PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
GABINETE Da DESEMBARGADORA LUCICLEIDE PEREIRA BELO
ORGÃO JULGADOR: 3ª Câmara Especializada Cível
APELAÇÃO CÍVEL (198) No 0800422-06.2022.8.18.0062
APELANTE: ANTONIA DA SOLIDADE SOUSA SILVA
APELADO: BANCO BRADESCO S.A.
RELATOR(A): Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Apelação Cível. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANO MORAL. SERVIÇO BANCÁRIO NÃO AUTORIZADO. CESTA B. EXPRESSO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DANOS MORAIS. incidência da SÚMULA 35 do TJPI, súmula 297 e tema 568 do STJ.
1. Para a contratação de qualquer serviço bancário, necessária prévia autorização pelo consumidor, de acordo com a Súmula 35 deste E. Tribunal. Do contrário, os descontos na conta corrente do consumidor não podem ser realizados.
2. No caso vertente, o Banco requerido não juntou aos autos o instrumento contratual firmado pelas partes, não demonstrando, portanto, a legalidade dos descontos.
3. Com efeito, impõe-se o cancelamento dos descontos decorrentes da cobrança da tarifa em comento; e a condenação do banco apelado, à restituição em dobro das parcelas descontadas, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC; assim como ao pagamento de indenização por danos morais, que se constituem in re ipsa na hipótese.
4. Danos morais arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais), seguindo a jurisprudência consolidada desta Câmara julgadora.
5. Apelação cível conhecida e provida monocraticamente em razão da Súmula 35 do TJPI.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
Trata-se de Apelação Cível interposta por JOANA GOMES DA SILVA, em face de sentença que julgou com resolução de mérito os pedidos iniciais, cuja parte dispositiva segue in verbis:
Ante o exposto, indefiro as preliminares arguidas nos autos, ao tempo em que, no mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC, julgo improcedentes os pedidos veiculados na inicial.
Custas e honorários pelo autor, suspensa, contudo, a exigibilidade, em razão da concessão da assistência judiciária gratuita.
APELAÇÃO CÍVEL: o autor, em suas razões recursais sustentou, em síntese, a reforma da sentença a fim de condenar a instituição financeira ao pagamento de danos morais (Id 21029918).
CONTRARRAZÕES: Devidamente intimado, o Banco Apelado apresentou contrarrazões recursais, nas quais defende a legalidade da contratação e que os serviços ofertados/cobrados foram utilizados pela parte Autora. Requer o não provimento do recurso interposto com a manutenção da sentença em todos os seus termos (ID. 19076826).
É o relatório.
Decido.
1. CONHECIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL
Ausente o preparo recursal do recurso interposto pela parte autora, em virtude da concessão da assistência judiciária gratuita em favor da apelante.
Presentes as condições recursais (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica) e os pressupostos legais (órgão investido de jurisdição, capacidade recursal das partes e regularidade formal – forma escrita, fundamentação e tempestividade), CONHEÇO da apelação interposta.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DA EXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONTRATUAL FACE A COBRANÇA DA TARIFA COMBATIDA
No caso em tela, há evidente relação de consumo, nos termos disciplinados no artigo 3º, § 2º, da Lei 8.078/90, fazendo-se indispensável, portanto, observar com atenção ao que determina o artigo 14 do Código Consumerista, o qual consagra a responsabilidade objetiva do fornecedor, que responde, independentemente de culpa, pela falha da prestação do serviço, salvo se provar a inocorrência de defeito ou o fato exclusivo do consumidor ou de terceiros, nos termos do art. 14, §3º, do CDC.
Destaca-se ainda que cabe a espécie a inversão do ônus probatório, como forma de defesa dos direitos da consumidora, ante a sua vulnerabilidade de ordem técnica (não possui conhecimento específico sobre o serviço), jurídica (não detêm noções jurídicas, contábeis, econômicas sobre o tema), fática(desproporcionalidade do poderio econômico do fornecedor em relação ao consumidor) ou informacional (insuficiência de dados sobre o serviço quando da celebração do contrato, o que poderia ter influenciado na sua decisão adquirir ou não o produto/serviço).
Preceitua, ademais, o art. 39, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Pois bem, a controvérsia constante nos autos reside em saber se o Banco Apelado está autorizado a efetuar cobranças ao Apelante/consumidor, referentes ao pagamento de serviço bancário, a saber “CESTA BÁSICA EXPRESSO”.
A respeito do tema, cabe registrar o teor da Súmula 35 deste E. Tribunal de Justiça, recentemente aprovada:
SÚMULA 35 - “É vedada à instituição financeira a cobrança de tarifas de manutenção de conta e de serviços sem a prévia contratação e/ou autorização pelo consumidor, nos termos do art. 54, parágrafo 4º, do CDC. A reiteração de descontos de valores a título de tarifas bancárias não configura engano justificável. Presentes tais requisitos (má-fé e inexistência de engano justificável), a indenização por danos materiais deve ocorrer na forma do art. 42 (devolução em dobro), parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, ao passo que o valor dos danos morais será arbitrado a depender da magnitude do dano aferida pelo órgão julgador, nos termos do art. 54-D, parágrafo único, do CDC.
Assim, para a contratação de qualquer serviço bancário, necessária prévia autorização pelo consumidor. Do contrário, os descontos na conta corrente do consumidor não podem ser realizados.
Além disso, a reiteração de descontos sem prévia autorização configura erro inescusável, o que enseja a devolução em dobro das quantias descontadas, além da condenação em danos morais.
No caso vertente, o Banco requerido não juntou aos autos o instrumento contratual firmado pelas partes, não comprovando, portanto, a legalidade da operação financeira a permitir a cobrança da tarifa.
Em verdade, o banco apelado não atendeu ou disposto no art. 1º da Resolução nº 3.919/2010 – Banco Central do Brasil:
Art. 1º A cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.
Com efeito, impõe-se o cancelamento dos descontos decorrentes da cobrança da tarifa em comento; e a condenação do banco apelado, à restituição em dobro das parcelas descontadas, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC; assim como ao pagamento de indenização por danos morais, que se constituem in re ipsa na hipótese.
Ademais, face a ausência da contratação, não há provas de que o Banco Réu informou corretamente todas as vantagens e desvantagens consequentes da contratação do tipo de serviço feito pelo autor, gerando também uma espécie de abusividade, pois rende vantagem patrimonial indevida para a instituição financeira e não atende ao fim social da conta salário nem a relevante missão que os bancos, de forma geral, têm a prestar aos interesses da população e do Estado.
Assim, diante da inexistência do termo contratual, deve a parte Ré restituir à parte Autora os valores cobrados indevidamente que foram efetivamente comprovados.
2.2. a condenação em danos morais
No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese.
Isso porque, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que a responsabilidade do prestador de serviços é objetiva, conforme seu art. 14, in verbis:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
E não há como deixar de reconhecer os danos psíquicos e abalos à honra do cidadão que é posto em situação de dificuldades financeiras, deixando de honrar seus compromissos, por conta de descontos aqui discutidos.
Dessa forma, dou pela existência de danos morais no caso concreto e reconheço o dever do Banco Réu, ora Apelado, em indenizar a parte Autora, ora Apelante.
Já em relação ao quantum indenizatório, o art. 944 do Código Civil prevê que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. E a extensão do dano, por sua vez, é medida considerando o bem ou interesse jurídico lesado, a gravidade e a duração do dano.
No caso dos autos, a parte Autora, ora Apelante, teve reduzido o valor da sua conta bancária o que lhe acarretou redução do poder de compra e alterou a sua renda básica.
Ademais, o Banco Réu, ora Apelado, faz parte de um dos maiores conglomerados de instituições financeiras do país, devendo-se evitar, portanto, que a indenização seja em valor tão ínfimo, que se torne inexpressiva.
Assim, considerando as particularidades do caso concreto, e o parâmetro já adotado por este juízo, arbitro os danos morais para o importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao réu, tampouco enriquecimento sem causa ao demandante.
Com efeito, dou provimento à apelação interposta pela parte Autora/Apelante para arbitrar os danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais.
2.3 DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO MÉRITO
Conforme exposto nos fundamentos acima, o julgamento da presente demanda está pautado na Súmula 35 deste tribunal de justiça, e súmulas 297 e 568 do STJ.
Assim, consigno que o art. 932, V, “a”, do CPC/2015 autoriza ao relator a dar provimento ao recurso interposto em face de decisão contrária à súmula deste Tribunal de Justiça, como se lê:
Art. 932. Incumbe ao relator:
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
No caso em análise, sendo evidente incompatibilidade da decisão recorrida com o teor da Súmula 35 desta Corte de Justiça, provimento monocrático do recurso é medida que se impõe.
3. DISPOSITIVO
Forte nessas razões, conheço do recurso e, no mérito, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto e, por consequência, reformo a sentença para julgar procedente o pedido de dano moral para:
a) declarar a nulidade do contrato;
b) determinar a restituição de forma dobrada dos valores indevidamente descontados e comprovados da conta bancária do consumidor, a ser apurada por simples cálculos aritméticos. Tal valor deve ser acrescido de correção monetária pelo IGP-M a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ) e juros de mora de 1% desde a data do evento danoso (artigo 398 do CC e Súmula 54 do STJ), que no caso é a data de cada desconto;
c) condenar o banco recorrido em dano moral no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), valor este acrescido de juros de mora a incidir desde o evento danoso (art. 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ) e correção monetária a partir do arbitramento (data da decisão), nos termos da Súmula 362 do STJ.
Em razão da inversão do ônus sucumbencial, condeno a autora/apelada ao pagamento de custas e honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação.
Intimem-se e cumpra-se.
Decorrido o prazo de recurso, dê-se baixa.
Teresina-PI, 08 de janeiro de 2025.
Desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Relatora
0800422-06.2022.8.18.0062
Órgão JulgadorDesembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Órgão Julgador Colegiado3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)LUCICLEIDE PEREIRA BELO
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorANTONIA DA SOLIDADE SOUSA SILVA
RéuBANCO BRADESCO S.A.
Publicação09/01/2025