poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0800152-82.2024.8.18.0103
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: BANCO DO BRASIL SA, MARIA GORETE LUCIANO COSTA
APELADO: MARIA GORETE LUCIANO COSTA, BANCO DO BRASIL SA
DECISÃO TERMINATIVA
EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO JUNTADO AOS AUTOS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS SOBRE A DISPONIBILIZAÇÃO DOS VALORES AO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULAS 18 E 26 DO TJPI. PEDIDO DA PARTE AUTORA. MAJORAÇÃO DOS DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MAJORADA. PRIMEIRA APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.
I – RELATÓRIO
Trata-se de dois recursos de Apelação interpostos contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Matias Olímpio/PI, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA movida por MARIA GORETE LUCIANO COSTA em face do BANCO DO BRASIL SA, que julgou procedentes os pedidos iniciais, condenando o Requerido nos seguintes termos:
“a) restituir à parte autora, em dobro, o dano patrimonial sofrido, no valor correspondente às parcelas referentes ao empréstimo descontados dos seus vencimentos, a partir da primeira, incluindo as que venceram ou vierem a vencer no decorrer da ação. O montante será acrescido de correção monetária calculada com base no INPC a contar do pagamento de cada parcela e juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação;
b) indenizar o requerente pelo dano moral sofrido, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), acrescidos de correção monetária a partir do arbitramento (data da sentença), conforme súmula 362 do STJ e juros moratórios de 1% ao mês a contar do evento danoso (data do primeiro desconto), consoante Súmula 54 do STJ.
Condeno o requerido em custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos moldes do art. 85, § 2º, do CPC. ” (ID 27093825)
Na primeira apelação (ID 27093826), a instituição financeira, ora primeira Apelante, alega, em síntese, a regularidade da contratação e, ao final, requer o provimento do recurso, a fim de que a sentença seja integralmente reformada.
Devidamente intimada, a parte Autora apresentou contrarrazões (ID 27093831), pugnando pelo não provimento do apelo.
Por sua vez, a parte Autora, ora segunda Apelante, interpôs recurso de apelação (ID 27093833), requerendo a majoração do quantum indenizatório.
Regularmente intimada, a instituição financeira apresentou contrarrazões (ID 27093837), reafirmando os fundamentos expostos em sua apelação e pugnando pelo desprovimento do recurso interposto pela Autora.
Em razão da recomendação contida no Ofício-Circular nº 174/2021, os autos não foram encaminhados ao Ministério Público Superior por ausência de interesse público a justificar a intervenção.
É o relatório.
II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo), o recurso deve ser admitido, o que impõe o seu conhecimento.
III – DA FUNDAMENTAÇÃO
A presente demanda trata da pretensão recursal da parte Autora, segunda Apelante, de ver reconhecida a possibilidade de majoração do quantum indenizatório. De outro lado, objetiva a instituição financeira, primeira Apelante, o reconhecimento da regularidade da contratação, visando à reforma integral da sentença recorrida.
Como é cediço, a controvérsia deve ser apreciada sob a égide do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/90), sendo imprescindível o reconhecimento da vulnerabilidade da parte consumidora.
Por esse aspecto, em regra, é deferida, em favor do consumidor, a inversão do ônus da prova para comprovar a regularidade da contratação, recaindo o referido ônus à instituição financeira, que demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor, os quais se perfazem por meio da comprovação da validade da contratação entre as partes cumuladas com a demonstração da efetiva transferência do valor pactuado.
Esta é uma questão exaustivamente debatida nesta E. Câmara Especializada Cível, possuindo até mesmo disposição expressa no enunciado da súmula nº 26 deste E. Tribunal de Justiça, in litteris:
TJPI/SÚMULA Nº 26: Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.
Por conseguinte, ainda que o Banco, primeiro Apelante, tenha juntado o contrato nº 938055337 (ID 27093819), não se desincumbiu do ônus de comprovar suas alegações. Isso porque a instituição financeira não logrou demonstrar que o valor contratado foi efetivamente disponibilizado e sacado pela parte Autora, inexistindo prova da entrega do importe avençado à consumidora.
Dessarte, no caso sub examine, resta comprovado que o crédito não foi disponibilizado na conta da parte Autora, fato que se coaduna ao que dispõe a nova redação da Súmula nº 18 deste Tribunal de Justiça, vejamos:
TJPI/SÚMULA Nº 18: A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil.
Ademais, a conduta da instituição financeira de efetuar descontos no benefício previdenciário do consumidor, tomando como base uma contratação nula caracteriza ato ilícito, o que finda, no caso em apreço, na aplicação do disposto no parágrafo único do art. 42 do CDC. Vejamos:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Ainda sobre o tema, a Corte Cidadã, no informativo 803 (EAREsp 1.501.756-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024), entendeu que a incidência do parágrafo único do art. 42 do CDC (repetição em dobro) independe de culpa, dolo ou má-fé, visto que havendo a cobrança/recebimento de valor indevido pelo fornecedor, a responsabilidade recairá de forma objetiva, isto sem a necessidade de apelo ao elemento volitivo.
Importa mencionar que, ante a ausência colação de comprovante de disponibilizado do valor acordado, não há que se falar em compensação.
Nesse ponto, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data de cada desembolso, ou seja, a partir da data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº43 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, a partir de 30.8.2024, com o vigor pleno da Lei n. 14.905/2024, a atualização dos débitos judiciais, na ausência de convenção ou de lei especial em sentido contrário, passa a se dar pelos índices legais de correção monetária e/ou de juros de mora previstos nos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, sendo estes: IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.
Em relação ao quantum indenizatório, conquanto inexistam parâmetros legais para a sua estipulação, não se trata aqui de tarefa puramente discricionária, uma vez que a doutrina e a jurisprudência estabelecem algumas diretrizes a serem observadas. Assim, o julgador deve pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando, ainda, a dupla natureza desta condenação: punir o causador do prejuízo e garantir o ressarcimento da vítima.
Nesse contexto, é assente na doutrina e na jurisprudência que a indenização por danos morais, além de servir para compensar a vítima pelos danos causados, deve possuir o caráter pedagógico, funcionando como advertência para que o causador do dano não reincida na conduta ilícita.
Diante dessas ponderações entendo legítima a postulação da segunda Apelante, de modo que, conforme novos precedentes desta E. Câmara Especializada, majoro o valor da condenação da verba indenizatória, fixada pelo juízo de origem, ao novo patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Sobre este montante, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data do arbitramento do valor da indenização, no caso, a data do julgamento, na forma da súmula 362 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, nos termos dos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, adota-se o IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios.
IV – DISPOSITIVO
Pelo exposto, CONHEÇO dos recursos e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao primeiro (BANCO DO BRASIL SA) e DOU PROVIMENTO ao segundo (MARIA GORETE LUCIANO COSTA), reformando a sentença apenas para majorar o quantum indenizatório para o patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, com juros e correção monetária nos termos fixados na decisão, mantendo-se incólume a sentença vergastada em seus demais termos.
Alfim, como a demanda foi sentenciada sob a égide do NCPC, importa-se a necessidade de observância do disposto no art. 85, § 11, do Estatuto Processual Civil. Dessa forma, majoro a verba honorária de sucumbência recursal, nesta fase processual, em 5% sobre o valor da causa.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
TERESINA-PI, 25 de agosto de 2025.
0800152-82.2024.8.18.0103
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorBANCO DO BRASIL SA
RéuMARIA GORETE LUCIANO COSTA
Publicação25/08/2025