poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0800907-40.2023.8.18.0104
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado, Repetição do Indébito]
APELANTE: MARIA DO ROSARIO DOS SANTOS, BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A, BANCO BRADESCO S.A.
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A, BANCO BRADESCO S.A., MARIA DO ROSARIO DOS SANTOS
DECISÃO TERMINATIVA
EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA DE VALORES. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULAS Nº 18 E 26 DO TJPI. COBRANÇA INDEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO FIXADA. CONEXÃO AFASTADA. PRIMEIRO RECURSO PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. SEGUNDO RECURSO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO E DESPROVIDO.
I – RELATÓRIO
Trata-se de dois recursos de Apelação interpostos contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Monsenhor Gil/PI, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA movida por MARIA DO ROSARIO DOS SANTOS em face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., que julgou os pedidos da inicial nos seguintes termos:
“b) PARCIALMENTE PROCEDENTE OS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL dos autos nº 0800898-78.2023.8.18.0104, nº 0800906-55.2023.8.18.0104 nº 0800907-40.2023.8.18.0104 e nº 0800908-25.2023.8.18.0104.
b.1 Declarar a inexistência dos contratos de cartão de crédito/empréstimo, se ainda ativo;
b.2 b) A condenação do réu à devolução dos valores das parcelas que foram efetivamente descontadas e comprovadas no cumprimento da sentença, em favor de Maria do Rosário dos Santos, a título de repetição do indébito, em dobro. Considerando a superveniência da Lei n. 14.905/2024 e também o princípio tempus regit actum, a partir de 28 de agosto de 2024, dever-se-á observar a atualização monetária pelo índice IPCA-IBGE, conforme determinação contida no artigo 389, parágrafo único, do Código Civil, além de juros de mora de acordo com a taxa legal, isto é, taxa Selic deduzido o índice IPCA-IBGE (conforme previsão do artigo 406, § 1º, do Código Civil);
b.3 Condeno a parte demandada nas custas processuais e em honorários advocatícios, o qual fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 82, §2º c/c art. 85, §2º, ambos do CPC.
Por fim, EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15).” (ID. 25514085)
Em primeira apelação (ID 25514086), a parte Autora, ora primeira Apelante, requer a condenação do banco Réu ao pagamento de indenização por danos morais.
Devidamente intimada, a entidade financeira apresentou contrarrazões (ID 25514093), pugnando pelo não provimento do recurso.
Por sua vez, a instituição financeira, ora segunda Apelante, interpôs apelação (ID 25514087), alegando, em síntese, a regularidade da contratação, requerendo, ao final, o provimento do recurso para que a sentença seja reformada in totum.
Regularmente intimada, a parte Autora apresentou contrarrazões (ID 25514091), requerendo o desprovimento do recurso interposto pela instituição financeira.
Em razão da recomendação contida no Ofício-Circular nº 174/2021, os autos não foram encaminhados ao Ministério Público Superior por ausência de interesse público a justificar a intervenção.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo), o recurso deve ser admitido, o que impõe o seu conhecimento.
Consoante dispõe o art. 932, IV, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “negar provimento a recurso que for contrário a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal”.
Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-B, do Regimento Interno do E. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos:
Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:
(…)
VI-B - negar provimento a recurso que for contrário a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016)
Utilizo-me, pois, de tais disposições normativas, uma vez que a matéria aqui trazida já foi amplamente deliberada nesta Corte de Justiça, possuindo até mesmo disposição de súmula.
III. PRELIMINARMENTE - DA CONEXÃO:
A análise da existência de conexão processual entre demandas é matéria de ordem pública, conforme entendimento pacificado no âmbito dos tribunais superiores, podendo ser examinada de ofício pelo julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição.
No presente caso, observa-se que a sentença de origem (ID 25514085) determinou o julgamento conjunto com os seguintes processos: 0800894-41.2023.8.18.0104; 0800895-26.2023.8.18.0104; 0800897-93.2023.8.18.0104; 0800898-78.2023.8.18.0104; 0800901-33.2023.8.18.0104; 0800903-03.2023.8.18.0104; 0800906-55.2023.8.18.0104 e 0800908-25.2023.8.18.0104.
Contudo, a conexão prevista no artigo 55 do CPC exige, para sua caracterização, a identidade entre pedidos ou causa de pedir, o que não se verifica entre os feitos mencionados. O dispositivo legal assim dispõe:
Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
No caso dos autos, embora as demandas mencionadas na sentença envolvam o mesmo réu e discutam descontos vinculados a empréstimos consignados e/ou cartão de crédito RMC, constata-se que cada uma trata de contratos distintos, com valores e fatos próprios, não havendo identidade suficiente de pedidos ou causa de pedir que justifique o julgamento conjunto.
Assim, afasto a conexão entre o presente processo (0800907-40.2023.8.18.0104) e os demais listados na sentença de origem (ID 25514085), determinando o julgamento autônomo e individualizado exclusivamente da presente demanda.
IV – DO MÉRITO
De início, cumpre destacar que a presente demanda versa sobre a pretensão recursal da parte autora, ora primeira Apelante, de ver reconhecida a possibilidade de condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais. Por sua vez, o banco, na qualidade de segundo Apelante, busca o reconhecimento da regularidade da contratação, pugnando, ao final, pela reforma in totum da sentença vergastada.
Como é cediço, a controvérsia deve ser analisada sob a égide do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/90), sendo imprescindível o reconhecimento da vulnerabilidade da parte consumidora.
Nessa perspectiva, é regra a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, conforme preconiza o artigo 6º, inciso VIII, do CDC, incumbindo à instituição financeira a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor. Tal demonstração se consubstancia na comprovação da validade da contratação firmada entre as partes, cumulada com a efetiva comprovação da transferência dos valores avençados.
Esta é uma questão exaustivamente debatida nesta E. Câmara Especializada Cível, possuindo até mesmo disposição expressa no enunciado da súmula nº 26 deste E. Tribunal de Justiça, in litteris:
TJPI/SÚMULA Nº 26: Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.
Analisando o conjunto probatório dos autos, constata-se que a Segunda Apelante desatendeu o ônus que lhe incumbia de comprovar a validade da negociação jurídica em discussão, deixando de apresentar o instrumento contratual e a TED.
Dessarte, no caso sub examine, resta comprovado que o crédito não foi disponibilizado na conta da parte Autora, fato que se coaduna ao que dispõe a nova redação da Súmula nº 18 deste Tribunal de Justiça, vejamos:
TJPI/SÚMULA Nº 18: A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil.
Ademais, a conduta da instituição financeira de efetuar descontos no benefício previdenciário do consumidor, tomando como base uma contratação nula caracteriza ato ilícito, o que finda, no caso em apreço, na aplicação do disposto no parágrafo único do art. 42 do CDC. Vejamos:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Ainda sobre o tema, a Corte Cidadã, no informativo 803 (EAREsp 1.501.756-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024), entendeu que a incidência do parágrafo único do art. 42 do CDC (repetição em dobro) independe de culpa, dolo ou má-fé, visto que havendo a cobrança/recebimento de valor indevido pelo fornecedor, a responsabilidade recairá de forma objetiva, isto sem a necessidade de apelo ao elemento volitivo.
Portanto, imperiosa é a devolução em dobro à Segunda Apelante dos valores descontados indevidamente. Importa mencionar que, ante a ausência colação de comprovante de disponibilizado do valor acordado, não há que se falar em compensação.
Nesse ponto, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data de cada desembolso, ou seja, a partir da data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº43 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, a partir de 30.8.2024, com o vigor pleno da Lei n. 14.905/2024, a atualização dos débitos judiciais, na ausência de convenção ou de lei especial em sentido contrário, passa a se dar pelos índices legais de correção monetária e/ou de juros de mora previstos nos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, sendo estes: IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.
Por fim, com intuito de se fazer justiça isonômica, não se pode considerar o desgaste emocional do aposentado como mero dissabor do cotidiano, razão pela qual julgo evidenciados os requisitos suficientes a ensejar a fixação da indenização.
Contudo, no que concerne ao quantum indenizatório, conquanto inexistam parâmetros legais para a sua estipulação, não se trata de tarefa puramente discricionária, devendo o julgador pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade observando a dupla natureza da condenação: punição do causador do prejuízo e garantia do ressarcimento da vítima.
Diante dessas ponderações e atento aos valores que normalmente são impostos por este Colegiado em casos semelhantes, entendo como legítima a fixação da verba indenizatória no patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme os novos precedentes desta E. Câmara Especializada.
Sobre este montante, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data do arbitramento do valor da indenização, no caso, a data do julgamento, na forma da súmula 362 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, nos termos dos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, adota-se o IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.
V– DISPOSITIVO
Pelo exposto, CONHEÇO os recursos, para, no mérito, DAR PROVIMENTO ao primeiro (MARIA DO ROSARIO DOS SANTOS) e NEGAR PROVIMENTO ao segundo (BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.), reformando a sentença apenas para condenar a instituição financeira ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais (juros e correção monetária nos termos estabelecidos na decisão), mantendo a sentença vergastada incólume em seus demais termos.
Afasto, ainda, de ofício, a conexão processual entre o presente feito (0800907-40.2023.8.18.0104) e os demais processos listados na sentença de origem (ID 25514085), determinando o julgamento individualizado e autônomo exclusivamente da presente demanda, por ausência de identidade entre pedidos ou causas de pedir, nos termos do art. 55 do CPC.
Alfim, como a demanda foi sentenciada sob a égide do NCPC, importa-se a necessidade de observância do disposto no art. 85, § 11, do Estatuto Processual Civil. Dessa forma, majoro a verba honorária de sucumbência recursal, nesta fase processual, em 5% sobre o valor da causa.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
TERESINA-PI, 26 de agosto de 2025.
0800907-40.2023.8.18.0104
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMARIA DO ROSARIO DOS SANTOS
RéuBANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A
Publicação26/08/2025