Decisão Terminativa de 2º Grau

Crédito Direto ao Consumidor - CDC 0800503-89.2023.8.18.0103


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador AGRIMAR RODRIGUES DE ARAÚJO

PROCESSO Nº: 0800503-89.2023.8.18.0103
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
ASSUNTO(S): [Crédito Direto ao Consumidor - CDC]
APELANTE: BERNARDA ARAUJO DA SILVA, FRANCISCA MARIA SILVA OLIVEIRA
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
REPRESENTANTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A


CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO INOMINADO RECEBIDO COMO APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA CONTRÁRIA AO IRDR Nº 0759842-91.2020.8.18.0000. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO CONFIGURADA. TERMO INICIAL. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA MONOCRATICAMENTE.

 

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

Trata-se de RECURSO INOMINADO interposto por BERNARDA ARAÚJO DA SILVA contra sentença proferida pelo d. Juízo da Vara Única da Comarca de Matias Olímpio que, nos autos da Ação de Repetição de Indébito c/c Danos Morais nº 0800503-89.2023.8.18.0103, proposta em face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, II, do CPC, por reconhecer a ocorrência da prescrição trienal, com fundamento no art. 206, §3º, IV, do CC, a contar do primeiro desconto.

 

Em suas razões recursais (Id. Num. 16279544), a parte Autora, ora Apelante aduziu, em síntese, que: i) tratando-se de relação de consumo, deve incidir no caso a prescrição quinquenal, conforme art. 27 do CDC, a contar do dano ou de seu conhecimento; ii) por ser relação de trato sucessivo, cujas prestações se renovam mês a mês, renova-se também o prazo prescricional. Requereu seja o recurso conhecido e provido.

 

Contrarrazões recursais ao Id. Num. 16279549.

 

É o que importa relatar.

 

Primeiramente, não obstante o recebimento do recurso como Apelação Cível fosse (decisão ao Id. Num. 16913782), ao compulsar os autos, verifico que a presente ação tramitou pelo rito comum e, em que pese tal fato, o recorrente interpôs Recurso Inominado, quando o correto seria o recurso de Apelação (CPC, art. 1.009).

 

Por força do princípio da fungibilidade recursal, a parte recorrente não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, desde que não se trate de erro grosseiro ou má-fé e que sejam respeitados os demais requisitos formais do recurso adequado. Assim, a simples denominação atribuída ao recurso não impede o seu conhecimento se atendidas as demais exigências formais do recurso.

 

Na hipótese dos autos, deve ser conhecido o Recurso Inominado interposto contra sentença proferida na Justiça Comum como se Apelação fosse, porquanto ausente a má-fé da parte apelante, sendo observado o prazo legal do recurso de apelação.

 

Oportuno, nessa vereda, colacionar os recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PEÇA RECURSAL DENOMINADA DE RECURSO INOMINADO. POSSIBILIDADE DE CONHECER COMO RECURSO DE APELAÇÃO. CUMPRIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS DO ART. 1.010 DO CPC. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL COMPROVADA.

1. O Tribunal de origem não conheceu do recurso inominado interposto por servidor, por considerar que o recurso adequado para o caso seria o de apelação, sendo inaplicável o princípio da fungibilidade, por configurar erro grosseiro.

2. "O mero equívoco do recorrente em denominar a peça de interposição de recurso inominado ao invés de recurso de apelação não é suficiente para a inadmissibilidade do apelo" (REsp n. 1.992.754/SP, relatora Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 17/5/2022).

3. Presentes todos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 1.010 do CPC, é possível o conhecimento do recurso de apelação, ainda que a peça tenha sido incorretamente nomeada e direcionada.

Isso porque o referido dispositivo do Código de Processo Civil não elenca em seu rol a nomeação da peça recursal, nem designa o tribunal a que é dirigido, embora a presença de tais informações seja extremamente recomendável.

4. Nesse sentido, verifica-se que o recurso do agravado, apesar dos equívocos mencionados, satisfez todos os requisitos da apelação, dispostos no art. 1.010 do CPC/2015, visto que indicou os nomes e a qualificação das partes, expôs os fatos e o direito, enunciou as razões do pedido de reforma e formulou o pedido de nova decisão.

Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp n. 1.982.755/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 27/4/2023).

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PEÇA RECURSAL DENOMINADA DE RECURSO INOMINADO. POSSIBILIDADE DE CONHECER COMO RECURSO DE APELAÇÃO. CUMPRIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS DO ART. 1.010 DO CPC. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL COMPROVADA. RECURSO PROVIDO.

1. O Tribunal de origem não conheceu do recurso inominado interposto por servidor, por considerar que o recurso adequado para o caso seria o de apelação, sendo inaplicável o princípio da fungibilidade, por configurar erro grosseiro.

2. Conforme entendimento que prevaleceu nos precedentes desta Corte, apontados como paradigmas, o mero equívoco do recorrente em denominar a peça de interposição de recurso inominado ao invés de recurso de apelação não é suficiente para a inadmissibilidade do apelo.

3. Caso estejam presentes todos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 1.010 do CPC, é possível o conhecimento do recurso de apelação, ainda que a peça tenha sido incorretamente nomeada e direcionada. Isso porque o referido dispositivo do Código de Ritos não elenca em seu rol a nomeação da peça recursal, nem a menção ao tribunal a que é dirigido, embora a presença de tais informações seja extremamente recomendável.

4. Nesse sentido, verifica-se que o recurso do recorrido, em que pesem os equívocos mencionados, satisfez todos os requisitos da apelação, dispostos no art. 1.010 do CPC/2015, porquanto indicou os nomes e a qualificação das partes, expôs os fatos e o direito, enunciou as razões do pedido de reforma e formulou o pedido de nova decisão.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.992.754/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 3/5/2022, DJe de 17/5/2022).

 

Muito embora seja inegável o erro, este deve ser considerado escusável, dando maior prestígio à vontade das partes do que ao sentido literal da linguagem utilizada.

 

Assim, presentes os requisitos da tempestividade, cabimento, legitimidade, interesse e preparo, assim como ausentes as hipóteses do art. 1.012, § 1º do mesmo Estatuto Processual, recebo a Apelação em ambos os efeitos legais, razão pela qual torno sem efeito a decisão de Id. Num. 16913782, determinando sua exclusão do sistema PJe.

 

O único ponto controvertido é a ocorrência, ou não, da prescrição.

 

É o relatório. Decido fundamentadamente.

 

De saída, verifica-se que os pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal encontram-se presentes no caso em tela, uma vez que a primeira Apelação é tempestiva, atende aos requisitos de regularidade formal e teve o preparo dispensado, em virtude de tratar-se de beneficiário da justiça gratuita.

 

Além disso, não se verifica a existência de algum fato impeditivo de recurso, e não ocorreu nenhuma das hipóteses de extinção anômala da via recursal (deserção, desistência e renúncia).

 

Da mesma forma, presentes os pressupostos intrínsecos de admissibilidade, pois: a) a Apelação é o recurso cabível para atacar a decisão impugnada (art. 1.009 do CPC); b) o Apelante possui legitimidade para recorrer; e c) há interesse recursal para o apelo.

 

Assim, presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

 

Conforme relatado, a sentença recorrida reconheceu de ofício a prescrição do direito autoral de reaver os valores pagos indevidamente no contrato em questão, sob o fundamento de que, entre o primeiro desconto (10/19) realizado no benefício da parte Autora e o ajuizamento da ação (03/05/2023), já se passaram mais de três anos, prazo prescricional constante no art. 206, § 3º, IV, do CC.

 

De já, reconheço, na espécie, a típica relação de consumo entre as partes, fato incontroverso nos autos, e também tema da súmula 297 do STJ que dispõe que: “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

 

Diante da multiplicidade de ações do mesmo escopo, nas quais as Câmaras Especializadas Cíveis desta Corte de Justiça adotavam linhas de entendimento distintas, o Tribunal Pleno do sodalício admitiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0759842-91.2020.8.18.0000, visando inibir qualquer risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica pela pluralidade de decisões conflitantes sobre o mesmo assunto, conforme previsão do art. 976 do Código de Processo Civil.

 

O aludido Incidente tramitou sob Relatoria do Desembargador Harold Oliveira Rehem e, em Sessão Plenária Virtual realizada 17/06/2024, o Tribunal Pleno deste e. TJPI decidiu, à unanimidade, fixar a seguinte tese:



ii) FIXAR a tese de que nas ações declaratórias de inexistência/nulidade de contrato de empréstimo consignado em folha de pagamento, cumuladas com pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais, deve-se observar o prazo prescricional de cinco (05) anos para o seu ajuizamento, nos termos do art. 27, do CDC, cujo termo inicial é a data do último desconto indevido incidente sobre o seu benefício previdenciário. (…)

 

Destarte, uma vez que a última parcela do contrato em discussão foi paga em 10/2020, o ajuizamento da ação poderia se dar até outubro de 2025. In casu, a demanda foi proposta em maio de 2023, conforme movimentação do sistema PJe, e, portanto, dentro do prazo prescricional, de modo que não se configura a prescrição total.

 

Importante ressaltar, ainda, que, por ser a suposta relação travada entre as partes de trato sucessivo aplica-se o posicionamento do STJ, segundo o qual "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (STJ, AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017).

 

Diante disso, caso haja parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a propositura da ação, é possível reconhecer a prescrição do pedido de repetição do indébito quanto a elas.

 

Por tal razão, tendo em vista que a ação foi ajuizada em 03 de maio de 2023, não há parcelas prescritas no contrato em discussão.

 

Nessa esteira, consigno que o art. 932, V, “a” e “c” do CPC autoriza ao relator dar provimento ao recurso cuja decisão for contrária a entendimento firmado em IRDR, como se lê:

 

Art. 932. Incumbe ao relator:

(…)

V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

(…)

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

 

No caso em análise, sendo evidente oposição da sentença ao julgamento do IRDR n° 0759842-91.2020.8.18.0000, o provimento do recurso é medida que se impõe.

 

Pelo exposto, dou provimento à Apelação Cível da parte Autora.

 

Além disso, diante da impossibilidade de proceder ao julgamento do mérito da demanda, que necessita de instrução processual, visto não ter sido oportunizada a apresentação de defesa, deixo de aplicar o comando do art. 1.013, §4º, do CPC/2015 e determino o retorno dos autos ao juízo de origem, para prosseguimento do feito.

 

Por fim, quanto aos honorários advocatícios recursais, consigno que, conforme o entendimento do STJ, uma vez provido o recurso e deferida “a baixa dos autos à origem, com determinação para que se retome sua fase instrutória, não há falar em condenação em honorários advocatícios, haja vista que o processo volta a fase que precede seu julgamento, sendo essa a oportunidade para se fixar a responsabilidade pela sucumbência. Precedentes” (STJ, AgInt no AREsp 1341886/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019).

 

Assim, anulado o decisum, não cabe a fixação de honorários advocatícios em segundo grau, porquanto o momento oportuno para tanto será na prolação da nova sentença. Deixo, pois, de fixar honorários.

 

Forte nessas razões, conheço da presente Apelação Cível e no mérito, dou-lhe provimento monocraticamente, conforme o art. 932, V, c), do CPC/2015, para anular a sentença e reconhecer a ausência de prescrição, bem como para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para prosseguimento do feito.

 

Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.

 

Transcorrido o prazo sem interposição de recurso, arquivem-se os autos e dê-se baixa na distribuição.

 

 

Desembargador Agrimar Rodrigues de Araújo

Relator

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0800503-89.2023.8.18.0103 - Relator: AGRIMAR RODRIGUES DE ARAUJO - 3ª Câmara Especializada Cível - Data 10/10/2024 )

Detalhes

Processo

0800503-89.2023.8.18.0103

Órgão Julgador

Desembargador AGRIMAR RODRIGUES DE ARAÚJO

Órgão Julgador Colegiado

3ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

AGRIMAR RODRIGUES DE ARAUJO

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Crédito Direto ao Consumidor - CDC

Autor

BERNARDA ARAUJO DA SILVA

Réu

BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

Publicação

10/10/2024