Decisão Terminativa de 2º Grau

Tarifas 0800098-66.2024.8.18.0055


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

PROCESSO Nº: 0800098-66.2024.8.18.0055
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Tarifas]
APELANTE: BANCO BRADESCO S.A.
APELADO: GERMANA LEAL ROCHA


JuLIA Explica

DECISÃO TERMINATIVA


EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS / COM RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE TARIFA BANCÁRIA NÃO CONTRATADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 35 DO TJPI. SENTENÇA MANTIDA. ART. 932, IV, A, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

 

I – RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso de Apelação Cível interposta pelo BANCO BRADESCO S.A.em face de sentença proferida nos autos da Ação Indenizatória, ajuizada por GERMANA LEAL ROCHA, ora apelada, que julgou procedentes os pedidos da exordial, nos termos a seguir:

Por essas razões, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO e:

1) REJEITO as preliminares arguidas na contestação;

2) DECLARO que são indevidos os descontos realizados na conta-corrente da autora sob a rubrica “TARIFA BANCARIA CESTA B.EXPRESS 1”;

3) CONDENO a parte requerida a restituir em dobro à parte requerente, os valores cobrados indevidamente em sua conta bancária com o título do desconto descrito no item “2” deste dispositivo, observada eventual prescrição quinquenal, corrigidas monetariamente nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto n° 06/2009 do Egrégio TJPI), acrescentado o percentual de juros de mora de 1% ao mês, atendendo ao disposto no art. 406, do Código Civil vigente, em consonância com o art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional, a contar da data de cada desconto indevido (súmulas 43 e 54 do STJ);

4) CONDENO a parte requerida ao pagamento de indenização a título de danos morais a parte autora, no valor correspondente a R$ 3.000,00 (três mil reais), com correção monetária nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto nº 06/2009 do Egrégio TJPI), a contar da data de publicação desta sentença, acrescentado o percentual de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, atendendo ao disposto no art. 406, do Código Civil vigente, em consonância com o art. 161, §1º do Código Tributário Nacional.

5) CONDENO a parte requerida ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação e ao pagamento das custas processuais.

 

Nas razões recursais (ID. 20137574), a instituição financeira apelante afirma que a própria relação estabelecida entre as partes confere legalidade à sua conduta, em razão da anuência e uso dos serviços pela parte apelada., além de afirmar não haver comprovação nos autos dos danos supostamente sofridos para ensejar indenização a título de danos materiais e morais. Assim, requer o provimento do recurso com a reforma da sentença.

Sem contrarrazões.

Em razão da recomendação contida no Ofício-Circular nº 174/2021, os autos não foram encaminhados ao Ministério Público Superior.

É o relatório. Decido.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

 

Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo), o recurso deve ser admitido, o que impõe o seu conhecimento.

 

II.2 – DA PREJUDICIAL DE MÉRITO

II.2.1 – DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL

 

Pela narrativa dos fatos e pelo contexto probatório dos autos é possível depreender que a parte autora alega a ocorrência de falha na prestação de serviço por parte da instituição financeira, consubstanciada na realização de descontos com os quais alega não ter consentido.

O fato do serviço define-se como os defeitos relacionados à prestação de serviços ao consumidor, assim como no fornecimento de informações insuficientes ou inadequadas sobre a forma de fruí-los ou dos riscos causados pelo seu mau uso.

Por esse aspecto, ocorrendo qualquer desses fatos, a pretensão do consumidor para postular em juízo a reparação de dano causado, nos termos do art. 27, do Código de Defesa do Consumido, tem o prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Vejamos:

 

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

 

No que diz respeito à contagem desse prazo, conforme entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, deve ser considerado como termo inicial a data do último desconto indevido, porquanto se trate de relação de trato sucessivo.

Da análise do caderno processual, verifica-se que da data do último desconto - 28 de novembro de 2023 – até a data do ajuizamento da ação - 14 de fevereiro de 2024 – notoriamente não transcorreu o prazo de 05 anos, e por isso não está prescrita a pretensão do autor.

 

II.3 – DO MÉRITO

 

Consoante dispõe o art. 932, IV, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “negar provimento a recurso que for contrário a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal”.

Tal previsão encontra-se, ainda, constante no art. 91, VI-A, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos:

 

Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:(…)

VI-A - negar provimento a recurso que for contrário a súmula ou acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; (Redação dada pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016)

 

Utilizo-me, pois, de tais disposições normativas, uma vez que a matéria aqui trazida já foi amplamente deliberada nesta Corte de Justiça, possuindo até mesmo disposição de Súmula.

Cinge-se a controvérsia acerca da pretensão da parte autora em ver reconhecida a nulidade dos descontos de rubrica “TARIFA CESTA B EXPRESSO1,” realizados mensalmente em sua conta bancária pela instituição financeira.

A relação contratual havida entre as partes configura relação de consumo, valendo lembrar que, nos termos da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Outrossim, é objetiva a responsabilidade civil das instituições financeiras por danos causados ao consumidor em decorrência de falha na prestação de serviços, nos termos do art. 14, § 1º do CDC e da Súmula 479 da Corte Superior. Logo, incorreria ao banco demonstrar que não houve falha na prestação dos serviços, o que não se constata dos autos.

Sobre o tema:


Súmula 26/TJPI: Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.

 

Do exame dos autos, constato que os extratos bancários anexados pelo autor (ID 20137152) comprovam os descontos alegados, e assim indicam minimamente a existência dos fatos constitutivos do seu direito.

O banco requerido, a despeito das alegações do autor, não juntou qualquer contrato legitimador dos descontos efetuados, não havendo como se concluir pela adesão voluntária do consumidor à tarifa exigida.

Destaca-se que não há impedimentos para que os bancos firmem os mais diversos contratos, desde que o façam de maneira clara e transparente, oferecendo ao consumidor a oportunidade de se inteirar da natureza do serviço com o qual está aderindo.

Cabe aqui assinalar que, nos termos do art. 1º da Resolução nº 3.919/2010, do Banco Central do Brasil “a cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário”.

Portanto, embora seja possível a cobrança pela prestação de serviços e de operação não essenciais, não há dúvidas de que essa cobrança deve ser precedida de autorização ou solicitação pelo cliente ou estar prevista, expressamente, no contrato firmado, em conformidade com o art. 39, III, do CDC c/c art. 1º da Resolução nº 3.919/2010.

No mesmo sentido, o Banco Central, expediu a Resolução nº 4.196/2013, a qual estabelece de forma inequívoca que as instituições financeiras devem cientificar seus clientes acerca dos serviços abrangidos pela tarifa, bem como dos valores individuais cobrados, conforme observamos:

 

Art. 1º As instituições financeiras devem esclarecer ao cliente pessoa natural, por ocasião da contratação de serviços relacionados às suas contas de depósitos, sobre a faculdade de optar, sem a necessidade de adesão ou contratação específica de pacote de serviço, pela utilização de serviços e pagamento de tarifas individualizados, além daqueles serviços gratuitos previstos na regulamentação vigente.

Parágrafo único. A opção pela utilização de serviços e tarifas individualizados ou por pacotes oferecidos pela instituição deve constar, de forma destacada, do contrato de abertura de conta de depósitos.

 

Outrossim, é a jurisprudência da Corte Superior. Vejamos:

 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. INOVAÇÃO RECURSAL. NECESSIDADE DE PACTUAÇÃO EXPRESSA DA CAPITALIZAÇÃO, SEJA MENSAL OU ANUAL. AUSÊNCIA DOS CONTRATOS. ÔNUS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TAXAS, TARIFAS E DEMAIS ENCARGOS. EXCLUSÃO ANTE A AUSÊNCIA DE PROVA DE CONTRATAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A legitimidade da cobrança da capitalização anual deixou de ser suscitada perante o primeiro grau, sendo vedado ao Tribunal de origem apreciar o tema no julgamento da apelação, sob pena de supressão de instância e inobservância do princípio do duplo grau de jurisdição. 2. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no AREsp 429.029/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, DJe de 14/04/2016, consolidou o entendimento de que a cobrança de juros capitalizados - inclusive na periodicidade anual - só é permitida quando houver expressa pactuação. Nas hipóteses em que o contrato não é juntado, é inviável presumir o ajuste do encargo, mesmo sob a periodicidade anual. 3. É necessária a expressa previsão contratual das tarifas e demais encargos bancários para que possam ser cobrados pela instituição financeira. Não juntados aos autos os contratos, deve a instituição financeira suportar o ônus da prova, afastando-se as respectivas cobranças. 4. A sentença suficientemente fundamentada que acata laudo pericial apontando saldo credor em favor da autora, com a ressalva de que a parte ré não se desincumbiu do ônus da prova, abstendo-se de apresentar os contratos e as autorizações para débito em conta-corrente, imprescindíveis à apuração das contas, não ofende os arts. 131 e 436 do CPC/73. 5. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1414764 PR 2013/0195109-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 21/02/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/03/2017)

 

No caso, não restou comprovada a contratação dos pacotes de serviços questionados, reputando-se ilegal as referidas cobranças, uma vez que não se trata de engano justificável, pois o art. 39, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor veda, dentre outras práticas abusivas, a execução de serviços sem autorização expressa do consumidor.

Este é o entendimento recentemente sumulado neste E. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, in verbis:

 

Súmula 35/TJPI: É vedada à instituição financeira a cobrança de tarifas de manutenção de conta e de serviços sem a prévia contratação e/ou autorização pelo consumidor, nos termos do art. 54, parágrafo 4º, do CDC. A reiteração de descontos de valores a título de tarifas bancárias não configura engano justificável. Presentes tais requisitos (má-fé e inexistência de engano justificável), a indenização por danos materiais deve ocorrer na forma do art. 42 (devolução em dobro), parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, ao passo que o valor dos danos morais será arbitrado a depender da magnitude do dano aferida pelo órgão julgador, nos termos do art. 54-D, parágrafo único, do CDC.

 

Sendo assim, deve ser mantida a sentença para reconhecer a inexistência do negócio jurídico, ausente qualquer prova da efetiva contratação de serviços designados pela rubrica “TARIFA PACOTE DE SERVIÇOS” e, por consequência, os valores pagos de forma indevida, devidamente comprovados nos autos, devem ser devolvidos em dobro em favor do autor, como preceitua o art. 42 do CDC.

Nesse ponto, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data da citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data de cada desembolso, ou seja, a partir do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº 43 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, com o vigor da Lei nº 14.905/2024, a atualização dos débitos judiciais, na ausência de convenção ou de lei especial em sentido contrário, passa a se dar pelos índices legais de correção monetária e/ou de juros de mora previstos nos arts. 389, parágrafo único, e 406, §1º, ambos do CC, sendo estes: IPCA para correção monetária e Taxa Selic – deduzido o IPCA – para os juros moratórios.

Nessa esteira de raciocínio, não há dúvidas de que a instituição bancária recorrente agiu com falha na prestação do serviço, nos termos do art. 3º, § 2º, do CDC, ensejando a reparação a título de danos morais, devendo ser mantido o valor da condenação fixado pelo magistrado de primeiro grau.

Quanto aos danos morais, deverá incidir juros de mora contados a partir da citação (art. 405 do CC/02), incidido o percentual resultante da dedução da Taxa Selic e do IPCA, sendo negativo o resultado, utiliza-se o número zero para efeitos de cálculos, como prescreve o art. 406, §1o e §3o, do CC/02 (incluídos pela Lei 14.905/24). No que concerne à correção monetária, esta tem como termo inicial a data do arbitramento do valor da indenização, no caso, a data do julgamento, na forma da súmula 362 do STJ, adotando-se a partir de então somente a Taxa SELIC, como assim ensina a exegese do art. 2o da Lei no 14.905/24, que introduziu os §§1o, 2o e 3o ao art. 406 do Código Civil.

 

III – DISPOSITIVO

 

Pelo exposto, com fundamento no art. 932, IV, “a” do CPC, CONHEÇO do recurso interposto, e no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter a sentença recorrida em todos os seus termos.

Por força do disposto no § 11, do art.85 do CPC, majoro a verba honorária de sucumbência para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

Intimem-se as partes.

Transcorrido o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.

Cumpra-se.

 

Teresina, 09/01/2025.

 

DES. JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

Relator

 

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800098-66.2024.8.18.0055 - Relator: JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 09/01/2025 )

Detalhes

Processo

0800098-66.2024.8.18.0055

Órgão Julgador

Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

Órgão Julgador Colegiado

2ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Tarifas

Autor

BANCO BRADESCO S.A.

Réu

GERMANA LEAL ROCHA

Publicação

09/01/2025