PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
GABINETE DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS
HABEAS CORPUS Nº 0768359-46.2024.8.18.0000
Órgão Julgador: 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL
Origem: 5ª VARA DA COMARCA DE PICOS/PI
Impetrante: CARLOS LEVI CARVALHO SOUSA
Paciente: FRANCISCO ROSIMAR RODRIGUES LUZ FILHO
Relator: DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. AMEAÇA. ESTUPRO. PRISÃO PREVENTIVA. DOENÇA GRAVE. SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. AUSÊNCIA DE EXAURIMENTO DO PEDIDO EM PRIMEIRO GRAU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA.
I. CASO EM EXAME
1. Habeas corpus impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática de sequestro e cárcere privado (art. 148, § 1°, I, do CP), descumprimento de medida protetiva (art. 24-A da Lei nº 11.340/2006), ameaça (art. 147 do CP) e estupro (art. 213 do CP). O impetrante pleiteia a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, alegando que o paciente, transplantado hepático, necessita de tratamento médico especializado, incompatível com o sistema prisional.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) Definir se a condição de saúde do paciente justifica a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318 do CPP; (ii) Estabelecer se o pedido pode ser conhecido pelo tribunal, diante da ausência de apreciação prévia pela instância inferior.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A substituição da prisão preventiva por domiciliar, em razão de doença grave, exige a comprovação inequívoca de que o paciente está extremamente debilitado e de que o sistema prisional não oferece condições adequadas de tratamento, conforme art. 318, II, do CPP e jurisprudência consolidada.
4. A análise da adequação da medida deve considerar a suficiência da prisão domiciliar para neutralizar o periculum libertatis que fundamentou a decretação da prisão preventiva.
5. No caso posto, não se verifica a formulação do pedido em primeira instância, sendo inadmissível a apreciação originária pelo tribunal, sob pena de supressão de instância.
6. Ausência de demonstração de impossibilidade de o paciente receber tratamento médico adequado no sistema prisional ou de ser conduzido a outro local para atendimento, não se verificando flagrante ilegalidade.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Ordem não conhecida.
Tese de julgamento: “1. A substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar exige a prova inequívoca de que a saúde do preso é incompatível com o sistema prisional e que a medida é adequada para neutralizar os riscos à ordem pública ou à aplicação da lei penal; 2. É inadmissível a apreciação de pedido não exaurido em primeira instância, sob pena de supressão de instância”.
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 318, II e art. 654, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC n. 186.041/RO, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, j. 15/4/2024; STJ, AgRg no HC n. 752.326/CE, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, j. 8/8/2023.
DECISÃO
Trata-se de HABEAS CORPUS, com pedido de medida liminar, impetrado pelo advogado CARLOS LEVI CARVALHO SOUSA (OAB/PI 6.261), em benefício de FRANCISCO ROSIMAR RODRIGUES LUZ FILHO, qualificado e representado nos autos, preso preventivamente pela suposta prática dos crimes de sequestro e cárcere privado (art. 148, § 1°, I, do CP, de descumprir medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei nº 11.340/2006), de ameaça (art. 147 do CP) e de estupro (art. 213 do CP), tendo como vítima Rocilda de Sousa Leal.
O Impetrante aponta como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da 5ª Vara da Comarca de PICOS/PI.
Requer a concessão da medida liminar, com a substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar alternativa, com base na condição de saúde do paciente, que é transplantado hepático e depende de medicamentos e tratamentos especializados, que aduz serem incompatíveis com as condições do sistema prisional onde se encontra.
Colacionou aos autos os documentos de ID 22107471.
Eis um breve relatório. Passo ao exame do pedido de liminar.
A concessão de liminar em Habeas Corpus pressupõe a configuração dos requisitos legais, quais sejam: o fumus boni iuris e o periculum in mora. O fumus boni iuris deve ser compreendido como o elemento da impetração que indica a existência de ilegalidade no constrangimento. Por sua vez, o periculum in mora consubstancia a probabilidade do dano irreparável.
Elucidados os fundamentos da concessão da medida liminar, há que se perscrutar o caso sub judice. Numa cognição sumária, não se vislumbram os requisitos necessários à concessão da medida de urgência vindicada. Senão vejamos:
O Impetrante fundamenta a ação constitucional na imprescindibilidade da substituição da prisão preventiva por alguma medida cautelar prevista no art. 319 do CPP, alegando que o Paciente é transplantado hepático desde os dez anos de idade e depende de medicamentos e tratamentos especializados, incompatíveis com as condições do sistema prisional onde se encontra.
Ademais, o peticionário acrescenta que o paciente precisa se deslocar rotineiramente para o estado de São Paulo para a realização de exames, e que a próxima consulta está agendada para 11.03.2025, às 13:20h, no Hospital das Clínicas.
Pois bem. A esse respeito, observa-se que, no presente caso, estão presentes os requisitos da segregação cautelar, conforme entendimento extraído do HC nº 0763940-80.2024.8.18.0000, julgado em 05.12.2024, também de minha Relatoria.
Conforme consta dos autos de origem, Rocilda De Sousa Leal (vítima) foi supostamente sequestrada pelo seu ex-companheiro, o ora Paciente, quando estava voltando do trabalho, da seguinte forma: o acusado, pilotando uma motocicleta, surpreendeu a vítima, jogando o seu veículo na frente do carro dela; com isso, desceu da motocicleta, adentrou no automóvel da vítima, e a agrediu com um murro, assumindo o volante do veículo, e sequestrando-a, fato ocorrido no dia 03/10/2024, por volta das 17:30 horas, tendo, ainda, violentado sexualmente a vítima, às 18 horas da supracitada data.
Consta dos autos também a informação de que a vítima já possuía uma medida protetiva de urgência vigente contra o Paciente.
Apontada essa premissa, destaca-se que, no caso de doença grave, fala-se em substituição da constrição provisória por prisão domiciliar (art. 318 do CPP), posto que as demais cautelares já foram tidas como insuficientes para resguardar o caso concreto.
A esse respeito, insta consignar que a doutrina e a jurisprudência brasileiras sedimentaram a compreensão de que a constatação de uma das hipóteses previstas no artigo 318 do Código de Processo Penal, isoladamente considerada, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
Em vista disso, a condição alegada pelo Impetrante não enseja a aplicação automática da prisão domiciliar, sendo necessário averiguar se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para resguardar o periculum libertatis que fundamentou a decretação da prisão preventiva.
Neste sentido, traz-se à baila o ensinamento de RENATO BRASILEIRO, in Manual de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 998, in verbis:
"(...) a presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isoladamente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II) de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domiciliar se se mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o acusado atingisse a idade de 80 (oitenta) anos para que tivesse direito automático à prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um dos pressupostos do art 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas não suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado verificar se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para neutralizar o periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão preventiva”.
O trecho colacionado evidencia que é salutar que a concessão da prisão domiciliar não implique em perigo à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implique risco à aplicação da lei penal. Logo, além da presença de um dos pressupostos listados nos incisos do art 318 do CPP, é fundamental que, examinando o caso concreto, não seja indispensável à manutenção da prisão.
O artigo 318 do Código de Processo Penal dispõe, in verbis, que:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que “o deferimento da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, depende da comprovação inequívoca de o réu esteja extremamente debilitado, por motivo de grave doença aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra” (AgRg no RHC n. 186.041/RO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 19/4/2024).
Ocorre que, compulsando os autos, não se evidencia que o magistrado de primeiro grau apreciou o pedido formulado ou que este fora formalizado em primeira instância, não sendo colacionada ao writ a denegação do pleito de prisão domiciliar.
O princípio do duplo grau de jurisdição impede que este Tribunal analise, de forma originária, questões que competem, inicialmente, à instância inferior, resguardando, assim, os direitos à ampla defesa e ao contraditório.
Desta forma, não havendo pretensão exaurida no 1ª grau de jurisdição, não há como o pedido ser apreciado por este Tribunal de Justiça, sob pena de configurar claro panorama de supressão de instância.
Nesse sentido, têm-se os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PEDIDO DE CONTAGEM DA PENA EM DOBRO. INSTITUIÇÃO PENAL NÃO CONTEMPLADA EM RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CIDH. EFEITOS INTER PARTES. PRECEDENTES DESTE STJ. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DE BENEFÍCIOS SEM REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
I - Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Corte, cumpre ao agravante impugnar especificamente os fundamentos estabelecidos na decisão agravada.
II - No presente caso, conforme já esclarecido na decisão agravada, não se mostrou possível a análise das alegadas violações aos direitos humanos (torturas e demais situações degradantes) e a aplicação de contagem das penas impostas em dobro para progressão de regime (ou mesmo a concessão de prisão domiciliar) porquanto a Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL II) do Estado do Ceará não foi contemplada em Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
III - Assente nesta Corte que "a Resolução da eg. Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de 22/11/2018 reconheceu inadequado apenas o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho para a execução de penas, aos reeducandos que se encontram em situação degradante e desumana, determinando o cômputo, em dobro, de cada dia de pena privativa de liberdade lá cumprida. Eficácia inter partes da decisão. Não inclusão, portanto, do Presídio de Joinville/SC, em relação ao qual não há notícia de qualquer inspeção e resolução específica da referida Corte sobre as condições da unidade prisional. Dessa forma, não há amparo jurisprudencial nem legal à concessão do cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido pelo agravante no Presídio Regional de Joinville" (AgRg no HC n. 706.114/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 29/11/2021).
IV - Assim, para se afastar as conclusões do Tribunal de origem seria necessária a incursão aprofundada no contexto fático e probatório da situação na origem, o que não se mostra permitido em sede de habeas corpus, ainda mais quando o próprio Tribunal a quo não se manifestou sobre a matéria (como ocorreu aqui em relação aos pedidos subsidiários de concessão de benefícios, de acesso aos laudos periciais e de instauração de inquérito) - verbis: "No seio de habeas corpus, não é possível conhecer de temas não tratados na origem, sob pena de supressão de instância. (...)" (AgRg no HC n. 400.382/RS, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 23/6/2017).
V - No mais, os argumentos lançados atraem a Súmula n. 182 desta Corte Superior de Justiça.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 752.326/CE, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 15/8/2023.)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PLEITO DE PRISÃO DOMICILIAR. AGRAVANTE QUE AGUARDA O JULGAMENTO EM LIBERDADE (ORDEM CONCEDIDA NO HC N. 538.478/SP, DJE 14/10/2019). FALTA DE INTERESSE RECURSAL NO PRESENTE MOMENTO DA MARCHA PROCESSUAL. PRISÃO CAUTELAR NÃO DECRETADA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Não cabe a apreciação do pedido de fixação de prisão domiciliar no presente momento da marcha processual.
2. Não há nos autos informação de que fora decretada prisão cautelar; pelo contrário, o Tribunal paulista destacou no acórdão dos embargos de declaração que a embargante aguarda em liberdade eis que beneficiada com a concessão de medida liminar no Habeas Corpus n. 538.478-SP em 11/10/2019 pelo C. STJ (fl. 1.370).
3. Não há, no acórdão impugnado, determinação da expedição de mandado de prisão em desfavor da Paciente, que respondeu à ação penal em liberdade. Assim, sem objeto a impetração no tocante aos pedidos de prisão domiciliar nos termos da Recomendação n. 62/CNJ e do art. 318 do Código de Processo Penal. No caso eventual de expedição de mandado de prisão, superveniente ao trânsito em julgado da condenação, para o inicial cumprimento da pena, devem os pedidos ser submetidos ao Juízo da Execução, competente para avaliar o cabimento da medida para preservar a saúde da Paciente e para assegurar o cuidado de seus filhos menores, não cabendo a esta Corte Superior se manifestar originariamente sobre o pleito, sob pena de supressão de instâncias (HC n. 605.747/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 18/8/2021).
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.906.513/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023.)
Nesse contexto, diante da ausência de exaurimento do pleito na instância inicial, a ordem não pode ser conhecida.
Ademais, os documentos acostados aos autos não indicam a impossibilidade de o Paciente receber o tratamento médico necessário na unidade prisional ou ser encaminhado para atendimento em outro local. Pelo contrário, há indicações de que ele tem recebido tratamento adequado no estabelecimento prisional, não se configurando, portanto, qualquer ilegalidade flagrante que justificasse a concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP.
Em face do exposto, NÃO CONHEÇO da ordem impetrada, ao tempo em que DETERMINO o ARQUIVAMENTO dos autos, dando-se a respectiva baixa no sistema processual eletrônico.
Teresina, 13 de janeiro de 2025.
Des. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS
Relator
0768359-46.2024.8.18.0000
Órgão JulgadorDesembargador SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a)SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS
Classe JudicialHABEAS CORPUS CRIMINAL
CompetênciaCâmaras Criminais
Assunto PrincipalHabeas Corpus - Cabimento
AutorFRANCISCO ROSIMAR RODRIGUES LUZ FILHO
RéuJuiz Plantonista da Comarca de Picos
Publicação13/01/2025