
poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
PROCESSO Nº: 0801911-32.2022.8.18.0045
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: ANTONIO FRANCISCO DA SILVA
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
DECISÃO TERMINATIVA
EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATAÇÃO. ART. 595 DO CC. DESCUMPRIMENTO. RELAÇÃO JURÍDICA ANULADA POR SENTENÇA. RECURSO DO AUTOR. SÚMULA 26 DO TJPI. DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ACOLHIMENTO. ART. 932, V, “A” DO CPC. RECURSO PROVIDO.
I - RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por ANTÔNIO FRANCISCO DA SILVA, em face de sentença proferida em Ação Declaratória ajuizada em desfavor de BANCO BRADESCO S.A., ora Apelado, que julgou procedente parte dos pedidos do autor, afastando a incidência do p.ú. do art. 42 do CDC e determinando a restituição do indébito na forma simples.
Pretende o autor, por meio deste recurso (ID 21289462), reformar a sentença tão somente para que a condenação à restituição do indébito, pela instituição ré, seja feita na forma do parágrafo único do art. 42 do CDC, diante da conduta manifestamente ilícita.
O banco refutou as alegações do apelante e requereu o desprovimento do recurso. (ID 21289465)
Em razão da recomendação contida no Ofício-Circular nº 174/2021, os autos não foram encaminhados ao Ministério Público.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e gratuidade de justiça), o recurso deve ser admitido, o que impõe o seu conhecimento.
II.2 - MÉRITO
Preambularmente, consoante dispõe o art. 932, V, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal.”
Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-C, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos:
Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:
[…]
VI-C - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula ou acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; (Incluído pelo art. 1o da Resolução no 21, de 15/09/2016)
Conforme relatado, o apelante intenta reformar a sentença para que a condenação à restituição do indébito seja feita na forma do parágrafo único do art. 42 do CDC.
O vínculo jurídico-material deduzido dos autos revela típica relação de consumo e por isso deve ser analisado sob a ótica da legislação consumerista, conforme entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 297/STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Nesse contexto, a demonstração de vulnerabilidade do consumidor viabiliza a funcionalidade de garantias previstas no Código de Defesa do Consumidor, em especial, a inversão do ônus da prova (art. 6º, VII) e a responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14).
Sobre o tema, este TJPI firmou seu entendimento por meio do enunciado n° 26. Confira-se:
Súmula 26/TJPI: Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.
In casu, entendo que o consumidor apresentou indícios mínimos do fato constitutivo do seu direito, através do relatório de empréstimos consignados anexado ao ID 21289438.
Nesse contexto, porquanto invertido o ônus probatório, o Banco Apelado deixou de comprovar a regularidade da contratação, razão pela qual a relação jurídica foi, acertadamente, declarada nula na sentença e, não tendo sido alvo de impugnação se tornou fato incontroverso entre as partes.
A declaração de nulidade do contrato acarreta à Instituição Financeira a obrigação de restituir os valores indevidamente descontados do consumidor, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC. Veja-se:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Cumpre ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, divergia quanto à necessidade de comprovação de má-fé para a restituição em dobro.
No entanto, ao julgar o REsp 676.608, a Corte decidiu que "a restituição em dobro do indébito independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva".
Ora, considerando que a boa-fé objetiva impõe às partes o dever de comportar-se de acordo com padrões éticos de confiança e lealdade, o desconto indevido em proventos de aposentadoria de empréstimo não contratado infringe tal dever, ensejando a devolução em dobro, nos termos do supracitado dispositivo.
Sobre essa condenação, deve incidir juros de mora, contados a partir da data da citação (art. 405 do CC), bem como correção monetária, contada do efetivo prejuízo, isto é, da data de cada desembolso, nos termos da Súmula nº 43 do STJ. Quanto aos índices aplicados, com o advento da Lei nº 14.905/2024, a atualização dos débitos judiciais, na ausência de convenção ou de lei especial em sentido contrário, deve ser feita pelos índices legais de correção monetária e/ou de juros de mora previstos nos arts. 389, parágrafo único, e 406, §1º, ambos do CC, sendo estes: IPCA para correção monetária e Taxa Selic – deduzido o IPCA – para os juros moratórios.
III - DISPOSITIVO
Pelo exposto, com respaldo no art. 932, V, “a” do CPC, e no art. 91, VI-C, do RI/TJPI, DOU PROVIMENTO à Apelação, reformando a sentença apenas para condenar a instituição financeira à restituição do indébito, na forma do parágrafo único do art. 42 do CDC.
Majoro para 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação os honorários advocatícios arbitrados na sentença.
Intimem-se as partes.
Transcorrendo in albis o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado, procedendo-se, por conseguinte, à remessa dos autos ao juízo de origem, dando-se baixa na distribuição.
Cumpra-se.
Teresina/PI, 10 de janeiro de 2025.
0801911-32.2022.8.18.0045
Órgão JulgadorDesembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR
Órgão Julgador Colegiado2ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorANTONIO FRANCISCO DA SILVA
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação10/01/2025