Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0800744-61.2019.8.18.0052


Decisão Terminativa

 

PODER JUDICIÁRIO 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
GABINETE Da DESEMBARGADORA LUCICLEIDE PEREIRA BELO

ORGÃO JULGADOR: 3ª Câmara Especializada Cível

 APELAÇÃO CÍVEL (198) No 0800744-61.2019.8.18.0052

APELANTE: MARIA DA CRUZ ALMEIDA NERES REIS, BANCO PAN S.A.

APELADO: BANCO PAN S.A., MARIA DA CRUZ ALMEIDA NERES REIS

RELATOR(A): Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO

 

JuLIA Explica

 

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE DESCONTOS COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO DO AUTOR PREJUDICADO.


DECISÃO MONOCRÁTICA


RELATÓRIO

Trata-se de recursos de Apelação Cível interpostos por BANCO PAN S.A. e MARIA DA CRUZ ALMEIDA NERES REIS em face de sentença proferida nos autos da AÇÃO DE ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Na sentença, o d. juízo de 1º grau julgou parcialmente procedentes os pedidos do autor, nos seguintes termos:

 

“Ex positis, rejeito as prejudiciais suscitadas e, no mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos autorais, para o fim de: (a) DECLARAR a nulidade do contrato de empréstimo consignado de objeto desta ação, com a consequente exclusão imediata dos descontos, caso ainda estejam em curso; (b) CONDENAR a empresa ré a restituir em dobro, os valores indevidamente descontados; sobre as parcelas, deve incidir correção monetária (Tabela Prática da Justiça Federal) a partir da data do efetivo desconto/transferência e juros de mora a partir da citação, de 1% (um por cento) ao mês; (c) reconhecer a prescrição da pretensão de restituição dos descontos realizados cinco anos antes do ajuizamento da ação, nos termos do art. 27 do CDC, c/c art. 487, II do CPC; (d) CONDENAR a empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais, que arbitro em R$ 1.000,00 (hum mil reais), com juros de mora de 1% ao mês desde a citação e correção monetária desde a data do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do STJ; (e) Embora o despacho inicial faça menção ao rito sumaríssimo da Lei 9.099/95, por ter-se adotado o rito comum no curso do processo, CONDENAR a parte ré em custas (sobre o valor da causa) e honorários de sucumbência, estes em 10% sobre o valor da condenação. Resolvo o mérito, com fundamento no artigo 487, I, e 490 do CPC. Publique-se. Registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se”.

Irresignada com a sentença, a parte Banco Pan S.A., ora apelante, interpôs apelação aduzindo, em síntese, ausência de ato ilícito, pois o contrato foi formalizado e o valor utilizado para liquidar o contrato de portabilidade no Banco ITAÚ CONSIGNADO. Alega ainda que o contrato discutido foi liquidado por refinanciamento em 30/01/2018, gerando a operação 318162210-5. Requer o provimento do recurso para declarar a inexistência de danos materiais e morais. Subsidiariamente, requer a redução do valor da indenização, bem como seja determinada a compensação dos valores despendidos pelo Banco PAN para quitação do contrato da parte autora junto ao Banco Itaú, devidamente corrigidos, sob pena de enriquecimento ilícito.

Devidamente intimada, a parte autora/apelada  apresentou contrarrazões ao recurso refutando as alegações da parte apelante e pugnando pelo desprovimento do recurso.

Por sua vez, a autora/apelante apresentou recurso adesivo, pugnando pela majoração do valor fixado para danos morais.

A instituição financeira apelada apresentou contrarrazões.

Recursos recebidos em seu duplo efeito, conforme decisão de Id nº 19718561.

É o relatório. Decido.


JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Recursos tempestivos e formalmente regulares. Preparo não recolhido pela segunda apelante em razão da gratuidade deferida na origem. Preparo devidamente recolhido pelo Banco Pan S.A. Preenchidos os demais requisitos necessários à admissibilidade recursal, CONHEÇO dos apelos.

FUNDAMENTAÇÃO

A controvérsia recursal cinge-se à regularidade de contrato de empréstimo consignado supostamente celebrado entre as partes, a existência ou não de transferência de valores em favor da autora e o direito à reparação por ato ilícito decorrente de descontos sobre os proventos da parte autora/apelante.

Não há preliminares. Passo ao mérito.


DO MÉRITO

O presente caso deve ser apreciado à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo imprescindível o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.

Nesse sentido, a Súmula no 297 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevê que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Contudo, a aplicação da CDC não pode promover um favorecimento desmedido de um sujeito em detrimento de outro, pois o objetivo da norma é justamente o alcance da paridade processual.

A interpretação teleológica é consagrada no ordenamento jurídico brasileiro,porquanto o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) impõe que, “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Nessa direção, ademais, este Egrégio Tribunal de Justiça editou a Súmula no 26, nestes termos:

Súmula 26 do TJPI: Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6o, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não se dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo do seu direito, de forma voluntária ou por determinação em juízo. (negritou-se)

Pois bem, não há nos autos prova de qualquer desconto decorrente do contrato discutido na presente lide, elemento  indispensável para a configuração do fato constitutivo do pretenso direito do autor e do suposto ato ilícito praticado pelo Banco.

Analisando detidamente os documentos que acompanham a exordial, em especial o extrato obtido junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), verifica-se que não há desconto referente ao contrato de empréstimo consignado discutido, visto que se trata de contrato excluído, cujo início do desconto se daria em 02/2018, entretanto fora excluído o contrato em 30.01.2018, não gerando portanto qualquer desconto.

Dessa maneira, merece prosperar a pretensão da parte apelante BANCO PAN S.A. de reforma integral da sentença, diante da ausência de prova dos descontos em favor da instituição financeira.

No mais, não há que se falar em dever indenizatório a título compensatório pelos descontos indevidos. Destaca-se que o dano ou lesão à personalidade, merecedores de reparação a título de danos morais, somente se configurariam com a publicização de uma pendência indevida ou exposição da consumidora a situação humilhante, bem como ofensa a atributo da sua honra, imagem ou qualquer dos direitos personalíssimos tutelados no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, o que não ocorreu neste caso.

Saliente-se que não se trata de solução inédita nesta Corte, havendo, verbi gratia, julgado recente da 2ª Câmara Especializada Cível que aponta na mesma direção, assim ementado:

CIVIL. CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SEM COMPROVAÇÃO DE DESCONTOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA. 1. Em decorrência da ausência de descontos, não vislumbro motivo ensejador à condenação em indenização por danos morais. 2. Apelação conhecida e desprovida. Sentença mantida.

(Apelação Cível no 0806915-10.2022.8.18.0026, Rel. Des. Manoel de Sousa Dourado, v. u., j. 1o/04/2024)


DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO MÉRITO

Conforme exposto nos fundamentos acima, o julgamento da presente demanda está pautado na Súmula 26 deste Tribunal de Justiça e Súmula 297 do STJ.

Assim, consigno que o art. 932, V, “a”, do CPC/2015 autoriza ao relator a dar provimento ao recurso interposto pelo banco em face de decisão contrária à súmula deste Tribunal de Justiça, como se lê:

Art. 932. Incumbe ao relator:

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

No caso em análise, sendo evidente a incompatibilidade da decisão recorrida com o teor da Súmula 26 desta Corte de Justiça, o provimento monocrático do recurso é medida que se impõe.

 

DISPOSITIVO    

Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação de BANCO PAN S.A., a fim de reformar a sentença de origem em todos os termos, e julgar improcedente os pedidos iniciais. Prejudicado o recurso de MARIA DA CRUZ ALMEIDA NERES REIS.

Invertidos os ônus sucumbenciais, condeno a apelada MARIA DA CRUZ ALMEIDA NERES REIS ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, suspendendo a exigibilidade das obrigações decorrentes de sua sucumbência, tendo em vista ser beneficiária da gratuidade judiciária, conforme disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.

Preclusas as vias impugnativas, dê-se baixa na distribuição, com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem.

Teresina/PI, 10 de janeiro de 2025.


Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO

Relatora

 

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800744-61.2019.8.18.0052 - Relator: LUCICLEIDE PEREIRA BELO - 3ª Câmara Especializada Cível - Data 13/01/2025 )

Detalhes

Processo

0800744-61.2019.8.18.0052

Órgão Julgador

Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO

Órgão Julgador Colegiado

3ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

LUCICLEIDE PEREIRA BELO

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

MARIA DA CRUZ ALMEIDA NERES REIS

Réu

BANCO PAN S.A.

Publicação

13/01/2025