poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
PROCESSO Nº: 0801560-87.2022.8.18.0068
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: MARIA DOS SANTOS SILVA
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
DECISÃO TERMINATIVA
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO CELEBRADO COM PESSOA ANALFABETA. INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES ESSENCIAIS DO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE ABSOLUTA DO NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO IDÔNEA DA TRANSFERÊNCIA DOS VALORES. SÚMULA 18 DO TJPI. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (SÚMULA 479 STJ). DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO (ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, CDC). PRESCRIÇÃO QUINQUENAL (ART. 27 CDC). PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO REJEITADA. ALEGAÇÃO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS. COMPENSAÇÃO DE VALORES AFASTADA. RECURSO DO BANCO DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.
I – RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA DOS SANTOS SILVA contra a r. sentença (ID 19850055) proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Porto/PI, que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais (Processo nº 0801560-87.2022.8.18.0068), julgou improcedentes os pedidos autorais.
Em sua petição inicial (ID 19850006), a Autora narrou ser pessoa analfabeta e ter sido surpreendida com descontos indevidos em seu benefício previdenciário, referentes a um contrato de empréstimo consignado (n.º 0123383519472) que afirma desconhecer. Sustentou que o referido contrato não observou as formalidades legais exigidas para a contratação com pessoas não alfabetizadas, especialmente o Art. 595 do Código Civil, que exige a assinatura a rogo e a subscrição por duas testemunhas, o que o tornaria nulo de pleno direito. Requereu a declaração de nulidade do contrato, a restituição em dobro dos valores descontados (R$ 3.891,36) e indenização por danos morais (R$ 10.000,00), além da inversão do ônus da prova e da concessão da justiça gratuita.
O BANCO BRADESCO S.A. apresentou contestação (ID 19850024), defendendo a validade e a regularidade da contratação, alegando que se tratava de uma portabilidade de crédito e que, por isso, não houve liberação de novos valores à autora. Pugnou pela improcedência dos pedidos e arguiu, preliminarmente, a ausência de interesse de agir e a prescrição.
A sentença recorrida (ID 19850055) julgou improcedentes os pedidos iniciais, reconhecendo a validade do contrato (portabilidade) e afastando o ato ilícito.
Irresignada, MARIA DOS SANTOS SILVA interpôs recurso de apelação (ID 19850061), buscando a reforma integral da sentença. Reiterou a nulidade do contrato por falta de formalidades (Art. 595 CC, Súmula 30 TJPI), a ausência de comprovação idônea da transferência (Súmula 18 TJPI), a ocorrência de dano moral e a necessidade de repetição do indébito em dobro.
O BANCO BRADESCO S.A. apresentou contrarrazões (ID 19850068), pugnando pela manutenção da sentença. Reafirmou a prescrição (trienal ou quinquenal), negou a existência de ato ilícito ou dano moral e sugeriu a prática de "advocacia predatória" por parte do patrono da apelante.
Após a interposição da apelação, o apelado (Banco Bradesco S.A.) apresentou manifestação (ID 22129042) arguindo a ocorrência de prescrição, e a apelante (MARIA DOS SANTOS SILVA) contraditou essa alegação (ID 24099055).
Os recursos de apelação foram recebidos em seu duplo efeito (ID 20557871).
É o relatório. DECIDO.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, registro a tempestividade dos recursos e o preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual CONHEÇO das presentes Apelações Cíveis.
O presente julgamento monocrático encontra respaldo no Art. 932, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil, que confere ao relator a prerrogativa de negar provimento a recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula ou entendimento dominante do próprio tribunal, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF), ou de dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a esses mesmos entendimentos. No caso em tela, a sentença de primeiro grau, em parte, está em dissonância com o entendimento consolidado nas súmulas deste Tribunal e dos Tribunais Superiores, justificando o desprovimento do recurso do Banco e o provimento parcial do recurso da Autora.
2.1. Da Relação de Consumo e Inversão do Ônus da Prova
A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, sujeitando-se, portanto, às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). As instituições financeiras são consideradas fornecedoras de serviços, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (STJ, Súmula 297, Corte Especial, julgado em 12/05/1999, DJ 09/09/1999).
A aplicação do CDC implica a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços (Art. 14 do CDC). Além disso, a hipossuficiência da consumidora, MARIA DOS SANTOS SILVA, agravada por sua condição de analfabeta, autoriza a inversão do ônus da prova, nos termos do Art. 6º, inciso VIII, do CDC. Este Tribunal de Justiça, por meio de súmula, reforça essa prerrogativa, tal como:"Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo." (TJPI, Súmula 26, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).
No caso dos autos, a condição de analfabeta da Apelante é incontroversa (ID 19850006), o que acentua sua hipossuficiência e vulnerabilidade na relação de consumo, justificando a inversão do ônus da prova para que o Banco Bradesco S.A. comprovasse a regularidade e a validade do contrato.
2.2. Da Preliminar de Prescrição
O Banco Bradesco S.A. arguiu a prescrição da pretensão autoral, defendendo a aplicação do prazo trienal (Art. 206, §3º, inciso V, do Código Civil) ou, subsidiariamente, quinquenal. Contudo, a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, conforme pacificado pela Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça.
Em se tratando de relação de consumo, o prazo prescricional para a pretensão de reparação de danos decorrentes de fato do serviço é de cinco anos, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
"Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria." (Código de Defesa do Consumidor).
Ademais, em casos de relação de trato sucessivo, como os descontos de parcelas de empréstimos, o termo inicial do prazo prescricional quinquenal é a data do último desconto indevido. Este é o entendimento consolidado deste Tribunal, conforme o seguinte julgado:
"Aplica-se o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor às pretensões de repetição de indébito decorrentes de descontos indevidos por defeito no serviço bancário. O termo inicial do prazo prescricional em casos de relação de trato sucessivo é a data do último desconto indevido." (TJPI, Apelação Cível nº 0801856-41.2023.8.18.0047, 4ª Câmara Especializada Cível, Relator: João Gabriel Furtado Baptista, Julgamento: 08/01/2025).
Portanto, a pretensão da autora não se encontra fulminada pela prescrição.
2.3. Da Nulidade do Contrato e da Comprovação da Transferência de Valores
O cerne da questão reside na ausência de apresentação, por parte do Banco, de documento idôneo que comprove a efetiva transferência dos valores para a conta do mutuário, e na inobservância das formalidades legais para a contratação com pessoa analfabeta.
A condição de analfabeta da Apelante MARIA DOS SANTOS SILVA impõe formalidades específicas para a validade do contrato, conforme o Art. 595 do Código Civil e as Súmulas 30 e 37 do TJPI:
"Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas." (Código Civil).
"A ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas nos instrumento de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado ou magistrada, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação." (TJPI, Súmula 30, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).
"Os contratos firmados com pessoas não alfabetizadas, inclusive os firmados na modalidade nato digital, devem cumprir os requisitos estabelecidos pelo artigo 595, do Código Civil." (TJPI, Súmula 37, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).
No caso em análise, o Banco Apelado alegou tratar-se de uma portabilidade de crédito. Contudo, a natureza da operação, seja novo empréstimo ou portabilidade, não dispensa a observância das formalidades do Art. 595 do Código Civil. A validade da operação de portabilidade depende do consentimento válido do analfabeto, o que não ocorreu sem as formalidades exigidas. O Banco não apresentou o contrato com a assinatura a rogo e a subscrição por duas testemunhas, o que é um vício formal insanável.
Ademais, o Banco Apelado não se desincumbiu do ônus de comprovar a efetiva e idônea transferência dos valores referentes ao contrato questionado. A comprovação da transferência de valores, para que seja considerada idônea nos termos da Súmula nº 18 do TJPI, exige, por exemplo, a apresentação de um comprovante de TED (Transferência Eletrônica Disponível) com os respectivos códigos de segurança, que permita rastrear a operação e confirmar que o crédito realmente se originou daquele contrato específico e foi destinado à conta do mutuário, conforme entendimento sumulado:
"A ausência de comprovação pela instituição financeira da transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil." (TJPI, Súmula 18, Redação alterada na 141ª Sessão Ordinária Administrativa pelo Tribunal Pleno em 15/07/2024).
Nesse mesmo sentido, a jurisprudência deste Tribunal é clara, tal como o julgado a seguir:
"JUNTADA DE CONTRATO SEM ASSINATURA. NÃO COMPROVAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA/DEPÓSITO DA QUANTIA SUPOSTAMENTE CONTRATADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 18 DO TJ/PI. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVOLUÇÃO DE VALORES EM DOBRO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (TJPI, Apelação Cível nº 0800826-69.2021.8.18.0037, 1ª Câmara Especializada Cível, Relator: Haroldo Oliveira Rehem, Julgamento: 12/05/2025).Outrossim, nesse mesmo diapasão, colaciona-se:"PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. TRANSFERÊNCIA DE VALORES NÃO DEMONSTRADO. SÚMULA Nº 18 DO TJPI. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CARACTERIZADA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANO MORAL INDENIZÁVEL." (TJPI, Apelação Cível: 0800313-93.2021.8.18.0072, Relator: Manoel de Sousa Dourado, Data de Julgamento: 26/05/2023, 2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL).
Portanto, a ausência da "assinatura a rogo" no contrato em questão, aliada à condição de analfabeta da Apelante, é suficiente para declarar a nulidade do negócio jurídico. A prova de transferência apresentada pelo banco não é idônea para convalidar um contrato nulo por vício formal. A falha na prestação do serviço bancário, ao não observar as cautelas necessárias na contratação e na comprovação da liberação do crédito, configura ato ilícito, ensejando a nulidade do negócio jurídico e o dever de indenizar. A responsabilidade da instituição financeira é objetiva, conforme Súmula 479 do STJ:
"As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." (STJ, Súmula 479, Corte Especial, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010).
2.4. Do Dano Moral
A jurisprudência é uníssona em reconhecer que a realização de descontos indevidos em benefício previdenciário configura dano moral in re ipsa, ou seja, o dano é presumido pela própria ocorrência do ato ilícito, dada a natureza alimentar da verba e o impacto na dignidade da pessoa, tal como:"O desconto indevido em benefício previdenciário causa dano moral in re ipsa." (TJ-RO, Apelação Cível: 70086162020238220010, Relator: Des. Kiyochi Mori, Data de Julgamento: 20/08/2024).
No presente caso, a ausência de comprovação da validade do contrato e da idoneidade da transferência equivale à inexistência do negócio jurídico, tornando os descontos realizados ilícitos e, consequentemente, gerando o dano moral.
No tocante ao quantum indenizatório, a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido de danos morais. Considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como os valores arbitrados em casos semelhantes por esta Corte, entendo que o valor de R$ 3.000,00 se mostra aquém dos parâmetros adotados por este Tribunal em casos análogos. O precedente modelo utilizado para a estrutura desta decisão, em caso análogo de empréstimo consignado não comprovado com pessoa analfabeta, fixou a indenização em R$ 5.000,00, conforme entendimento:"O desconto indevido em aposentadoria enseja dano moral presumido, sendo devida indenização em valor compatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade." (TJPI, Apelação Cível 0800646-90.2022.8.18.0078, Relator: HILO DE ALMEIDA SOUSA, 1ª Câmara Especializada Cível, Data 30/06/2025).
Assim, em congruência com os parâmetros desta Corte, MAJORA-SE o quantum indenizatório para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
2.5. Da Repetição do Indébito
Reconhecida a nulidade do contrato e a falha na prestação do serviço, a consequência é a repetição dos valores indevidamente descontados. O art. 42, parágrafo único, do CDC prevê a devolução em dobro, "salvo hipótese de engano justificável" (Art. 42. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável).
O Superior Tribunal de Justiça, em precedente vinculante, firmou o entendimento de que a repetição do indébito em dobro é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, dispensando a comprovação de má-fé por parte do fornecedor. A negligência da instituição financeira em não observar as formalidades legais para contratação com pessoa analfabeta e em realizar descontos sem um contrato válido configura conduta contrária à boa-fé objetiva, justificando a dobra, como se depreende do entendimento destacado:
"4. O próprio dispositivo legal caracteriza a conduta como engano e somente exclui a devolução em dobro se ele for justificável. Ou seja, a conduta base para a repetição de indébito é a ocorrência de engano, e a lei, rígida na imposição da boa-fé objetiva do fornecedor do produto ou do serviço, somente exclui a devolução dobrada se a conduta (engano) for justificável (não decorrente de culpa ou dolo do fornecedor)." (STJ, EAREsp 676.608, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021).
Sendo assim, considerando que a instituição financeira realizou descontos em benefício previdenciário da Apelante sem a devida comprovação da origem e validade da dívida, sua conduta não pode ser considerada como “engano justificável”. Desta forma, a repetição deve ocorrer em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.
2.6. Da Litigância de Má-Fé
Quanto à alegação de litigância de má-fé por parte da autora, não vislumbro a presença de dolo específico. O mero exercício do direito de ação e de recurso, mesmo que sem sucesso em primeiro grau, não configura, por si só, má-fé processual, especialmente em relações de consumo onde a hipossuficiência do consumidor é reconhecida. A condenação por litigância de má-fé exige a comprovação de dolo e prejuízo à parte contrária, o que não restou demonstrado nos autos.
2.7. Da Compensação de Valores
O Banco Bradesco S.A. buscou o afastamento da compensação de valores. A sentença de primeiro grau, ao julgar improcedente, não determinou compensação. Contudo, a defesa do banco se baseia na portabilidade, o que, em tese, não geraria valores a compensar. No entanto, conforme exaustivamente fundamentado no item 2.3, o banco não se desincumbiu do ônus de comprovar a efetiva e idônea transferência dos valores à conta da mutuária, nos termos da Súmula 18 do TJPI, nem a validade da operação de portabilidade sem as formalidades do Art. 595 do CC. A ausência de prova idônea da disponibilização do crédito impede a compensação, pois não há valor a ser compensado.Portanto, a manutenção da compensação sem a devida comprovação da transferência configuraria enriquecimento sem causa, motivo pelo qual deve ser afastada.
2.8. Do Termo Inicial dos Juros de Mora e Correção Monetária
Para o dano material (repetição de indébito), os juros de mora incidem a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e a correção monetária a partir do efetivo prejuízo (data de cada desconto indevido), conforme Súmula 43 do STJ, tal como: "A correção monetária incide sobre o valor da indenização por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo." (STJ, Súmula 43, Corte Especial, julgado em 24/09/1992, DJ 01/10/1992).
Para o dano moral, os juros de mora incidem a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e a correção monetária a partir da data do arbitramento, conforme Súmula 362 do STJ: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." (STJ, Súmula 362, Segunda Seção, julgado em 23/10/2008, DJe 24/11/2008).
Considerando que a nulidade do contrato por vício formal equipara-se a um ato ilícito, a aplicação dos juros de mora e correção monetária deve seguir os parâmetros acima. O índice a ser utilizado para a correção monetária é o INPC.
2.9. Dos Honorários Advocatícios
Considerando o desprovimento do recurso do banco e o provimento parcial do recurso da autora, e o trabalho adicional em grau recursal, é cabível a majoração dos honorários. Fixa-se os honorários em 15% sobre o valor da condenação, conforme o Art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil e Súmulas 18, 26, 30 e 37 do TJPI, bem como Súmula 479 do STJ, CONHEÇO das presentes Apelações Cíveis e:
1. NEGO PROVIMENTO à Apelação Cível interposta por BANCO BRADESCO S.A.
2. DOU PARCIAL PROVIMENTO à Apelação Cível interposta por MARIA DOS SANTOS SILVA para:
a) MAJORAR o valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
b) DECLARAR a nulidade do contrato de empréstimo consignado nº 0123383519472, por ausência das formalidades essenciais do Art. 595 do Código Civil e da comprovação idônea da transferência dos valores, e, consequentemente, CONDENAR o BANCO BRADESCO S.A. à repetição do indébito em dobro dos valores descontados indevidamente.
c) AFASTAR a compensação de valores, por ausência de comprovação idônea da transferência do crédito pelo Banco.
Sobre o valor da repetição do indébito, deverão incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC a partir da data de cada desconto indevido (STJ, Súmula 43).
Sobre o valor da indenização por danos morais (R$ 5.000,00), deverão incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (Art. 405 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC a partir da data do presente arbitramento (STJ, Súmula 362).
INVERTO o ônus da sucumbência, condenando o BANCO BRADESCO S.A. ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, considerando o trabalho adicional em grau recursal, nos termos do Art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Intimem-se.
CUMPRA-SE.
TERESINA-PI, 26 de agosto de 2025.
DESEMBARGADOR ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Relator
0801560-87.2022.8.18.0068
Órgão JulgadorDesembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA DOS SANTOS SILVA
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação26/08/2025