poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador JOÃO GABRIEL FURTADO BAPTISTA
PROCESSO Nº: 0800623-96.2020.8.18.0052
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Empréstimo consignado]
APELANTE: BANCO BRADESCO S.A., PETRONILIA AMORIM DA SILVA
APELADO: PETRONILIA AMORIM DA SILVA, BANCO BRADESCO S.A.
APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 595 DO CC. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DO VALOR CONTRATADO. APLICAÇÃO SÚMULAS Nº 18 E 30 DO TJPI. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS.
DECISÃO TERMINATIVA
Em exame apelação intentada a fim de reformar a sentença pela qual foi julgada a AÇÃO ANULATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDEBITO E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, aqui versada, proposta por PETRONILIA AMORIM DA SILVA, em face do BANCO BRADESCO S.A., ora apelante.
A sentença consistiu, essencialmente, em julgar parcialmente procedentes os pedidos realizados pela parte autora, para declarar a nulidade do contrato discutido nos autos e determinar a suspensão dos descontos a ele referentes, bem como para condenar a instituição bancária a restituir, de forma simples, os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte autora. Condenou, ainda, o banco apelante ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Por fim, condenou o requerido ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da Requerente, verba que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
A parte autora apela pleiteando a majoração do valor dos danos morais e condenação à repetição do indébito em dobro.
Inconformado, o banco apelante suscita, preliminarmente, a ausência dos requisitos autorizadores da gratuidade e a falta de interesse de agir. Alega a regularidade da contratação. Sustenta a inexistência de danos materiais e de danos morais ante ausência de ato ilícito. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, argumenta no sentido de que seja reduzido o valor da indenização. Requer, por conseguinte, a reforma da sentença a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos veiculados pela parte apelada.
A parte requerida, em suas contrarrazões aduz a ausência de dialeticidade recursal e o instituto da prescrição. Alega regularidade da contratação e ausência de direito ao dano moral. Pugna pelo não provimento do recurso.
A parte autora não apresentou contrarrazões.
Sem parecer de mérito do Ministério Público
É o quanto basta relatar. Decido.
Mantenho a gratuidade de justiça já deferida no primeiro grau em favor da parte autora.
FUNDAMENTAÇÃO
Primeiramente, ressalto que o artigo 932, incisos III, IV e V, do Código de Processo Civil, possibilita ao relator, através de juízo monocrático, deixar de conhecer ou promover o julgamento de recurso submetido à sua apreciação, nas seguintes hipóteses:
Art. 932. Incumbe ao relator:
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
A discussão aqui versada diz respeito a comprovação de transferência de valor em contrato de empréstimo consignado e assinatura a rogo com duas testemunhas em contratação feita por analfabeto, matérias que se encontram sumuladas neste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado Piauí, in verbis:
TJPI/SÚMULA Nº 18 – “A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil”.
“TJPI/SÚMULA Nº 30 – A ausência de assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas nos instrumento de contrato de mútuo bancário atribuídos a pessoa analfabeta torna o negócio jurídico nulo, mesmo que seja comprovada a disponibilização do valor em conta de sua titularidade, configurando ato ilícito, gerando o dever de repará-lo, cabendo ao magistrado ou magistrada, no caso concreto, e de forma fundamentada, reconhecer categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo quantum, sem prejuízo de eventual compensação.”
Dessa forma, aplica-se o art. 932, inciso, V, a, do CPC, considerando os precedentes firmados nas Súmulas 18 e 30 deste TJPI.
Passo, portanto, a apreciar o recurso.
DA PRESCRIÇÃO
Inicialmente, a parte requerida alega em seu recurso a ocorrência da prescrição trienal. Verifico que ação pugna pela nulidade do contrato de empréstimo consignado objeto da demanda supostamente firmado pelas partes litigantes, como pela repetição do indébito das quantias descontadas em benefício previdenciário e indenização por danos morais.
Destaco, de início, que, na relação jurídica formalizada entre as partes, incide o Código de Defesa do Consumidor, na forma como orienta a Súmula nº 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Nesse contexto, prevê o art. 27 do CDC, que prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Deve ser aplicado, portanto, o prazo prescricional fixado pelo CDC.
Com efeito, versando a matéria acerca de relação de trato sucessivo, a contagem referente à prescrição deve ser realizada a partir do último desconto efetuado e não do primeiro, aplicando o prazo quinquenal do CDC. Nesse sentido, eis o julgado a seguir:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. FATO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL APLICÁVEL À PRETENSÃO RESSARCITÓRIA ORIUNDA DE FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC.
2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes.
3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.720.909/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020.)
Compulsando os autos, constato que os descontos se iniciaram em 04/2019 (ID 17635158 – fls. 02) e com previsão de encerramento em 04/2025. Desta forma, tendo a ação sido ajuizada em 11/08/2020, verifica-se que não houve prescrição, impondo-se a rejeição da preliminar arguida.
DA JUSTIÇA GRATUITA
No recurso da parte requerida, esta alega ser indevido o deferimento do benefício da justiça gratuita em favor da parte autora.
A parte autora junta aos autos extrato previdenciário demonstrando receber benefício no valor de um salário-mínimo (ID 17635158 – fls. 01), renda compatível com o benefício da justiça gratuita.
Rejeito, portanto, a preliminar.
DA DIALETICIDADE
Nas contrarrazões, a parte requerida alega que o recurso da parte autora não atendeu à dialeticidade. Todavia, conforme se evidencia dos autos, o recurso autoral impugna a sentença quanto à repetição do indébito, pugnando que seja feita em dobro, bem como pela majoração da indenização por danos morais.
O pedido está impugnando de forma clara os elementos da sentença que pretende reformar.
Assim, deve ser rejeitada a preliminar.
DO INTERESSE DE AGIR
A alegação de falta de interesse de agir, suscitada pela parte requerida se confunde com o mérito, já que a análise do binômio necessidade-utilidade do processo dependerá da análise dos fatos e provas postos em juízo.
Assim, deixo para analisar tal arguição quando do julgamento do mérito.
DO MÉRITO RECURSAL
Compulsando os autos, verifica-se que o suposto contrato firmado entre as partes foi juntado ao presente feito (ID 17635329), porém, sem ter os elementos do art. 595 do CC, pois consta a digital da parte autora e apenas uma assinatura junto à digital. Por outro lado, não há prova de que a instituição financeira tenha creditado o valor objeto da suposta avença na conta bancária da parte recorrida.
Resta, assim, afastada a perfectibilidade da relação contratual, ensejando a declaração de sua inexistência, como decidido pelo juízo de primeiro grau, bem como a condenação da parte recorrente à repetição do indébito em dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC) e à indenização por danos morais, nos termos das Súmulas 18 e 30, deste eg. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
Em sendo assim, impõe-se reconhecer ao consumidor o lídimo direito previsto no art. 42, parágrafo único, do CDC:
“Art. 42. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
De resto, torna-se imperioso ressaltar, por via de consequência, que os valores cobrados e recebidos indevidamente pelo banco apelante consubstanciam conduta ilícita, por não possuírem lastro negocial válido, impondo a aceitação de que os danos sofridos pelo consumidor transcenderam a esfera do mero aborrecimento.
Afigura-se, portanto, necessária a condenação do banco apelante no pagamento de indenização pelos danos morais que causou à parte apelada.
No tocante ao montante indenizatório, sabe-se que a estipulação do montante deve ser compatível com a dor causada, bem como se ater aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, a fim de não causar o enriquecimento sem causa da vítima e fazer por onde o responsável pelo evento danoso seja excessivamente punido.
Em sendo assim, vê-se que o quantum indenizatório está fixado em patamar abaixo do razoável e proporcional, de modo que deve ser majorado, a fim de se evitar, tanto o enriquecimento sem causa de uma das partes, quanto a excessiva repreensão da outra.
Assim, majoro a indenização por danos morais ao valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
DO PEDIDO DE COMPENSAÇÃO
O banco requerido ainda pugna pela compensação do valor da condenação com o valor do suposto pagamento. Todavia, nos autos, não há comprovação do valor transferido em favor da parte autora, razão pela qual, rejeito o pedido.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, com fundamento no art. 932, V, a, do CPC, conheço dos recursos e, no mérito, nego provimento ao recurso da parte ré e DOU PROVIMENTO ao recurso da parte autora para condenar a instituição financeira a i) à devolução em dobro do que foi descontado dos proventos da parte apelante, com incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), a partir do efetivo desconto, bem como correção monetária a contar de cada desembolso (Súmula 43 do STJ); e ainda, ii) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), valor este acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ) e correção monetária a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ).
Majoro os honorários advocatícios em favor da parte autora, para 15% sobre o valor atualizado da condenação, em razão do disposto no art. 85, § 11 do CPC e tema 1.059 do STJ.
Sem honorários em favor do banco, nos termos do Tema 1059 do STJ.
Intimem-se as partes.
Transcorrido o prazo recursal sem manifestação, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição.
Cumpra-se.
Teresina – PI, data registrada no sistema.
Des. João Gabriel Furtado Baptista
Relator
0800623-96.2020.8.18.0052
Órgão JulgadorDesembargador JOÃO GABRIEL FURTADO BAPTISTA
Órgão Julgador Colegiado4ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)JOAO GABRIEL FURTADO BAPTISTA
Classe JudicialAGRAVO INTERNO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorBANCO BRADESCO S.A.
RéuPETRONILIA AMORIM DA SILVA
Publicação02/01/2025