Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0839169-48.2023.8.18.0140


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

PROCESSO Nº: 0839169-48.2023.8.18.0140
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado, Repetição do Indébito]
APELANTE: MARIA DO ROSARIO MARCELINO DE ALMEIDA
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A


JuLIA Explica

 

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA/APELANTE. CONTRATO NULO. NÃO COMPROVAÇÃO DO DEPÓSITO DA QUANTIA OBJETO DA SUPOSTA CONTRATAÇÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N° 18 DO TJPI. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. ART. 932, V, A, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


DECISÃO TERMINATIVA


I - RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA DO ROSÁRIO MARCELINO DE ALMEIDA em face da sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Teresina/PI, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Contratual c/c Pedido de Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais, ajuizada em desfavor do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., processo n.º 0839169-48.2023.8.18.0140.

Sobreveio sentença proferida em 13/05/2025, por meio da qual o juízo de origem julgou improcedentes os pedidos autorais, extinguindo o processo com resolução de mérito com fulcro no art. 487, I, do CPC. O juízo entendeu que o réu logrou êxito em demonstrar a existência e validade da contratação, tendo sido juntado aos autos contrato supostamente assinado pela autora e comprovante de transferência bancária para conta de titularidade da mesma. Considerando que os descontos decorreram de obrigação contratual regularmente constituída, o juízo afastou os pedidos de repetição de indébito e de indenização por danos morais. A autora foi condenada ao pagamento de custas e honorários, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade restou suspensa em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Irresignada, a autora interpôs Recurso de Apelação (ID 27059849), alegando, em síntese, que não houve comprovação suficiente por parte do banco acerca da existência da relação contratual discutida nos autos. Sustenta que o contrato não foi devidamente juntado, nem comprovado o depósito dos valores em sua conta, o que tornaria nula a avença nos termos do art. 166 do Código Civil e da Súmula 18 do TJPI. Requereu a declaração de nulidade do contrato, a devolução dos valores descontados indevidamente e a condenação do réu ao pagamento de danos morais.

Foram apresentadas Contrarrazões pelo banco recorrido (ID 27059852), requerendo, preliminarmente, o não conhecimento do recurso por ausência de dialeticidade. No mérito, defendeu a regularidade da contratação, alegando que o contrato fora assinado e que o valor do empréstimo foi creditado em conta bancária de titularidade da autora. Requereu, assim, o desprovimento do recurso e a manutenção integral da sentença de improcedência.

O feito foi devidamente instruído e, considerando a ausência de interesse público relevante, não houve remessa ao Ministério Público, nos termos do Ofício Circular nº 174/2021 do TJPI.

É o que importa relatar.

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade, e preparo), o recurso deve ser admitido, o que impõe o seu conhecimento.


III – DAS PRELIMINARES

A parte apelada, em suas contrarrazões (ID 27059852), arguiu duas preliminares:

* Conexão com outros processos (art. 55, §3º do CPC): O banco sustenta que o feito deve ser reunido a outros dois processos (nº 0839172-03.2023.8.18.0140 e nº 0839167-78.2023.8.18.0140), por versarem sobre mesma causa de pedir e pedidos semelhantes, a fim de evitar decisões conflitantes.

Contudo, a mera existência de pedidos semelhantes não impõe, por si só, a reunião dos processos, sobretudo quando não demonstrada a efetiva conexão entre os sujeitos e objetos das ações, bem como a possibilidade de risco concreto de decisões contraditórias. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a reunião de processos é medida excepcional, que exige prova efetiva da conexão.

Rejeito a preliminar.

 

*Ausência de dialeticidade recursal: Alega o apelado que o recurso deve ser inadmitido por violar o princípio da dialeticidade, sob o argumento de que a autora apenas reproduziu os argumentos iniciais, sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença.

Ocorre que a peça recursal ataca de forma expressa os fundamentos da sentença, sustentando, com base em jurisprudência e nas provas dos autos, a ausência de demonstração válida do contrato e da transferência dos valores, sendo suficiente para permitir o contraditório e o reexame da matéria. A dialeticidade exige impugnação dos fundamentos da decisão, o que foi observado no recurso.

Rejeito, igualmente, esta preliminar.


IV. DO MÉRITO RECURSAL

Consoante dispõe o art. 932, V, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal.”

Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-C, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos:

 

Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:

(…)

VI-C - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula ou acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; (Incluído pelo art. 1o da Resolução no 21, de 15/09/2016)

 

Utilizo-me, pois, de tais disposições normativas, uma vez que a matéria aqui trazida já foi amplamente deliberada nesta Corte de Justiça, possuindo até mesmo disposição de súmula.

A parte autora alegou, em sua petição inicial, que é beneficiária de aposentadoria por tempo de contribuição, percebendo um salário mínimo mensal, e que desde setembro de 2019 está sendo descontada a quantia de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) a título de suposto contrato de empréstimo consignado, no valor total de R$ 1.972,03 (mil novecentos e setenta e dois reais e três centavos), pactuado em 72 parcelas. Sustenta desconhecer a contratação e não ter recebido qualquer valor correspondente, motivo pelo qual pleiteou a declaração de inexistência do contrato, a repetição dos valores descontados e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Pois bem.

Analisando os autos, entendo que assiste razão à parte apelante.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que o presente caso deve ser apreciado sob a égide do Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei nº 8.078/90, logo é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor.

De início, não há dúvida de que a referida lide, por envolver a discussão acerca de falha na prestação de serviços é regida pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que, inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a redação: 

STJ/SÚMULA Nº297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 

Consubstanciado no fato de tratar-se de relação de consumo, inviável impor a parte autora a produção de prova negativa, no sentido de comprovar a regularidade da contratação, cumprindo à parte ré, até mesmo porque tais descontos foram consignados em folha de pagamento, cabendo, portanto, ao requerido provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da autora, perfazendo-se na situação sub examine como o contrato firmado entre as partes e a transferência do valor contratado, devendo juntá-los aos autos.

Nas referidas ações, em regra, é deferida em favor da parte autora a inversão do ônus da prova, em razão da hipossuficiência técnica financeira, a fim de que a Instituição bancária requerida comprove a existência do contrato, bem como o depósito da quantia contratada.

Esta é uma questão exaustivamente debatida nesta E. Câmara Especializada Cível, possuindo até mesmo disposição expressa na Súmula nº 26 deste TJPI, in litteris:

TJPI/SÚMULA Nº 26 – Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.

Dito isto, entendo ser cabível a aplicação do art. 6°, VIII do CDC, relativo à inversão do ônus da prova, considerando-se a capacidade, dificuldade ou hipossuficiência de cada parte, cabendo à instituição financeira, e não à parte autora, o encargo de provar a existência do contrato pactuado, capaz de modificar o direito do autor, segundo a regra do art. 373, II, do Código de Processo Civil.

Analisando o conjunto probatório acostado os autos, verifica-se que não restou comprovado na lide a disponibilização do numerário a legitimar os descontos realizados ao longo do período no benefício de aposentadoria da recorrente.

Assim, observa-se que a instituição financeira apelada não logrou êxito em demonstrar que os valores foram efetivamente repassados e sacados pelo apelante.

Destarte, inexistindo a prova do pagamento, deve ser declarado inexistente o negócio jurídico e, por corolário, gera ao Banco demandado o dever de devolver o valor indevidamente descontado do benefício previdenciário do recorrente.

Este é entendimento sumulado neste E. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, verbis:

TJPI/SÚMULA Nº 18: A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil.

Resta evidente, portanto, que o negócio jurídico não se aperfeiçoou, devendo ser reconhecida sua nulidade, com a consequente restituição dos valores indevidamente descontados no benefício previdenciário do apelante.

Diante da ausência de boa-fé por parte da instituição financeira, que promoveu descontos mensais em benefício previdenciário sem comprovação da entrega do valor pactuado, é devida a restituição em dobro dos valores descontados, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.

À vista disso, o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EREsp 1.413.542/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021).

Nesse ponto, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data de cada desembolso, ou seja, a partir da data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº43 do STJ.

No que versa aos índices a serem aplicados, a partir de 30.8.2024, com o vigor pleno da Lei n. 14.905/2024, a atualização dos débitos judiciais, na ausência de convenção ou de lei especial em sentido contrário, passa a se dar pelos índices legais de correção monetária e/ou de juros de mora previstos nos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, sendo estes: IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.

Em relação ao quantum indenizatório, conquanto inexistam parâmetros legais para a sua estipulação, não se trata aqui de tarefa puramente discricionária, uma vez que a doutrina e a jurisprudência estabelecem algumas diretrizes a serem observadas. Assim, o julgador deve pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando, ainda, a dupla natureza desta condenação: punir o causador do prejuízo e garantir o ressarcimento da vítima.

Diante dessas ponderações entendo legítima a postulação da parte autora, de modo que, conforme novos precedentes desta E. Câmara Especializada, fixo o valor da condenação da verba indenizatória no patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Em relação aos danos morais, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data do arbitramento do valor da indenização, no caso, a data do julgamento, na forma da súmula 362 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, nos termos dos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, adota-se o IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.


V – DISPOSITIVO

Por todo o exposto, CONHEÇO do recurso, para, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 932, V, “a” do CPC, reformando a sentença para: declarar nulo o contrato firmado entre as partes, condenar o Apelado a restituir em dobro os valores descontados indevidamente (juros e correção monetária nos termos estabelecidos nesta decisão); condenar a parte Apelada ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais (juros e correção monetária nos termos estabelecidos nesta decisão); e inverter os ônus sucumbenciais, devendo o Apelado responder pelas custas processuais e honorários advocatícios fixados na origem, estes sobre o valor da condenação.

Intimem-se as partes.

Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.

Advirto às partes que a oposição de Embargos Declaratórios ou a interposição de Agravo Interno manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista, respectivamente, no art. 1.026, § 2º, e no art. 1.021, § 4º, ambos do CPC.

Cumpra-se.

Teresina, 25 de agosto de 2025.

Des. José Wilson Ferreira de Araújo Júnior


(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0839169-48.2023.8.18.0140 - Relator: JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 25/08/2025 )

Detalhes

Processo

0839169-48.2023.8.18.0140

Órgão Julgador

Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

Órgão Julgador Colegiado

2ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

MARIA DO ROSARIO MARCELINO DE ALMEIDA

Réu

BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A

Publicação

25/08/2025