PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
GABINETE Da DESEMBARGADORA LUCICLEIDE PEREIRA BELO
ORGÃO JULGADOR: 3ª Câmara Especializada Cível
APELAÇÃO CÍVEL (198) No 0802174-43.2023.8.18.0073
APELANTE: MARIA DE LOURDES DA COSTA
APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
RELATOR(A): Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. AUTOR ANALFABETO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. OFENSAÇÃO AO ART. 595 DO CC. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por MARIA DE LOURDES DA COSTA contra sentença proferida nos autos da Ação Declaratória ajuizada em face do BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., ora apelado.
Em sentença, o d. juízo de 1º grau julgou extinta a demanda, COM resolução de mérito, julgando improcedentes os pedidos da parte autora.
Em suas razões recursais, alegou a apelante, em síntese, que o contrato de empréstimo foi firmado com pessoa analfabeta, porém, não cumpriu os requisitos necessários para sua validade. Diante do que expôs, requereu o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença e julgados procedentes os pedidos contidos na inicial.
Em suas contrarrazões, o apelado refutou a argumentação aduzida pela apelante, e requereu o desprovimento do recurso, para que seja mantida a sentença recorrida.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
Recurso tempestivo e formalmente regular. Preenchidos os demais requisitos necessários à admissibilidade recursal, CONHEÇO do apelo.
MÉRITO
O art. 932 do CPC prevê a possibilidade do relator proferir decisão monocrática para proceder ao julgamento do recurso nas seguintes hipóteses:
Art. 932. Incumbe ao relator:
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
No presente caso, a discussão diz respeito à validade de instrumento contratual que não atendeu aos requisitos formais quanto à assinatura a rogo, em conformidade com o art. 595, do Código Civil, matéria que se encontra sumulada no Tribunal de Justiça do Piauí, nos seguintes termos:
SÚMULA 30/TJPI - A ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas nos instrumento de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado ou magistrada, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação.
Assim, passo a apreciar o mérito do presente recurso, nos termos do art. 932, V, “a”, CPC.
Pois bem. No caso em exame, pretende o recorrente a procedência dos pedidos de declaração da nulidade do contrato de empréstimo consignado supostamente firmado entre as partes integrantes da lide, bem como a devolução dos valores descontados em dobro, além da condenação em danos morais.
Compulsando os autos, verifica-se que, apesar de a cópia do contrato em discussão ter sido apresentada, observo que o Banco recorrente não comprovou em juízo que a celebração do contrato ora impugnado se deu mediante o preenchimento dos requisitos legais necessários, uma vez que falta ao instrumento contratual a assinatura a rogo. Apesar de haver prova de que a instituição financeira tenha creditado o valor dos empréstimos na conta corrente da parte recorrida, o contrato não pode ser considerado válido.
No entanto, a fim de evitar o enriquecimento ilícito, evidencia-se a necessidade de retorno das partes ao status quo ante, de modo que é correta a determinação de que a instituição financeira deverá restituir à parte requerente todos os descontos promovidos indevidamente no seu benefício, assim como a parte requerida deverá abater do valor de condenação o valor efetivamente pago, caso devidamente comprovado e não apesentada prova em contrário.
Com efeito, não há falar, in casu, em necessária prova da má-fé, vez que o instituto da repetição de indébito é aplicável tanto no caso de má-fé (dolo) como no caso de culpa, sendo suficiente a demonstração de a negligência da instituição financeira bancária na efetuação dos descontos indevidos. Nesse sentido:
EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1 – Apesar de apresentado o contrato entabulado entre as partes, a instituição financeira não se desincumbiu do ônus de comprovar que a suposta quantia tomada de empréstimo fora depositada em favor do consumidor, o que afasta a perfectibilidade da relação contratual, ensejando a declaração de sua inexistência. 2 – Assim, impõe-se a condenação do banco fornecedor do serviço ao pagamento de indenização por danos morais, que se constituem in re ipsa, e a devolução em dobro da quantia que fora indevidamente descontada (repetição do indébito – art. 42, parágrafo único, do CDC). 3 – No que se refere ao quatum indenizatório relativo aos danos morais, entendo que o valor arbitrado na origem, a saber, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), é desproporcional, e deve ser reduzido para R$ 3.000,00 (três mil reais), quantum esse compatível com o caso em exame e que vem sendo adotado pelos integrantes desta 4ª Câmara Especializada Cível em casos semelhantes 4 – Recurso conhecido e provido parcialmente.
(TJPI | Apelação Cível Nº 0800655-33.2018.8.18.0065 | Relator: Oton Mário José Lustosa Torres | 4ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL | Data de Julgamento: 28/05/2021)
Considerando a nulidade do contrato, evidencia-se a negligência, motivo pelo qual deve ser concedida a repetição em dobro.
Na fixação da indenização por danos morais, o magistrado deve agir com equidade, analisando a extensão do dano, as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes e o grau de culpa do agente, terceiro ou vítima. Tais critérios podem ser retirados dos artigos 944 e 945, ambos do Código Civil (CC), bem como do entendimento dominante do STJ.
Vale dizer, deve ser quantia que não seja insignificante, a ponto de não compor o sentimento negativo experimentado pela vítima, e que não seja tão elevada, a ponto de provocar o seu enriquecimento sem causa.
Nestas condições, apreciadas todas as questões postas, entendo que deveria ser arbitrada, a título de indenização do dano moral, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em consideração a realidade das partes, a situação econômica e as particularidades do caso.
No entanto, a fim de evitar o enriquecimento ilícito, evidencia-se a necessidade de retorno das partes ao status quo ante, de modo que é correta a determinação de que a instituição financeira deverá restituir à parte requerente todos os descontos promovidos indevidamente no seu benefício, assim como a parte requerida deverá abater do valor de condenação o valor eventualmente pago.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para reformar a sentença e julgar procedente a ação proposta, para:
a) DETERMINAR o cancelamento do contrato de empréstimo consignado objeto desta ação, tendo em vista sua nulidade, bem como impedindo a continuidade dos descontos.
b) CONDENAR a empresa ré a restituir em dobro dos valores pagos indevidamente, a ser apurado por simples cálculo aritmético, com correção monetária nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto n° 06/2009 do Egrégio TJPI), acrescentado o percentual de juros de mora de 1% ao mês, atendendo ao disposto no art. 398, do Código Civil vigente, ambos os termos a serem contados da data de cada desconto indevido (súmulas 43 e 54 do STJ).
c) CONDENAR a parte ré a pagar o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com os devidos acréscimos legais, a título de indenização por danos morais. Sobre o valor deve-se aplicar a correção monetária nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto nº 06/2009 do Egrégio TJPI), a contar da data de publicação desta sentença (Súmula 362, STJ), e acrescentado o percentual de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso, qual seja, a data da contratação fraudulenta, atendendo ao disposto no art. 398, do Código Civil vigente, e ao entendimento da Súmula 54, STJ.
Invertidos os ônus sucumbenciais, condeno o banco requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Preclusas as vias impugnativas, dê-se baixa na distribuição, com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem.
Teresina, 10 de janeiro de 2025
Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Relatora
0802174-43.2023.8.18.0073
Órgão JulgadorDesembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Órgão Julgador Colegiado3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Classe JudicialEMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorBANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
RéuMARIA DE LOURDES DA COSTA
Publicação13/01/2025