Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0800470-11.2020.8.18.0037


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

PROCESSO Nº: 0800470-11.2020.8.18.0037
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS, BANCO PAN S.A., BANCO PAN S.A.
APELADO: BANCO PAN S.A., LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS
REPRESENTANTE: BANCO PAN S.A.


JuLIA Explica

DECISÃO TERMINATIVA

 

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. FALECIMENTO DA PARTE AUTORA ANTES DA SENTENÇA. HABILITAÇÃO POSTERIOR DOS HERDEIROS. VALIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PESSOA ANALFABETA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO IDÔNEA DA TRANSFERÊNCIA DE VALORES. DANO MORAL IN RE IPSA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. COMPENSAÇÃO DE VALORES INDEVIDA. RECURSO DO BANCO DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de Apelações Cívis interpostas simultaneamente por LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS e BANCO PAN S.A. contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Amarante/PI, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais (Processo nº 0800470-11.2020.8.18.0037).

A autora, LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS, ajuizou a ação alegando descontos indevidos em seu benefício previdenciário, referentes a uma "reserva de margem de cartão de crédito" que afirma desconhecer. Sustentou que o contrato não observou as formalidades legais exigidas para a contratação com pessoas não alfabetizadas, o que o tornaria nulo de pleno direito. Requereu a declaração de nulidade do contrato, a restituição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais.

O BANCO PAN S.A. apresentou contestação, arguindo preliminares de litispendência, conexão e falta de interesse de agir, e defendendo a validade da contratação, alegando que a autora solicitou um telesaque e que os valores foram depositados em sua conta.

A sentença de primeiro grau (ID 12873099), proferida em 02/12/2022, julgou parcialmente procedentes os pedidos da autora, declarando a nulidade do contrato, condenando o Banco Pan S.A. à restituição em dobro dos valores descontados e ao pagamento de R$ 1.000,00 a título de indenização por danos morais. As preliminares arguidas pelo banco foram rejeitadas.

Ambas as partes interpuseram recursos de apelação. LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS (ID 12873105) buscou a majoração do valor da indenização por danos morais. O BANCO PAN S.A. (ID 12873102) pleiteou a reforma integral da sentença, reafirmando a validade do contrato e a inexistência de ato ilícito ou dano moral.

Conforme certidão de óbito (ID 14939106), a autora LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS faleceu em 21/05/2022, ou seja, em data anterior à prolação da sentença. Posteriormente, em 24/03/2025, foi protocolada petição de habilitação de herdeiros (ID 16890809).

É o relatório. DECIDO.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, registro a tempestividade dos recursos e o preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual CONHEÇO das presentes Apelações Cíveis.

O presente julgamento monocrática encontra respaldo no Art. 932, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil, que confere ao relator a prerrogativa de negar provimento a recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula ou entendimento dominante do próprio tribunal, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF), ou de dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a esses mesmos entendimentos.

 

2.1. Da Validade dos Atos Processuais Adotados Após o Falecimento da Autora

A questão do falecimento da parte autora (Luisa Gomes de Sousa Santos) em 21/05/2022, antes da prolação da sentença em 02/12/2022, é um ponto crucial. O Art. 313, § 2º, II, do Código de Processo Civil, prevê a suspensão do processo em caso de morte da parte e a nulidade dos atos praticados sem a devida habilitação.

Contudo, a jurisprudência tem mitigado essa nulidade quando há habilitação posterior dos herdeiros, desde que não haja prejuízo às partes. O entendimento é que a habilitação superveniente sana o vício processual, convalidando os atos praticados.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Pará, em precedente recente, firmou a seguinte tese:

"O falecimento da parte autora antes da sentença não gera nulidade quando há habilitação posterior de seus herdeiros no curso do processo." (TJ-PA, Embargos de Declaração Cível: 08299419620228140301, Relator: ANA LUCIA BENTES LYNCH, Turma Recursal Permanente dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, Julgamento: 22/04/2025).

No caso em análise, houve a habilitação dos herdeiros (ID 16890809) em 24/03/2025, regularizando o polo ativo. Não se vislumbra prejuízo às partes, uma vez que o processo foi devidamente acompanhado pelos advogados da falecida e os herdeiros assumiram o polo processual. Assim, a preliminar de nulidade da sentença, suscitada implicitamente pelo falecimento da parte, deve ser rejeitada, e os atos processuais praticados, incluindo a sentença e os recursos de apelação, devem ser considerados válidos.

 

2.2. Das Preliminares Arguidas pelo Banco Pan S.A.

As preliminares de litispendência, conexão e falta de interesse de agir, arguidas pelo Banco Pan S.A. em sua contestação e reiteradas em apelação, foram devidamente analisadas e rejeitadas pelo juízo de primeiro grau. Não há nos autos elementos novos que justifiquem a reforma da decisão nesse ponto. A alegação de que as "diferentes numerações de contrato" se referem ao mesmo contrato não foi suficientemente comprovada para configurar litispendência ou conexão, e a ausência de contato prévio não afasta o interesse de agir do consumidor.

 

2.3. Da Relação de Consumo e Inversão do Ônus da Prova

A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, sujeitando-se, portanto, às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). As instituições financeiras são consideradas fornecedoras de serviços, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça:

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (STJ, Súmula 297, Corte Especial, julgado em 12/05/1999, DJ 09/09/1999).

A aplicação do CDC implica a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços (Art. 14 do CDC). Além disso, a hipossuficiência da consumidora, LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS, agravada por sua condição de analfabeta, autoriza a inversão do ônus da prova, nos termos do Art. 6º, inciso VIII, do CDC. Este Tribunal de Justiça, por meio de súmula, reforça essa prerrogativa:

"Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo." (TJPI, Súmula 26, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).

No caso dos autos, a condição de analfabeta da Apelante é incontroversa (ID 12873069), o que acentua sua hipossuficiência e vulnerabilidade na relação de consumo, justificando a inversão do ônus da prova para que o Banco Pan S.A. comprovasse a regularidade e a validade do contrato.

 

2.4. Da Prescrição

O Banco Pan S.A. arguiu a prescrição da pretensão autoral. Contudo, a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, conforme pacificado pela Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça.

Em se tratando de relação de consumo, o prazo prescricional para a pretensão de reparação de danos decorrentes de fato do serviço é de cinco anos, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.

"Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria." (Código de Defesa do Consumidor).

Ademais, em casos de relação de trato sucessivo, como os descontos de parcelas de empréstimos, o termo inicial do prazo prescricional quinquenal é a data do último desconto indevido. Este é o entendimento consolidado deste Tribunal:

"Aplica-se o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor às pretensões de repetição de indébito decorrentes de descontos indevidos por defeito no serviço bancário. O termo inicial do prazo prescricional em casos de relação de trato sucessivo é a data do último desconto indevido." (TJPI, Apelação Cível nº 0801856-41.2023.8.18.0047, 4ª Câmara Especializada Cível, Relator: João Gabriel Furtado Baptista, Julgamento: 08/01/2025).

Portanto, a pretensão da autora não se encontra fulminada pela prescrição.

 

2.5. Da Nulidade do Contrato e da Ausência de Comprovação Idônea da Transferência de Valores

O cerne da questão reside na inobservância das formalidades legais para a contratação com pessoa analfabeta e na ausência de comprovação idônea da transferência dos valores.

A condição de analfabeta da Apelante LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS impõe formalidades específicas para a validade do contrato, conforme o Art. 595 do Código Civil e as Súmulas 30 e 37 do TJPI:

"Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas." (Código Civil).

"A ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas nos instrumento de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado ou magistrada, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação." (TJPI, Súmula 30, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).

"Os contratos firmados com pessoas não alfabetizadas, inclusive os firmados na modalidade nato digital, devem cumprir os requisitos estabelecidos pelo artigo 595, do Código Civil." (TJPI, Súmula 37, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).

No caso em análise, o Banco Apelado não apresentou o contrato com a assinatura a rogo, formalidade essencial exigida pelo Art. 595 do Código Civil para contratação com pessoa analfabeta, o que configura um vício formal insanável.

Ademais, o Banco Apelado não se desincumbiu do ônus de comprovar a efetiva e idônea transferência dos valores referentes ao contrato questionado. A comprovação da transferência de valores, para que seja considerada idônea nos termos da Súmula nº 18 do TJPI, exige, por exemplo, a apresentação de um comprovante de TED (Transferência Eletrônica Disponível) com os respectivos códigos de segurança, que permita rastrear a operação e confirmar que o crédito realmente se originou daquele contrato específico e foi destinado à conta do mutuário, conforme entendimento sumulado:

"A ausência de comprovação pela instituição financeira da transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil." (TJPI, Súmula 18, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência deste Tribunal é clara:

"JUNTADA DE CONTRATO SEM ASSINATURA. NÃO COMPROVAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA/DEPÓSITO DA QUANTIA SUPOSTAMENTE CONTRATADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 18 DO TJ/PI. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVOLUÇÃO DE VALORES EM DOBRO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (TJPI, Apelação Cível nº 0800826-69.2021.8.18.0037, 1ª Câmara Especializada Cível, Relator: Haroldo Oliveira Rehem, Julgamento: 12/05/2025).

"PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. TRANSFERÊNCIA DE VALORES NÃO DEMONSTRADO. SÚMULA Nº 18 DO TJPI. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CARACTERIZADA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANO MORAL INDENIZÁVEL." (TJPI, Apelação Cível: 0800313-93.2021.8.18.0072, 2ª Câmara Especializada Cível, Relator: Manoel de Sousa Dourado, Data de Julgamento: 26/05/2023).

Portanto, a ausência da "assinatura a rogo" no contrato em questão, aliada à condição de analfabeta da Apelante, é suficiente para declarar a nulidade do negócio jurídico. A prova de transferência apresentada pelo banco não é idônea para convalidar um contrato nulo por vício formal. A falha na prestação do serviço bancário, ao não observar as cautelas necessárias na contratação e na comprovação da liberação do crédito, configura ato ilícito, ensejando a nulidade do negócio jurídico e o dever de indenizar. A responsabilidade da instituição financeira é objetiva, conforme Súmula 479 do STJ:

"As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." (STJ, Súmula 479, Corte Especial, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010).

 

2.6. Do Dano Moral

A jurisprudência é uníssona em reconhecer que a realização de descontos indevidos em benefício previdenciário configura dano moral in re ipsa, ou seja, o dano é presumido pela própria ocorrência do ato ilícito, dada a natureza alimentar da verba e o impacto na dignidade da pessoa.

No presente caso, a ausência de comprovação da validade do contrato e da idoneidade da transferência equivale à inexistência do negócio jurídico, tornando os descontos realizados ilícitos e, consequentemente, gerando o dano moral.

No tocante ao quantum indenizatório, a sentença de primeiro grau fixou em R$ 1.000,00. Considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como os valores arbitrados em casos semelhantes por esta Corte, entendo que o valor de R$ 5.000,00 se mostra compatível com os parâmetros adotados por este Tribunal em casos análogos:

"O desconto indevido em aposentadoria enseja dano moral presumido, sendo devida indenização em valor compatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade." (TJPI, Apelação Cível 0800646-90.2022.8.18.0078, 1ª Câmara Especializada Cível, Relator: HILO DE ALMEIDA SOUSA, Data: 30/06/2025).

Assim, em congruência com os parâmetros desta Corte, MAJORA-SE o quantum indenizatório para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

 

2.7. Da Repetição do Indébito

Reconhecida a nulidade do contrato e a falha na prestação do serviço, a consequência é a repetição dos valores indevidamente descontados. O art. 42, parágrafo único, do CDC prevê a devolução em dobro, "salvo hipótese de engano justificável".

"Art. 42. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." (Código de Defesa do Consumidor).

O Superior Tribunal de Justiça, em precedente vinculante, firmou o entendimento de que a repetição do indébito em dobro é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, dispensando a comprovação de má-fé por parte do fornecedor. A negligência da instituição financeira em não observar as formalidades legais para contratação com pessoa analfabeta e em realizar descontos sem um contrato válido configura conduta contrária à boa-fé objetiva, justificando a dobra:

"4. O próprio dispositivo legal caracteriza a conduta como engano e somente exclui a devolução em dobro se ele for justificável. Ou seja, a conduta base para a repetição de indébito é a ocorrência de engano, e a lei, rígida na imposição da boa-fé objetiva do fornecedor do produto ou do serviço, somente exclui a devolução dobrada se a conduta (engano) for justificável (não decorrente de culpa ou dolo do fornecedor)." (STJ, EAREsp 676.608, Corte Especial, Relator: Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021).

Sendo assim, considerando que a instituição financeira realizou descontos em benefício previdenciário da Apelante sem a devida comprovação da origem e validade da dívida, sua conduta não pode ser considerada como “engano justificável”. Desta forma, a repetição deve ocorrer em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.

 

2.8. Da Litigância de Má-Fé

Quanto à alegação de litigância de má-fé por parte da autora, não vislumbro a presença de dolo específico. O mero exercício do direito de ação e de recurso, mesmo que sem sucesso em primeiro grau, não configura, por si só, má-fé processual, especialmente em relações de consumo onde a hipossuficiência do consumidor é reconhecida. A condenação por litigância de má-fé exige a comprovação de dolo e prejuízo à parte contrária, o que não restou demonstrado nos autos.

 

2.9. Da Compensação de Valores

O Banco Pan S.A. buscou a compensação de valores. Contudo, conforme exaustivamente fundamentado no item 2.5, o banco não se desincumbiu do ônus de comprovar a efetiva e idônea transferência dos valores à conta da mutuária, nos termos da Súmula 18 do TJPI, nem a validade da operação sem as formalidades do Art. 595 do CC. A ausência de prova idônea da disponibilização do crédito impede a compensação, pois não há valor a ser compensado.

 

2.10. Do Termo Inicial dos Juros de Mora e Correção Monetária

Para o dano material (repetição de indébito), os juros de mora incidem a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e a correção monetária a partir do efetivo prejuízo (data de cada desconto indevido), conforme Súmula 43 do STJ:

"A correção monetária incide sobre o valor da indenização por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo." (STJ, Súmula 43, Corte Especial, julgado em 24/09/1992, DJ 01/10/1992).

Para o dano moral, os juros de mora incidem a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e a correção monetária a partir da data do arbitramento, conforme Súmula 362 do STJ:

"A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." (STJ, Súmula 362, Segunda Seção, julgado em 23/10/2008, DJe 24/11/2008).

O índice a ser utilizado para a correção monetária é o INPC.

 

2.11. Dos Honorários Advocatícios

Considerando o desprovimento do recurso do banco e o provimento parcial do recurso da autora, e o trabalho adicional em grau recursal, é cabível a majoração dos honorários. Fixa-se os honorários em 15% sobre o valor total da condenação, conforme o Art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil.

 

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil, e Súmulas 18, 26, 30 e 37 do TJPI, bem como Súmula 297 e 479 do STJ, CONHEÇO das presentes Apelações Cíveis e:

1. NEGO PROVIMENTO à Apelação Cível interposta por BANCO PAN S.A.

2. DOU PARCIAL PROVIMENTO à Apelação Cível interposta por LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS para:

a) MAJORAR o valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

b) DECLARAR A NULIDADE DO CONTRATO de empréstimo consignado nº 0229014524587, por ausência da formalidade essencial da assinatura a rogo e da comprovação idônea da transferência dos valores, e, consequentemente, CONDENAR o BANCO PAN S.A. à repetição do indébito em dobro dos valores descontados indevidamente.

c) AFASTAR A COMPENSAÇÃO DE VALORES, por ausência de comprovação idônea da transferência do crédito pelo Banco.

Sobre o valor da repetição do indébito, deverão incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC a partir da data de cada desconto indevido (STJ, Súmula 43).Sobre o valor da indenização por danos morais (R$ 5.000,00), deverão incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC a partir da data do presente arbitramento (STJ, Súmula 362).

INVERTO o ônus da sucumbência, condenando o BANCO PAN S.A. ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, considerando o trabalho adicional em grau recursal, nos termos do Art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil.

 

Publique-se. Intimem-se.

 

CUMPRA-SE.

 

TERESINA-PI, 26 de agosto de 2025.


DESEMBARGADOR ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Relator

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800470-11.2020.8.18.0037 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 26/08/2025 )

Detalhes

Processo

0800470-11.2020.8.18.0037

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

LUISA GOMES DE SOUSA SANTOS

Réu

BANCO PAN S.A.

Publicação

26/08/2025