Decisão Terminativa de 2º Grau

Cabimento 0765119-49.2024.8.18.0000


Decisão Terminativa

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ

GABINETE DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0765119-49.2024.8.18.0000

Órgão Julgador: 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL

Origem: 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PARNAÍBA/PI

Agravante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ

Agravado: JOSUÉ BARBOSA DANTAS

Relator: DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS


EMENTA

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA POR JUÍZO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO RECURSAL. VIA IMPRÓPRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO DIPLOMA PROCESSUAL PENAL E NO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL. NÃO CONHECIMENTO.

I. CASO EM EXAME

1. Agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Estadual contra a decisão que designou a audiência para verificar a necessidade de manutenção de medidas protetivas previstas no art. 22, III, “a”, “b” e “c”, da Lei nº 11.340/2006. Alega a peticionária que a audiência mencionada não possui previsão legal, e coloca o agressor e agredida frente a frente, culminando em constrangimento ilegal e na revitimização da ofendida.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. A questão em discussão consiste na possível adequação do agravo de instrumento para impugnar decisão de natureza processual penal referente a medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. As medidas protetivas previstas no art. 22, III, da Lei nº 11.340/2006 possuem natureza eminentemente penal, visando proteger a integridade física e psicológica da vítima e restringir direitos do agressor, como o de locomoção e aproximação.

4. O recurso de agravo de instrumento é inadequado para impugnar decisões de caráter penal.

5. A correição parcial seria o instrumento mais adequado para sanar eventual erro de procedimento alegado pelo agravante.

IV. DISPOSITIVO E TESE

6. Recurso não conhecido.

Teses de julgamento: “1. As medidas protetivas de urgência de natureza penal previstas na Lei Maria da Penha desafiam impugnação pelos meios processuais previstos no Código de Processo Penal, sendo inadequado o agravo de instrumento. 2. A inexistência de previsão legal para o agravo de instrumento em matéria penal impede seu conhecimento como recurso válido.”


Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 581; Lei nº 11.340/2006, art. 22; RITJPI, art. 91, VI.

Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1.441.022/MS, rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 02/02/2015; TJPI, Agravo de Instrumento nº 0753503-82.2021.8.18.0000, rel. Des. Erivan José da Silva Lopes, j. 11/02/2022.


DECISÃO

Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de medida liminar, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, em face da decisão proferida pelo juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Parnaíba/PI, nos autos do processo nº 0807083-26.2024.8.18.0031, que designou a “audiência de acolhimento” para verificar acerca da necessidade de manutenção das medidas protetivas previstas no art. 22, III, “a”, “b” e “c” da Lei nº 11.343/2006, estabelecidas em face de JOSUÉ BARBOSA DANTAS, e em benefício de AURILÚCIA ALVES DE SOUSA.

O agravante requer a suspensão da audiência designada para o dia 10 de março de 2025, às 08h10min, aduzindo que:

A audiência de acolhimento designada nos autos do processo n° 0807083- 26.2024.8.18.0031 para fins de manutenção ou revogação da medida protetiva não é prevista na Lei Maria da Penha e nem em nenhum outro dispositivo legal que trate de violência doméstica.


Os autos foram inicialmente distribuídos à 1ª Câmara Especializada Cível, à relatoria do Exmo. Des. Aderson Antônio Brito Nogueira, tendo o eminente relator determinado a redistribuição dos autos a uma das Câmaras Especializadas Criminais, recaindo, assim, sob a minha relatoria na 1ª Câmara Especializada Criminal.

Eis um breve relatório.

Pois bem.

A definição do instrumento processual para desafiar a decisão que trata de medida protetiva prevista na Lei nº 11.340/2006 é questão controversa na jurisprudência pátria.

Nas Cortes Estaduais, é comum nos depararmos com posicionamentos distintos sobre a forma de impugnação correta.

Por exemplo, nas hipóteses de deferimento de medida protetiva de natureza eminentemente penal, como as medidas previstas no art. 22, II e III, da Lei nº 11.340/2006, que impõem relevantes restrições à liberdade e ao direito de locomoção do agressor, a jurisprudência tem se posicionado pela adequação do habeas corpus, desde que não haja necessidade de aprofundado exame de material fático-probatório.

Por outro lado, nos casos de decisão que indefere medida protetiva, há diversos precedentes estabelecendo o cabimento de recurso em sentido estrito, apelação e até mesmo de mandado de segurança.

A meu ver, o que determina o recurso a ser interposto contra as decisões que versam sobre as medidas protetivas de urgência é a natureza das próprias medidas.

Em se tratando de medidas de caráter cível, revela-se adequada a interposição de agravo de instrumento. Possuindo a medida raiz penal, desafia a interposição de recurso em sentido estrito ou de apelação, quando detém força de definitiva.

No caso em apreço, a natureza da medida é indubitavelmente penal

Sobre o tema, trago aos autos valiosa lição extraída do artigo “Competência Recursal na Lei Maria da Penha”, (Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/860/Compet%C3%AAncia+Recursal+na+Lei+Maria+da+Penha) da autoria de Kisleu Ferreira:

(...) é possível dizer que no art. 33 ele dá sua opinião clara quanto à questão processual, pois remete expressamente “à legislação processual pertinente”. Neste toar, a mens legis quis claramente dizer que a legislação processual aplicável será aquela adequada à natureza da medida protetiva deferida. Ou seja, o operador do direito haverá de classificar, antes de mais nada, quais os bens jurídicos atingidos pela decisão, para só depois identificar o recurso adequado. (...)

As medidas protetivas têm como causa primeira a ocorrência de algum ilícito penal, que coloca em risco a integridade física, psíquica ou patrimonial da mulher. Na imensa maioria das vezes, vêm subsidiadas em acusações de ameaças e lesões corporais e, quando deferidas, atinge (coloca sob risco) a liberdade do acusado, especialmente a de ir e vir, valor tradicionalmente atrelado às competências penais. Basta ver o texto do art. 22 da Lei 11.340/06. De todas as medidas sugeridas pelo legislador, a única que não implica em cerceamento da liberdade do acusado é a de pagamento de alimentos (inciso V). Qualquer outra automaticamente implicará em imediata prisão do acusado em caso de descumprimento, desafiando, logicamente, apenas recursos de natureza”.

Assim, inegável o caráter criminal do procedimento originário. Entretanto, foi interposto agravo de instrumento, recurso que se mostra inadequado para impugnar decisão de natureza processual penal.

Isso porque um dos requisitos para o recurso em matéria penal é a taxatividade, sua previsibilidade legal, cabendo destacar que, em regra, as decisões interlocutórias no processo penal são irrecorríveis, salvo os casos previstos no artigo 581 do Código de Processo Penal. Já as decisões definitivas são passíveis de recurso de apelação, nos termos do art. 593 do CPP.

Por oportuno, registro que Fernando Capez, no seu Curso de Processo Penal, 25. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, ao tratar dos pressupostos objetivos dos recursos afirma que “o recurso deve estar previsto em lei. Logo, de nada adianta interpor um recurso que inexiste no direito processual penal, como, por exemplo, o agravo de instrumento”.

Ademais, o Regimento Interno deste Tribunal de Justiça não prevê, dentre as competências das Câmaras Especializadas Criminais, o julgamento do recurso de agravo de instrumento, como se infere do disposto no artigo 185, a seguir transcrito:

Art. 185. Nas Câmaras Criminais, os recursos em sentido estrito serão julgados antes das apelações e, nas Câmaras Cíveis, os agravos terão preferência em relação às apelações.

Em situações semelhantes, tem sido o entendimento adotado deste juízo ad quem:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. QUESTÃO PRELIMINAR. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO FEITO. HIPÓTESE EM QUE FORAM APLICADAS MEDIDAS PROTETIVAS DE NATUREZA PENAL E CÍVEL. PRINCÍPIO DA UNICIDADE RECURSAL. COMPETÊNCIA DA CÂMARA CRIMINAL. INADEQUAÇÃO DO RECURSO DE AGRAVO DE  INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM MATÉRIA PENAL. PLEITO DE REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. RECURSO IMPROVIDO. (TJPI | Agravo de Instrumento Nº 0753503-82.2021.8.18.0000 | Relator: Erivan José Da Silva Lopes | 2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL |Data de Julgamento: 11/02/2022 )

Em acréscimo, confira-se o precedente do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI N. 11.340/2006. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. As medidas protetivas previstas no art. 22, I, II, III, da Lei n. 11.340/06, possuem nítido caráter penal, pois visam garantir a incolumidade física e mental da vítima, além de restringirem o direito de ir e vir do agressor. Por outro lado, as elencadas nos incisos IV e V possuem natureza eminentemente civil. 2. In casu, foram aplicadas as medidas protetivas previstas no inciso I (suspensão da posse e restrição do porte de arma) e a do inciso III,”; [proibição do requerido de aproximação e contato com a vítima, familiares (com exceção dos filhos) e testemunhas, mantendo deles, a distância mínima de 300 (trezentos metros), exceto com expressa permissão]. 3. Verifica-se, portanto, que, na hipótese tratada nos autos, deve ser adotado o procedimento previsto no Código de Processo Penal com os recursos e prazos lá indicados. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.441.022/MS, Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, Dje 2/2/2015)

No caso, a decisão combatida não guarda qualquer caráter de definitividade, eis que se assemelha muito mais a um simples ato ordinatório, tratando-se de mera designação de data para audiência. Também não desafia recurso em sentido estrito, não se amoldando a nenhuma matéria elencada no rol taxativo do art. 581 do Código de Processo Penal.

Ademais, alegada pelo agravante a ausência de previsão processual penal para a designação do ato procedimental, a correição parcial seria o método mais adequado para a pretensa correção de erro de ordem legal do processo.

Desta feita, resta evidenciada a ausência de um dos pressupostos de admissibilidade recursal, qual seja, a adequação formal, porquanto o instrumento eleito pelo agravante (agravo de instrumento) não é pertinente para impugnar a decisão que se pretende reformar.

Portanto, não há como se conhecer do recurso.

Em face do exposto, NÃO CONHEÇO do agravo de instrumento interposto, porque ausente o pressuposto de admissibilidade recursal da adequação, na forma do art. 91, VI, do RITJPI.

DETERMINO, via de consequência, o ARQUIVAMENTO dos autos, dando-se baixa no sistema processual eletrônico.

Intime-se. Cumpra-se.


Teresina, 04 de dezembro de 2024.


Des. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS

Relator

(TJPI - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO 0765119-49.2024.8.18.0000 - Relator: SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS - 1ª Câmara Especializada Criminal - Data 04/12/2024 )

Detalhes

Processo

0765119-49.2024.8.18.0000

Órgão Julgador

Desembargador SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS

Órgão Julgador Colegiado

1ª Câmara Especializada Criminal

Relator(a)

SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS

Classe Judicial

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

Competência

Câmaras Criminais

Assunto Principal

Cabimento

Autor

0 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ

Réu

1ª VARA CRIMINAL DE PARNAIBA PI

Publicação

04/12/2024