Decisão Terminativa de 2º Grau

Empréstimo consignado 0801181-13.2021.8.18.0059


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

PROCESSO Nº: 0801181-13.2021.8.18.0059
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: ANTONIO FERREIRA DA SILVA, BANCO BMG SA
APELADO: BANCO BMG SA, ANTONIO FERREIRA DA SILVA


JuLIA Explica

DECISÃO TERMINATIVA

 

EMENTA. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO NÃO JUNTADO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE VALORES. NULIDADE. SÚMULAS 18 E 26 DO TJPI. DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO. MINORAÇÃO DOS DANOS MORAIS. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO BANCO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de recursos de Apelação Cível interpostos, respectivamente, por Antônio Ferreira da Silva e pelo Banco BMG S.A, em face da sentença (ID Num. 20898722) prolatada pelo juízo da Vara Única da Comarca de Luís Correia/PI, proferida nos autos da Ação Declaratória, que julgou procedente os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, I, CPC, para:

a) DECLARAR a nulidade do contrato de empréstimo consignado de nº 112424409, suspendendo-se os descontos no Benefício Previdenciário da parte autora;

b) CONDENAR a ré a restituir, em dobro, os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da requerente, relativos ao contrato supracitado, cujo montante deve ser apurado na fase de liquidação. Sobre esse montante, deve incidir correção monetária nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto n° 06/2009 do Egrégio TJPI), acrescentado o percentual de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, conforme o disposto no art. 406, do Código Civil vigente e em consonância com o art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional, a contar da data de cada desconto indevido (Súmulas 43 e 54 do STJ);

c) CONDENAR a parte ré a pagar o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com os devidos acréscimos legais, a título de indenização por danos morais. 

Sobre o valor deve-se aplicar a correção monetária nos termos da Tabela de Correção adotada na Justiça Federal (Provimento Conjunto nº 06/2009 do Egrégio TJPI), a contar da data de publicação desta Sentença, acrescentado o percentual de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da Citação, atendendo ao disposto no art. 406, do Código Civil vigente, em consonância com o art. 161, §1º do Código Tributário Nacional.

CONDENO a parte ré nas custas e despesas processuais e honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

OFICIE-SE e à agência local do INSS e o Banco Réu para suspender os descontos, relacionados ao contrato em discussão, dos proventos da autora.

A parte Autora, em suas razões, pugna pela majoração da indenização dos danos morais para o montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). (ID. 20898726)

A instituição financeira, por sua vez, alega ausência de responsabilidade ante os fatos alegados na exordial, a ocorrência de fraude pela parte autora, a impossibilidade de restituição em dobro e inexistência de danos morais. Subsidiariamente, requer a minoração dos danos morais arbitrados. (ID. 20898728)

Em contrarrazões, o Banco afirma a regularidade da contratação e reitera a inexistência de requisitos autorizadores para condenação em danos morais. (ID. 20898739)

A parte Autora, em contrarrazões, alega a ausência de conduta temerária, dolo ou má-fé e reitera a repetição do indébito e danos morais. (ID. 20898744)

Diante da recomendação do Ofício Circular 174/2021, os autos não foram encaminhados ao Ministério Público.

É o relatório.

II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Atendidos os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e os pressupostos recursais extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo), os recursos devem ser admitidos e conhecidos.

III – DA FUNDAMENTAÇÃO

Preambularmente, consoante dispõe o art. 932, IV, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “negar provimento a recurso que for contrário a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal”.

Tal previsão encontra-se, ainda, constante do art. 91, VI-B, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, in verbis:

Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:

[...]

VI-B – negar provimento a recurso que for contrário a súmula deste Tribunal ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (Incluído pelo art. 1º da Resolução nº 21, de 15/09/2016)

Ademais, dispõe o art. 932, V, “a”, do CPC, compete ao relator, nos processos que lhe forem distribuídos, “depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal.”

Idêntica previsão se repete no art. 91, VI-C, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, senão vejamos:

Art. 91. Compete ao Relator, nos feitos que lhe forem distribuídos, além de outros deveres legais e deste Regimento:

[…]

VI-C - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula ou acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; (Incluído pelo art. 1o da Resolução no 21, de 15/09/2016)

Utilizo-me, pois, de tais disposições normativas, uma vez que a matéria aqui trazida já foi amplamente deliberada nesta Corte de Justiça, possuindo até mesmo disposição de súmula.

Pois bem.

Adianto que merece reforma a sentença recorrida quanto ao valor da indenização dos danos morais.

Conforme relatado, a parte Autora propôs a presente demanda buscando a anulação de empréstimo consignado, bem como a condenação da instituição financeira recorrida ao pagamento de indenização por danos morais e à repetição do indébito.

Preambularmente, não há dúvidas de que o vínculo jurídico-material deduzido na inicial se enquadra como típica relação de consumo, sendo delineado pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive, restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme redação a seguir:

STJ/SÚMULA Nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Nesse contexto, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor, de modo que são aplicáveis ao caso as garantias previstas na Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), tais como a inversão do ônus da prova (art. 6º, VII) e a responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14).

Acerca do tema, este Tribunal de Justiça Estadual consolidou o seu entendimento no enunciado nº 26 de sua Súmula, segundo o qual se aplica a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII) nas causas que envolvam contratos bancários, desde que comprovada a hipossuficiência do consumidor.

SÚMULA 26Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo.

Assim, caberia ao Banco Réu a comprovação da validade da contratação, quer seja por força da inversão do ônus da prova, quer seja por força do art. 14, §3º, do CDC, quer seja porque exigir da parte Autora a comprovação da validade da contratação que alega que não realizou consistiria em prova diabólica.

Soma-se isso ao fato de que é o Banco Réu quem detém, ou deveria deter, cópias dos contratos por ele celebrados, bem como das transações bancárias realizadas.

Acontece que, no presente caso, o Banco Réu não juntou aos autos qualquer comprovação da contratação realizada, o que evidencia a nulidade da contratação questionada nestes autos.

Ademais, o Banco Réu também não comprovou a realização da transferência e/ou saque o valor supostamente contratado, o que, também por este motivo, impõe a declaração de nulidade da contratação, em conformidade com o teor dos enunciados nº 18 da Súmula deste Eg. Tribunal de Justiça Estadual:

SÚMULA 18 A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil.

Dessa forma, indubitável a necessidade de condenar a instituição bancária na repetição do indébito, porque, ao efetivar os descontos mensais sem, contudo, estar ordenado em uma contratação válida, tal conduta se caracteriza como ilícita acarretando a responsabilidade do agente de reparar os danos materiais causados, independentemente de culpa.

Assim, a restituição em dobro dos valores indevidamente abatidos é medida que se impõe, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando o entendimento de que, "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EREsp 1.413.542/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021).

Portanto, imperiosa é a devolução em dobro à recorrida dos valores descontados indevidamente.

Em relação aos danos materiais, em conformidade com o que preconiza a súmula 43 do STJ, a correção monetária é devida desde a data de cada desembolso, aplicando-se o IPCA até a citação (art. 2o, da Lei no14.905/24, que alterou a redação do art. 389, do CC/02), momento no qual se inicia, também, a contagem dos juros de mora (art. 405, do CC/02), utilizando-se a partir de então somente a Taxa SELIC, como assim ensina a exegese do art. 2o da Lei no 14.905/24, que introduziu os §§1o, 2o e 3o ao art. 406 do Código Civil.

Para além disso, no que pertine aos danos morais, é importante ressaltar que, conquanto inexistam parâmetros legais para a sua estipulação, não se trata de tarefa puramente discricionária, devendo o julgador pautar-se por critérios de razoabilidade e proporcionalidade observando a dupla natureza da condenação: punição do causador do prejuízo e garantia do ressarcimento da vítima.

Diante dessas ponderações, entendo ser parcialmente legítima a postulação subsidiária da parte Apelante, de modo que, conforme novos precedentes desta E. Câmara Especializada, reduzo o valor da condenação da verba indenizatória, fixada pelo juízo de origem, ao novo patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Sobre este montante, aplica-se como termo inicial para a contagem dos juros de mora a data citação, como assim dispõe a redação do art. 405 do CC, enquanto que para a correção monetária utiliza-se a data do arbitramento do valor da indenização, no caso, a data do julgamento, na forma da súmula 362 do STJ. No que versa aos índices a serem aplicados, nos termos dos arts. 389, p. único, e 406, § 1º, ambos do CC, adota-se o IPCA para correção monetária e Taxa Selic - deduzido o IPCA - para os juros moratórios. 

IV - DISPOSITIVO

Pelo exposto, CONHEÇO dos recursos e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Banco, reformando a sentença do magistrado de origem para minorar para R$ 2.000,00 (dois mil reais) o quantum indenizatório atinente aos danos morais (juros e correção monetária dispostos nesta decisão), mantendo-se incólume os demais termos da sentença e, com fulcro no art. 932, IV, “a”, do CPC c/c o art. 91, VI-B do RITJPI, NEGO PROVIMENTO à apelação do Autor, nos termos dos fundamentos esposados nesta decisão.

Sem majoração dos honorários sucumbenciais.

Intimem-se as partes.

Transcorrendo in albis o prazo recursal, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.

 

TERESINA-PI, 8 de janeiro de 2025.

(TJPI - AGRAVO INTERNO CÍVEL 0801181-13.2021.8.18.0059 - Relator: JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR - 2ª Câmara Especializada Cível - Data 08/01/2025 )

Detalhes

Processo

0801181-13.2021.8.18.0059

Órgão Julgador

Desembargador JOSÉ WILSON FERREIRA DE ARAÚJO JÚNIOR

Órgão Julgador Colegiado

2ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

JOSE WILSON FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR

Classe Judicial

AGRAVO INTERNO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Empréstimo consignado

Autor

BANCO BMG SA

Réu

ANTONIO FERREIRA DA SILVA

Publicação

08/01/2025