Decisão Terminativa de 2º Grau

Defeito, nulidade ou anulação 0836976-94.2022.8.18.0140


Decisão Terminativa

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí

PROCESSO Nº: 0836976-94.2022.8.18.0140

CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)

ÓRGÃO JULGADOR: 4ª Câmara Especializada Cível

ASSUNTO(S): [Perdas e Danos, Defeito, nulidade ou anulação, Empréstimo consignado]

APELANTE: MARIA LUCIA DE SOUSA REIS

APELADO: BANCO DO BRASIL SA
REPRESENTANTE: BANCO DO BRASIL SA

 

 

poder judiciário 
tribunal de justiça do estado do piauí

PROCESSO Nº: 0836976-94.2022.8.18.0140

CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)

ÓRGÃO JULGADOR: 4ª Câmara Especializada Cível

ASSUNTO(S): [Perdas e Danos, Defeito, nulidade ou anulação, Empréstimo consignado]

APELANTE: BANCO DO BRASIL SA

REPRESENTANTE: BANCO DO BRASIL SA
APELADO: MARIA LUCIA DE SOUSA REIS


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DISPONIBILIZAÇÃO DO VALOR CONTRATADO. NULIDADE DA AVENÇA. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SÚMULAS 18, 26 E 30 DO TJPI. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A sentença recorrida está em plena conformidade com a jurisprudência consolidada desta Corte (Súmulas 18, 26 e 30). 2. Nas ações que discutem a validade de contrato de empréstimo consignado, uma vez determinada a inversão do ônus da prova, compete à instituição financeira o encargo de demonstrar a celebração do negócio jurídico de forma regular, mediante a juntada do comprovante de disponibilização do valor contratado, sob pena de decretação da nulidade da avença, com a produção de todas as consequências legais, em especial o dever de reparação. 3. Reconhecida a nulidade do contrato, os valores descontados indevidamente da conta bancária do aposentado devem ser ressarcidos em dobro, haja vista que a conduta da instituição financeira traduz-se em ato contrário à boa-fé objetiva, atraindo a aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC. 4. Os reiterados descontos em benefício previdenciário de valor mínimo, recebido mensalmente para o sustento do aposentado, configuram dano moral indenizável. 5. Hipótese de julgamento monocrático, conforme o art. 932, inciso IV, alínea “a”, do Código de Processo Civil. 6. Recurso conhecido e não provido.



DECISÃO TERMINATIVA


Trata-se de Apelação Cível interposta por BANCO DO BRASIL SA contra sentença proferida nos autos da ação proposta em seu desfavor por MARIA LUCIA DE SOUSA REIS, autor/apelado.

A sentença recorrida julgou procedentes os pedidos iniciais, declarando a nulidade do contrato de empréstimo consignado discutido nos autos e condenando o réu/apelante a restituir em dobro ao autor/apelado o valor descontado indevidamente de seu benefício previdenciário e a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), além de custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais.

Insatisfeito, o Banco réu interpôs recurso de apelação. Em suas razões, em matéria preliminar, defende a ausência do interesse de agir e prescrição. No mérito, alega a regularidade do contrato firmado entre as partes, de modo que se revela incabível a condenação à repetição do indébito e ao pagamento de indenização por danos morais. Nesses termos, pede a reforma da sentença, a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais.

A parte autora/apelada apresentou contrarrazões, defendendo a manutenção da sentença.

Autos não encaminhados ao Ministério Público Superior, por não se vislumbrar hipótese que justifique sua intervenção, nos termos do Ofício-Circular nº 174/2021 (SEI nº 21.0.000043084-3).

É o que basta relatar.

Inicialmente, cabe registrar que a apelação cível preenche os requisitos de admissibilidade da espécie recursal, razão pela qual deve ser conhecida. Passe-se a análise das matérias preliminar e de mérito.

Preliminares:

Ausência do interesse de agir.

 Afirma a parte requerida que não restou comprovada ou ao menos demonstrada pela parte autora que a pretensão deduzida foi resistida pelo requerido, sendo esta condição essencial para formação da lide. 

 À vista disso, argumenta que a ausência de requerimento administrativo ou mesmo de reclamação apresentada pela parte autora não atendida pelo réu caracteriza a ausência de conflito e portanto, a pretensão deduzida em Juízo carece de requisito essencial para sua válida constituição, qual seja o interesse de agir. 

 Dispõe a Constituição da República, artigo 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito. Assim, diferente do que afirma a parte demandada, à autora não é exigível valer-se, inicialmente, da via administrativa para afastar lesão a seu direito. 

 Ademais, é oportuno salientar que, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, da Carta Maior, é dever do Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. 

 Conclui-se, portanto, que a autora tem interesse de agir, uma vez que logrou êxito em demonstrar a necessidade e a utilidade da prestação jurisdicional, razão pela qual afasto a preliminar levantada pela parte demandada.

Prescrição: 

 No tocante à matéria da prescrição, aplica-se o disposto no art. 27 da legislação consumerista, in verbis

 Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Por conseguinte, no âmbito das relações de consumo, é de 5 (cinco) anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, contados da ciência do evento danoso. 

 Consequentemente, sendo aplicável o prazo quinquenal disposto de forma específica na legislação consumerista, não há que se falar na aplicação do prazo prescricional de 3 (três) anos previsto no Código Civil. 

 Ademais, merece destaque o fato de que os descontos incidentes na conta bancária da parte autora/apelante ocorreram mensalmente, o que evidencia a existência de obrigação de trato sucessivo. Em casos como esse, é cediço que a pretensão de reparação pelo dano sofrido renova-se mês a mês, de modo que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional deve ser tido como sendo a data do último desconto sofrido. 

Destaque-se que a firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se nesse mesmo sentido: 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. DATA DO PAGAMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Em demandas como a do presente caso, envolvendo pretensão de repetição de indébito, aplica-se prazo prescricional quinquenal a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento indevido. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.799.042/MS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/9/2019, DJe de 24/9/2019.) 

Também, é o entendimento dominante no âmbito deste Tribunal de Justiça: 

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DO ARTIGO 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. ACOLHIDA. APELAÇÃO CONHECIDA. RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO. 1. Aplicáveis ao caso concreto as disposições do art. 27 do Código DC, que prevê que é de 05 (cinco) anos o prazo prescricional, posto que se trata de relação de consumo. 2. Em se tratando de prestação de trato sucessivo, a cada desconto efetuado no benefício se renova o prazo prescricional quinquenal. Aplica-se tão somente àquelas parcelas vencidas antes do quinquênio legal, mantendo-se, entretanto, o direito do autor à reparação dos danos sofridos. 3. Preliminar acolhida. Apelação conhecida para afastar a incidência do prazo prescricional aplicado pelo magistrado sobre as parcelas que ainda não se encontravam prescritas à data da propositura da ação, em razão do trato sucessivo. 4. Anulação da decisão vergastada, a fim de regressarem os autos ao juízo de origem para que ocorra o regular processamento da lide e novo julgamento da ação, em respeito ao devido processo legal (TJPI | Apelação Cível Nº 2018.0001.003296-0 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 22/01/2019). 

 No caso dos autos, analisando-se o histórico de consignações no benefício previdenciário da autora/apelante, constata-se que o primeiro desconto relativo ao contrato impugnado (nº 919651140) ocorreu em 22/05/2019, com a previsão de pagamento em 60 parcelas mensais, findando-se em 05/06/2025, e o ajuizamento da presente ação ocorreu em 16/08/2022. 

Por conseguinte, a demanda foi proposta antes do decurso do prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Desse modo, impõe-se concluir pela não ocorrência da prescrição da pretensão autoral.

Mérito

No presente recurso, discute-se a validade de contrato de empréstimo consignado, o qual vem ocasionando descontos na conta bancária de titularidade da parte autora/apelada.

Pois bem. A propósito da questão discutida, importa destacar que este Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência sobre a matéria, por meio da edição dos seguintes enunciados sumulares:

Súmula 18 – “A ausência de transferência do valor do contrato para conta bancária de titularidade do mutuário enseja a declaração de nulidade da avença e seus consectários legais e pode ser comprovada pela juntada aos autos de documentos idôneos, voluntariamente pelas partes ou por determinação do magistrado nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil”

Súmula 26 – “Nas causas que envolvem contratos bancários, aplica-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art, 6º, VIII) desde que comprovada sua hipossuficiência em relação à instituição financeira, entretanto, não dispensa que o consumidor prove a existência de indícios mínimos do fato constitutivo de seu direito, de forma voluntária ou por determinação do juízo”

Nesse sentido, sendo precisamente esse o entendimento aplicável ao caso dos autos, impõe-se reconhecer que a sentença recorrida está em plena conformidade com a jurisprudência consolidada desta Corte.

De fato, analisando-se os elementos reunidos nos autos, verifica-se que, determinada a inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII, do CDC), o Banco réu/apelante não se desincumbiu do seu encargo de demonstrar a celebração do negócio jurídico de forma regular, mediante a juntada do comprovante de disponibilização do valor do empréstimo à parte autora/apelada. 

Por conseguinte, resulta configurada a prática de ato ilícito pela instituição financeira, situação que é apta a ensejar a nulidade da avença, com a produção de todas as consequências legais, em especial o dever de reparação. 

Nesse caso, compete ao magistrado, no caso concreto e de forma fundamentada, estabelecer as categorias reparatórias devidas e fixar o respectivo montante indenizatório, sem prejuízo de eventual compensação. 

Pois bem. A nulidade do contrato de empréstimo consignado importa o desfazimento de todos os seus efeitos de forma retroativa, retornando-se as partes ao estado anterior. À vista disso, deve o Banco réu/apelante restituir os valores cobrados indevidamente da conta bancária da parte autora/apelada.

Além disso, entende-se que essa devolução deve ocorrer de forma dobrada, uma vez que a conduta intencional da instituição financeira, de efetuar as cobranças à mingua de negócio jurídico idôneo a autorizá-las, traduz-se em ato contrário à boa-fé objetiva. Sob essa ótica, a situação descrita atrai a aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC, que assim dispõe:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Isso porque, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “a restituição em dobro do indébito independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva" (EAREsp 676.608/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021).

Desse modo, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados é medida que se impõe.

No mais, a fim de que se faça justiça isonômica, não se pode considerar o desgaste emocional do aposentado como mero aborrecimento, ou dissabor do cotidiano, ante a peculiaridade de se tratar de beneficiário de valor módico, o que exige tratamento diferenciado.

É que a privação do uso de determinada importância, subtraída do parco benefício previdenciário, recebido mensalmente para o sustento do aposentado, gera ofensa à sua honra e viola os seus direitos da personalidade, na medida em que a indisponibilidade do numerário reduz ainda mais suas condições de sobrevivência.

Diante disso, entende-se que resultam suficientemente evidenciados os requisitos que ensejam a reparação por danos morais. 

O valor fixado a título de indenização, por sua vez, deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, com a intensidade e a duração do sofrimento experimentado pela vítima, com a capacidade econômica do causador do dano e, ainda, com as condições sociais do ofendido. Além disso, a quantia arbitrada deve atender os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando, ainda, o caráter pedagógico desse tipo de condenação.

Diante dessas ponderações e atentando-se aos valores que normalmente são impostos por esta Corte, entende-se como legítima a fixação da verba indenizatória no patamar de R$ 3.000,00 (três mil reais).

À luz de todo o explicitado, portanto, conclui-se que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.

Oportuno registrar, nesse ponto, que as súmulas editadas pelo Plenário do Tribunal constituem espécie de precedente qualificado, cuja observância é obrigatória por seus juízes e demais órgãos fracionários, a teor do que prescreve o art. 927, inciso V, do Código de Processo Civil: 

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Por essa razão, o diploma processual autoriza que o relator negue provimento ao recurso que for contrário a súmula do próprio tribunal:

Art. 932. Incumbe ao relator:

[...]

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

[...]

Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:

I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V;

Em conclusão, CONHECE-SE do presente recurso de apelação cível, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se a sentença em todos os seus termos.

Em acréscimo, MAJORAM-SE os honorários advocatícios sucumbenciais impostos ao réu/apelante, para o percentual de 15% (quinze) por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos dos §§ 1º e 11º do art. 85 do CPC.

Intimem-se. Cumpra-se.

Transcorrido o prazo sem impugnação, certifique-se o trânsito em julgado da decisão e dê-se baixa na distribuição.



Teresina, 8 de outubro de 2024.


Desembargador ANTÔNIO REIS DE JESUS NOLLÊTO

Relator

 

(TJPI - APELAÇÃO CÍVEL 0836976-94.2022.8.18.0140 - Relator: ANTONIO REIS DE JESUS NOLLETO - 4ª Câmara Especializada Cível - Data 08/10/2024 )

Detalhes

Processo

0836976-94.2022.8.18.0140

Órgão Julgador

Desembargador ANTÔNIO REIS DE JESUS NOLLETO

Órgão Julgador Colegiado

4ª Câmara Especializada Cível

Relator(a)

ANTONIO REIS DE JESUS NOLLETO

Classe Judicial

APELAÇÃO CÍVEL

Competência

Câmaras Cíveis

Assunto Principal

Defeito, nulidade ou anulação

Autor

BANCO DO BRASIL SA

Réu

MARIA LUCIA DE SOUSA REIS

Publicação

08/10/2024