poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0801697-30.2021.8.18.0060
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: MARIA DE FATIMA BRITO
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
REPRESENTANTE: BANCO BRADESCO S.A.
Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CONTRATO E DO REPASSE DE VALORES. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSOS DESPROVIDOS.
DECISÃO TERMINATIVA
I. RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Cíveis interpostas reciprocamente por BANCO BRADESCO S.A. e por MARIA DE FÁTIMA BRITO contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Luzilândia/PI, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais e Materiais (Proc. nº 0801697-30.2021.8.18.0060), que julgou parcialmente procedentes os pedidos para (a) determinar o cancelamento do contrato de empréstimo consignado, reconhecendo a nulidade do “Contrato de nº 0123316698153”; (b) condenar a instituição financeira à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da autora, a apurar em cumprimento de sentença, com atualização e juros; e (c) condenar ao pagamento de R$ 3.000,00 a título de danos morais, com os consectários legais. A decisão consignou tratar-se de relação de consumo, registrando, em síntese, a ausência de comprovação, pelo réu, do repasse/transferência do valor e do próprio instrumento contratual, bem como a determinação anterior de apresentação desses documentos não cumprida, fazendo incidir a orientação da Súmula 18 do TJPI.
Irresignado, o BANCO BRADESCO S.A. interpôs Recurso de Apelação (ID 26507307), em 17/02/2025, com alegações de regularidade da contratação, inexistência de ilícito e pleito de reforma da sentença.
Posteriormente, MARIA DE FÁTIMA BRITO também interpôs Recurso de Apelação (ID 26507310), insistindo na nulidade do negócio jurídico, na responsabilidade civil do banco e na necessidade de majoração da indenização por danos morais, além de demais consectários, conforme razões juntadas.
Regularmente intimadas as partes, o BANCO BRADESCO S.A. apresentou Contrarrazões à Apelação da autora (ID 26507715), pugnando, entre outros pontos, pelo não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade e pela manutenção da sentença nos tópicos favoráveis ao banco, tal como delineado no respectivo arrazoado.
Por sua vez, a autora MARIA DE FÁTIMA BRITO apresentou Contrarrazões à Apelação do banco (ID 26507716), defendendo a manutenção integral do decisum, enfatizando a inexistência de contrato hábil e de comprovante de repasse/transferência, além dos reflexos dos descontos em verba de caráter alimentar.
Registre-se, ainda, que a própria sentença determinou a remessa dos autos à instância superior, com as formalidades legais de publicação e intimação.
É o relatório.
II. ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço dos recursos.
III. PRELIMINAR
Rejeita-se a preliminar de inobservância ao princípio da dialeticidade arguida pelo apelado (ID 26507715), pois a apelação contém impugnação direta aos fundamentos da sentença, expondo os argumentos fáticos e jurídicos necessários à sua reforma.
3.2. Impugnação à assistência Judiciária Gratuita
À luz do art. 98 do CPC/2015, para a concessão do benefício da gratuidade judiciária, é necessário que o postulante não possua condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família. Todavia, a presunção de pobreza pode ser elidida mediante prova em contrário, conforme art. 7º da Lei nº 1.060/50, hipótese em que o benefício legal pode ser revogado. Confira-se:
"A comprovação do estado de pobreza se faz, em tese, mediante a mera declaração do requerente atestando sua condição de hipossuficiente. No entanto, tal declaração não gera presunção absoluta, podendo ser elidida por entendimento do juízo havendo fundadas razões que justifiquem o indeferimento dos benefícios da gratuidade da justiça." (STJ, Resp nº 1.170.529/MG; Rel. Min. Massami Uyeda, p. 10/02/2010).
Assim, não obstante a necessidade de se provar a insuficiência de recursos para a concessão do benefício, uma vez deferida a gratuidade de justiça, incumbe a parte contrária, impugnante, o ônus de provar que o beneficiário não se encontra em situação econômica difícil e que, por isso, tem como arcar com as despesas processuais. A prova, por sua vez, deve ser incontestável e ficar distante do terreno das argumentações, sob pena de não se revogar o benefício concedido.
No caso em julgamento, não há nada nos autos que nos faça revogar o benefício deferido ao apelante em 1º grau, pois nenhum documento foi juntado pelo Apelante nesse sentido.
Em face do exposto, afasto a presente preliminar arguida.
IV. MÉRITO
Preambularmente, consoante dispõe o art. 932, IV, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “negar provimento a recurso que for contrário a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal”.
Tal previsão encontra-se, ainda, constante do art. 91, VI-B, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, in verbis:
Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:
[...]
VI-B – negar provimento a recurso que for contrário a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016)
Destaco que não há dúvidas de que o vínculo jurídico-material deduzido na inicial se enquadra como típica relação de consumo, sendo delineado pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme redação a seguir:
STJ/SÚMULA Nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Nesse contexto, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor, de modo que são aplicáveis ao caso as garantias previstas na Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), tais como a inversão do ônus da prova (art. 6º, VII) e a responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14).
Acerca do tema, este Tribunal de Justiça Estadual consolidou o seu entendimento no enunciado nº 26 de sua Súmula, segundo o qual se aplica a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII) nas causas que envolvam contratos bancários, desde que comprovada a hipossuficiência do consumidor.
SÚMULA 26 – Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.
Cumpre esclarecer, inicialmente, que se tratando de relação de consumo, inviável impor à parte Autora a produção de prova negativa, no sentido de não ter realizado a contratação.
Nesse sentido, entendo ser cabível a aplicação do art. 6°, VIII do CDC, relativo à inversão do ônus da prova, considerando-se a capacidade, dificuldade ou hipossuficiência de cada parte, cabendo à instituição financeira, e não à parte Autora, o encargo de provar a existência do contrato pactuado, capaz de modificar o direito do autor, segundo a regra do art. 373, II do Código de Processo Civil.
No mesmo sentido, prescreve o art. 336, do CPC/15, a seguir:
Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.
Analisando o conjunto probatório acostado os autos, em que pese o banco apelante defender a celebração e regularidade da cobrança, verifica-se que este não juntou ao feito qualquer contrato legitimador dos descontos efetuados, ou seja, não comprovou a contratação e adesão da parte autora com o empréstimo em comento.
Ademais, in casu, não restou comprovada a disponibilização do numerário a legitimar os descontos realizados ao longo do período no benefício de aposentadoria da parte autora/recorrida.
Este é entendimento sumulado neste E. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, verbis:
TJPI/SÚMULA Nº 18 – A ausência de comprovação pela instituição financeira da transferência do valor do contrato para a conta bancária do consumidor/mutuário, garantidos o contraditório e a ampla defesa, ensejará a declaração de nulidade da avença, com os consectários legais.
Destarte, inexistindo a prova do pagamento, deve ser declarado inexistente o negócio jurídico e, por corolário, gera ao Banco demandado o dever de devolver o valor indevidamente descontado do benefício previdenciário da requerente.
Nesta senda, conforme determinado pelo juízo sentenciante, caberá à instituição financeira, a restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados no benefício previdenciário da parte Autora.
No tocante à correção monetária e aos juros de mora, aplica-se:
Juros de mora: desde a data da citação (art. 405 do CC);
Correção monetária: desde cada desconto indevido (Súmula 43 do STJ);
Quanto ao pleito de afastamento da condenação por danos morais, não assiste razão ao banco. Os descontos indevidos incidiram diretamente sobre verba de caráter alimentar (benefício previdenciário), em prejuízo à subsistência da consumidora, o que ultrapassa o mero dissabor cotidiano, caracterizando dano moral in re ipsa, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, a parte Autora (segunda Apelante) postula a majoração do quantum indenizatório fixado pelo juízo singular a título de danos morais, por entender que o valor arbitrado não é capaz de gerar os resultados que dele se espera, quais sejam, o caráter punitivo e satisfativo.
Conquanto inexistam parâmetros legais para essa estipulação, não se trata de tarefa puramente discricionária, uma vez que a doutrina e a jurisprudência estabelecem algumas diretrizes a serem observadas. Assim, o julgador deve pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando, ainda, a dupla natureza desta condenação: punir o causador do prejuízo e garantir o ressarcimento da vítima.
Consigne-se, ainda, que a condenação por dano moral não deve ser tão ínfima a ponto de se tornar inservível à repreensão, mas, tampouco, demasiada, que possa proporcionar enriquecimento sem causa, sob pena de desvirtuar a natureza do instituto. Sendo assim, o ofensor deve ser condenado a pagar indenização suficiente que sirva de desestímulo à prática ilícita, observando-se sua capacidade econômica, mas que torne necessária a imediata correção da prática reprovável.
Diante destas ponderações, e atento aos valores que atualmente são impostos por este Colegiado em casos semelhantes, mantenho a verba indenizatória fixada na origem no patamar de R$ 3.000,00 (trê mil reais), arbitrada na origem.
A atualização do montante obedece aos seguintes critérios:
Juros de mora: desde a citação (art. 405 do CC);
Correção monetária: desde o arbitramento, ou seja, a data deste julgamento, conforme súmula 362 do STJ;
Índices: IPCA (correção monetária) e Taxa Selic (deduzido o IPCA) como juros moratórios.
Assim sendo, não desafia reforma a r. sentença recorrida, por qualquer ângulo que se queira dar ênfase, motivo pelo qual não prospera o pleito de majoração da indenização em comento.
V – DISPOSITIVO
Diante do exposto, com fundamento no art. 932, IV, "a", do CPC, nego provimento a ambas as apelações, mantendo a sentença recorrida.
Intimem-se as partes.
Decorrido o prazo recursal in albis, proceda-se à baixa e ao arquivamento dos autos.
Advirto às partes que a oposição de embargos de declaração ou a interposição de agravo interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista nos arts. 1.026, §2º, e 1.021, §4º, do CPC.
Cumpra-se.
Teresina, 26 de agosto de 2025.
Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
0801697-30.2021.8.18.0060
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA DE FATIMA BRITO
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação26/08/2025