Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0803660-18.2023.8.18.0088


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

PROCESSO Nº: 0803660-18.2023.8.18.0088
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado]
APELANTE: BANCO BRADESCO S.A.
APELADO: RITA RIBEIRO DOS SANTOS NASCIMENTO


JuLIA Explica

Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO REALIZADO POR AUTOATENDIMENTO BANCÁRIO. UTILIZAÇÃO DE CARTÃO, SENHA PESSOAL E AUTENTICAÇÃO DIGITAL. DISPONIBILIZAÇÃO DOS VALORES EM CONTA. VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Apelação Cível interposta por instituição financeira contra sentença que, em ação declaratória de nulidade de relação contratual cumulada com repetição de indébito e danos morais, ajuizada por beneficiária previdenciária, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para: (i) declarar a inexistência do contrato de empréstimo; (ii) cessar os descontos no benefício previdenciário; (iii) condenar ao pagamento de danos morais; (iv) determinar a devolução em dobro dos valores descontados; e (v) fixar honorários advocatícios. A autora sustentava não ter contratado o empréstimo que gerou os descontos. O banco, em sede recursal, argumenta ter havido contratação regular por meio eletrônico, com utilização de cartão, senha e autenticação digital, além de comprovação do depósito dos valores contratados na conta da autora.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há três questões em discussão: (i) verificar a validade do contrato de empréstimo firmado por autoatendimento com autenticação digital; (ii) definir se houve falha na prestação de serviço bancário apta a justificar indenização por danos morais e devolução em dobro dos valores; (iii) avaliar a possibilidade de aplicação da Súmula 40 do TJPI ao caso concreto.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A contratação por autoatendimento bancário, mediante cartão magnético, senha pessoal e autenticação digital, com posterior depósito dos valores em conta bancária do consumidor, constitui negócio jurídico válido, nos termos dos arts. 104 e 107 do Código Civil.

4. A ausência de contrato físico não invalida a contratação digital, sendo suficiente a manifestação de vontade por meios eletrônicos, especialmente diante de logs bancários e comprovantes de TED.

5. A Súmula nº 40 do TJPI afasta a responsabilidade civil da instituição financeira quando há demonstração de uso do cartão original, senha pessoal e efetivo crédito dos valores.

6. Inexistindo vício de consentimento ou falha na prestação de serviço, não se configura o dever de indenizar por danos morais, tampouco de restituir valores em dobro.

7. O banco cumpriu o ônus probatório que lhe incumbia, nos termos do art. 373, II, do CPC, demonstrando a higidez da contratação e a regularidade da operação.

IV. DISPOSITIVO E TESE

8. Recurso provido.

Tese de julgamento:

1. A contratação de empréstimo consignado por autoatendimento bancário, com uso de cartão, senha e autenticação digital, constitui negócio jurídico válido e eficaz.

2. A disponibilização dos valores na conta do consumidor, aliada à comprovação da contratação por logs bancários, afasta a presunção de falha na prestação de serviço.

3. A inexistência de contrato físico não invalida a contratação digital, sendo inaplicável a responsabilização civil da instituição financeira quando demonstrada a regularidade do negócio.

Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 104 e 107; CPC, arts. 373, II, e 932, V, “a”. Jurisprudência relevante citada: TJPI, Súmula nº 40; TJ-MG, Apelação Cível nº 50298466820238130701, Rel. Des. Jaqueline Calábria Albuquerque, j. 27.05.2025; TJPI, Apelação Cível nº 0829324-89.2023.8.18.0140, Rel. Des. João Gabriel Furtado Baptista, j. 30.10.2024.


DECISÃO TERMINATIVA

I – RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível interposta por BANCO BRADESCO S.A. contra sentença proferida nos autos da ação declaratória de nulidade de relação contratual cumulada com repetição de indébito e danos morais proposta por RITA RIBEIRO DOS SANTOS NASCIMENTO, em virtude de descontos em benefício previdenciário decorrentes de contrato de empréstimo consignado que a autora afirma não ter celebrado.

Na sentença de primeiro grau (Id nº 20312843), o Juízo julgou parcialmente procedentes os pedidos da parte autora para: (i) declarar a inexistência do contrato de empréstimo; (ii) determinar a cessação dos descontos no benefício previdenciário, sob pena de multa diária; (iii) condenar o banco ao pagamento de R$ 3.000,00 por danos morais; (iv) condenar à devolução em dobro dos valores descontados indevidamente; e (v) fixar honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação.

Nas razões recursais (Id nº 20312845), o BANCO BRADESCO S.A. sustenta: (i) que a contratação foi realizada por meio eletrônico, mediante cartão magnético, senha pessoal e autenticação digital no canal de autoatendimento BDN; (ii) que o valor contratado foi efetivamente depositado na conta da autora; (iii) que não houve falha na prestação de serviço ou vício de consentimento; (iv) que eventual devolução deve ser simples e não em dobro; e (v) que a sentença merece reforma integral. Pleiteia, ainda, o reconhecimento da prescrição trienal.

A parte apelada foi intimada, mas não apresentou contrarrazões, conforme certificado nos autos.

É o breve relatório. Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Nos termos do art. 932, V, “a”, do CPC, admite-se a prolação de decisão monocrática para dar provimento ao recurso quando a sentença recorrida contrariar súmula do tribunal, do STJ ou do STF.

A matéria objeto da presente demanda — validade de contrato de empréstimo consignado celebrado em canal de autoatendimento bancário, mediante cartão, senha e autenticação digital, com efetiva disponibilização dos valores na conta do consumidor — encontra-se pacificada neste Egrégio Tribunal de Justiça, por meio da Súmula nº 40 do TJPI, que dispõe:


SÚMULA 40 – “A responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, restando, ainda, comprovado a disponibilização dos valores na conta corrente do postulante.” 

Consoante os documentos constantes nos autos, especialmente aqueles juntados pelo apelante, restou comprovado que a contratação foi realizada por meio eletrônico, através do terminal de autoatendimento Bradesco Dia e Noite (BDN), com uso de cartão magnético, senha pessoal e autenticação digital, tendo sido o valor do contrato efetivamente creditado na conta da autora em 09/08/2018, conforme comprovantes anexados de ID 20312836 e 20312834.

Tal modalidade contratual não é vedada pelo ordenamento jurídico, revelando, na verdade, maior facilidade aos consumidores, a considerar que permite a utilização de serviços bancários sem a necessidade de longa espera em filas controlados pela emissão de senhas de atendimento. 

Na hipótese em debate, há provas nos autos de contratação de empréstimo de forma regular, por meio de modalidade não vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, cujos valores foram efetivamente disponibilizados na conta do requerente. 

Portanto, presentes os elementos mínimos para a configuração de negócio jurídico válido, nos termos dos arts. 104 e 107 do Código Civil, sendo desnecessária a existência de contrato físico, haja vista a validade da manifestação de vontade digital. A ausência de contrato físico não é, por si só, apta a macular a validade do negócio jurídico, mormente quando este se dá mediante uso de senha pessoal, cartão magnético e autenticação digital.

Dessa forma, não há que se falar em nulidade contratual, vício de consentimento, falha na prestação de serviço ou enriquecimento ilícito do banco.

Com a juntada de logs bancários e comprovante de TED, o banco apelante cumpriu com seu ônus probatório (art. 373, II, do CPC), não havendo respaldo para condenação em danos morais ou repetição em dobro dos valores, sendo indevida a responsabilização civil da instituição financeira.

Corroborando esse entendimento, colhe-se da jurisprudência:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E CARTÕES DE CRÉDITO CONSIGNADOS. COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE MEDIANTE LOGS E DOCUMENTAÇÃO BANCÁRIA . RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA. AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. A apresentação de registros de LOGs de contratação, acompanhados de documentação bancária que comprove a utilização de senha pessoal e intransferível, é suficiente para demonstrar a regularidade de contratos firmados por meio eletrônico. Os LOGs de contratação, previstos em regulamentação do Banco Central, são elementos válidos para demonstrar a higidez das contratações e afastar a alegação de falha na prestação do serviço. A Instrução Normativa INSS/PRESS nº 39 autoriza a contratação de empréstimos consignados por meio eletrônico, desde que com autorização expressa do titular do benefício, sendo válida a manifestação de vontade por meio de autoatendimento. A impugnação genérica dos documentos pela parte consumidora não afasta a presunção de veracidade das informações prestadas pela instituição financeira, sobretudo quando não há requerimento oportuno de prova técnica ou pericial . Ausente falha na prestação do serviço bancário ou lesão a direito da personalidade, não há ilícito a ser indenizado, sendo insuficiente a simples negativa de contratação quando comparada à robusta documentação hígida apresentada pela prestadora de serviços. (TJ-MG - Apelação Cível: 50298466820238130701, Relator.: Des.(a) Jaqueline Calábria Albuquerque, Data de Julgamento: 27/05/2025, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/06/2025)

“PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO JUNTADO. NEGÓCIO BANCÁRIO REALIZADO MEDIANTE USO DE CARTÃO E SENHA (TERMINAL DE AUTOATENDIMENTO). COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA DE VALOR JUNTADO AOS AUTOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 40 DO TJPI. RECURSO DESPROVIDO.” (TJPI, Apelação Cível nº 0829324-89.2023.8.18.0140, Rel. Des. João Gabriel Furtado Baptista, 4ª Câm. Esp. Cível, j. 30/10/2024).

Assim, tendo sido demonstrada a regularidade da contratação e a efetiva disponibilização dos valores na conta da autora, deve ser reformada a sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, V, “a”, do CPC, e com fundamento na Súmula nº 40 do TJPI, DOU PROVIMENTO à Apelação Cível para reformar integralmente a sentença de piso, julgando improcedentes os pedidos formulados por RITA RIBEIRO DOS SANTOS NASCIMENTO na petição inicial, afastando a condenação em danos morais e repetição de indébito em dobro, bem como invertendo-se o ônus da sucumbência, observado o § 3º do art. 98 do CPC.

Publique-se. Intimem-se. Certifique-se o trânsito em julgado, se não houver recurso.

Teresina-PI, data da assinatura eletrônica.

 

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0803660-18.2023.8.18.0088 - Relator: ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA - 1ª Câmara Especializada Cível - Data 26/08/2025 )

Detalhes

Processo

0803660-18.2023.8.18.0088

Órgão Julgador

Desembargador ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO LOPES DE OLIVEIRA

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

BANCO BRADESCO S.A.

Réu

RITA RIBEIRO DOS SANTOS NASCIMENTO

Publicação

26/08/2025