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tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0857478-20.2023.8.18.0140
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: MAIANE ANDREIA RODRIGUES DE SOUSA
APELADO: BANCO BRADESCO SA
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A INEXISTÊNCIA DO CONTRATO E DETERMINOU RESTITUIÇÃO EM DOBRO. INDEFERIMENTO DE DANOS MORAIS. REFORMA PARCIAL. DANO MORAL IN RE IPSA. CONDUTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE VIOLA A BOA-FÉ OBJETIVA. CONFIGURAÇÃO. VALOR ARBITRADO EM R$ 2.000,00. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE REJEITADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO TERMINATIVA
I - RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por MAIANE ANDREIA RODRIGUES DE SOUSA em face de sentença proferida pelo Juízo da 7ª Vara Cível da Comarca de Teresina/PI, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais movida em face de BANCO BRADESCO S.A.
A parte autora, ora apelante, pleiteou na origem a declaração de inexistência de contrato de empréstimo consignado firmado com a parte ré, alegando vício na contratação, sobretudo por não ter conhecimento do pacto celebrado, e ainda, por ser analfabeta, o que impediria a anuência válida ao negócio jurídico. Requereu, além disso, a restituição dos valores descontados e indenização por danos morais (ID 26923859).
O Juízo a quo proferiu sentença julgando parcialmente procedentes os pedidos iniciais. Declarou a inexistência do contrato com proposta n.º 479371943, condenando o banco à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, com aplicação da taxa SELIC e correção monetária com base no IPC. No tocante ao pedido de indenização por danos morais, julgou-o improcedente, ante a ausência de comprovação de situação excepcional apta a configurar o dano (ID 26923853).
Diante dessa decisão, a parte autora interpôs recurso de Apelação (ID 26923859), sustentando, em síntese, que a ausência de anuência válida ao contrato celebrado, somada à condição de vulnerabilidade, ensejaria a condenação da instituição bancária ao pagamento de indenização por danos morais. Requereu ainda a majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais.
A parte apelada apresentou Contrarrazões ao recurso (ID 26923864), arguindo, em preliminar, a inobservância ao princípio da dialeticidade, alegando que o recurso não impugna, de forma específica, os fundamentos da sentença. No mérito, defendeu a manutenção integral da sentença, sustentando a ausência de comprovação de dano moral, e reiterando a regularidade dos descontos.
O feito foi regularmente processado. Considerando a ausência de interesse público relevante, os autos não foram remetidos ao Ministério Público, conforme previsto no Ofício Circular nº 174/2021 do TJPI.
É o que interessa relatar.
Em suas contrarrazões (ID 26923864), o apelado sustenta, em sede preliminar, a inépcia da apelação, sob a alegação de que o recurso não combate de forma específica os fundamentos da sentença, violando o princípio da dialeticidade.
Não assiste razão ao recorrido.
A leitura atenta das razões recursais (ID 26923859) revela que a parte apelante impugna, de maneira clara e fundamentada, o ponto central da sentença que lhe foi desfavorável — a improcedência do pedido de indenização por danos morais —, tecendo argumentos jurídicos e fáticos suficientes para demonstrar seu inconformismo, além de requerer a reforma parcial do decisum com fixação de indenização pecuniária.
Desse modo, presente está a regularidade formal do recurso, uma vez que observados os requisitos do art. 1.010 do Código de Processo Civil.
Rejeito, pois, a preliminar suscitada.
III. ADMISSIBILIDADE
Ao analisar os pressupostos objetivos, verifica-se que o recurso interposto pela autora é cabível, adequado e tempestivo. Além disso, não se verifica a existência de fato impeditivo de recurso e não ocorreu nenhuma das hipóteses de extinção anômala da via recursal (deserção, desistência e renúncia). Ausente o pagamento de preparo, em virtude de a parte Autora ser beneficiária da justiça gratuita. Ademais, não há como negar o atendimento dos pressupostos subjetivos, pois a parte Autora é legítima e possui interesse recursal.
Desse modo, conheço do recurso interposto.
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Maiane Andreia Rodrigues de Sousa, inconformada com a r. sentença proferida nos autos da ação declaratória de inexistência de contrato c/c repetição de indébito e indenização por danos morais que move em desfavor do Banco Bradesco S/A.
Preambularmente, não há dúvidas de que o vínculo jurídico-material deduzido na inicial se enquadra como típica relação de consumo, sendo delineado pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme redação a seguir:
STJ/SÚMULA Nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
A sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido inicial, declarando a inexistência do contrato de empréstimo consignado identificado sob o nº 479371943 e condenando o banco à devolução em dobro dos valores descontados, com juros e correção monetária. Todavia, rejeitou o pedido de indenização por danos morais, reconhecendo sucumbência recíproca entre as partes.
A autora/apelante requer a reforma parcial da sentença para que seja reconhecido o abalo moral e fixada a correspondente indenização, além da redistribuição do ônus sucumbencial.
O conjunto probatório constante dos autos revela que o contrato impugnado não foi devidamente comprovado pelo banco, o qual, embora instado a apresentar o instrumento contratual, manteve-se inerte, não apresentando sequer comprovante de transferência bancária válida.
Aplica-se, com exatidão, a Súmula 18 do TJPI, segundo a qual:
“A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais (...).”
Embora a r. sentença tenha acolhido parcialmente a pretensão da autora para declarar a inexistência do contrato e ordenar a devolução em dobro dos valores descontados, não reconheceu o dano moral, sob o argumento de ausência de comprovação de prejuízo extrapatrimonial.
Todavia, entendo que, no presente caso, o dano moral é presumido (in re ipsa), e os descontos incidiram diretamente sobre sua verba alimentar, fato que por si só enseja vulneração à dignidade da pessoa humana, configurando violação relevante ao direito do consumidor, nos moldes do art. 6º, VI, do CDC.
A jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de que a inscrição indevida ou descontos decorrentes de contratos inexistentes em benefícios previdenciários caracterizam dano moral puro, independentemente de demonstração de abalo psicológico concreto:
“A cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados enseja reparação por danos morais, sendo prescindível a comprovação do prejuízo moral concreto. Trata-se de dano moral in re ipsa.” (REsp 1.737.412/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 01/02/2019)
No presente caso, embora não haja prova de abalo psíquico específico, a situação da autora, somada à conduta da instituição financeira, extrapola o mero dissabor cotidiano, ferindo sua dignidade enquanto consumidora e pessoa idosa, analfabeta e economicamente vulnerável.
Assim, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer o direito à indenização por danos morais.
Quanto ao valor da indenização, deve-se atentar para os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observando-se o caráter compensatório e pedagógico da condenação.
Considerando as peculiaridades do caso – notadamente a condição de hipervulnerabilidade da autora, o desrespeito à boa-fé objetiva, e a reincidência de práticas semelhantes por instituições financeiras, fixo o quantum indenizatório em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
V - DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar parcialmente a sentença e condenar o Banco Bradesco S.A. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com incidência de correção monetária pelo índice do IPCA a partir da presente decisão (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (art. 405 do CC), mantendo os demais termos da sentença, inclusive quanto à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados.
Em virtude da parcial reforma da sentença, mantêm-se os honorários sucumbenciais fixados, sem majoração, à luz do art. 85, § 11, do CPC.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Teresina, 22 de agosto de 2025.
Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
0857478-20.2023.8.18.0140
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorMAIANE ANDREIA RODRIGUES DE SOUSA
RéuBANCO BRADESCO SA
Publicação25/08/2025