ampla defesa, ensejará a declaração de nulidade da avença, com os consectários legais.
Ademais, a conduta do Banco de efetuar descontos no benefício previdenciário do consumidor, tomando como base uma contratação nula caracteriza ato ilícito, o que resulta, no caso em apreço, na aplicação do disposto no parágrafo único, do art. 42, do CDC. Vejamos:
Art. 42.Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
À vista disso, o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EREsp 1.413.542/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021).
Nesta senda, conforme determinado pelo juízo sentenciante, caberá à instituição financeira, a restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados no benefício previdenciário da parte Autora.
Em relação aos danos materiais, em conformidade com o que preconiza a súmula 43 do STJ, a correção monetária é devida desde a data de cada desembolso, aplicando-se o IPCA até a citação (art. 2o, da Lei no14.905/24, que alterou a redação do art. 389, do CC/02), momento no qual se inicia, também, a contagem dos juros de mora (art. 405, do CC/02), utilizando-se a partir de então somente a Taxa SELIC, como assim ensina a exegese do art. 2o da Lei no 14.905/24, que introduziu os §§1o, 2o e 3o ao art. 406 do Código Civil.
Por fim, com intuito de se fazer justiça isonômica, não se pode considerar o desgaste emocional do aposentado como mero dissabor do cotidiano, razão pela qual julgo evidenciados os requisitos suficientes a ensejar a fixação da indenização.
Contudo, no que pertine ao quantum indenizatório, conquanto inexistam parâmetros legais para a sua estipulação, não se trata de tarefa puramente discricionária, devendo o julgador pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade observando a dupla natureza da condenação: punição do causador do prejuízo e garantia do ressarcimento da vítima.
Diante dessas ponderações, entendo legítima a postulação da parte autora, de modo que, conforme novos precedentes desta E. Câmara Especializada, majoro o valor da condenação da verba indenizatória para R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Quanto aos danos morais, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data do arbitramento do valor da indenização, no caso, a data do julgamento, na forma da súmula 362 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, nos termos dos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, adota-se o IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.
V – DISPOSITIVO
Por todo o exposto, CONHEÇO dos recursos, para, no mérito, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR, reformando a sentença para majorar o quantum indenizatório arbitrado ao novo patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), mantendo incólume os seus demais termos e NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO BANCO.
Sem majoração dos honorários sucumbenciais.
Advirto às partes que a oposição de Embargos Declaratórios ou a interposição de Agravo Interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista, respectivamente, no art. 1.026, § 2º, e no art. 1.021, § 4º, ambos do CPC.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
TERESINA-PI, 27 de agosto de 2025.
0800365-54.2019.8.18.0074
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalDefeito, nulidade ou anulação
AutorRAIMUNDO NONATO DA SILVA
RéuBANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
Publicação27/08/2025