TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Cível
APELAÇÃO CÍVEL (198) No 0800174-58.2022.8.18.0056
APELANTE: ELISA ALVES VIEIRA
Advogado(s) do reclamante: ALESSON SOUSA GOMES CASTRO, NEWTON LOPES DA SILVA NETO
APELADO: BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A.
REPRESENTANTE: BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A.
RELATOR(A): Desembargador RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 206, V, DO CC. RELAÇÃO REGIDA PELO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO OCORRÊNCIA. TRATO SUCESSIVO. INCIDÊNCIA A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA.
I – A aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no CDC é incontroversa, porquanto consolidou-se na jurisprudência pátria o entendimento de que deve incidir as normas previstas no CDC às instituições financeiras, portanto, cingindo-se a discussão a saber o termo inicial do referido elastério prazal.
II - Nos casos de contrato de empréstimo consignado, a suposta violação do direito e conhecimento do dano e de sua autoria ocorrem de forma contínua, a partir do desconto de cada parcela, isto é, mês a mês, notadamente, porque se trata de relação jurídica de trato sucessivo.
III - Como se vê, evidenciado que o prazo prescricional quinquenal, previsto no CDC, renova-se, in casu, mês a mês, porque se cuida de relação jurídica de trato sucessivo, apreende-se dos autos que o Contrato nº 110055385 teve seu último desconto em abril/2020 (id 8625418), assim, tendo a Ação sido ajuizada em 03/02/2022 (id 8624863), a pretensão da Apelante não prescreveu, uma vez que seu termo final dar-se-ia somente em maio/2025, portanto a anulação da sentença recorrida é medida que se impõe.
IV – Apelação Cível conhecida e provida.
RELATÓRIO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800174-58.2022.8.18.0056.
APELANTE: ELISA ALVES VIEIRA.
Advogado(s): Alesson Sousa Gomes Castro (OAB/PI nº 10.449) e Outro.
APELADO: BANCO OLÉ BONSUCESSO CONSIGNADO S.A.
Advogado: Sem advogado constituído nos autos.
RELATOR Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO.
Vistos etc.,
Cuida-se, in casu, de Apelação Cível, interposta por ELISA ALVES VIEIRA, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Itaueira/PI, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, proposta em face de BANCO OLÉ BONSUCESSO CONSIGNADO S.A., tendo como objeto principal a declaração de inexistência do negócio jurídico n° 110055385, identificado na petição inicial (id 8624864).
Na sentença recorrida (id 8625421), o Juiz a quo reconheceu a prescrição da pretensão da Apelante, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, II, do CPC.
Nas suas razões recursais (id 8625425), a Apelante sustenta a necessidade de reforma da sentença, arguindo que foi reconhecida a ocorrência da prescrição trienal, contudo, no caso, o prazo prescricional é de 05 (cinco) anos, tratando-se de relação de trato sucessivo, pois a demanda versa sobre relação jurídica de consumo, estando sujeita ao CDC, sendo aplicada a regra do art. 27, do aludido Codex.
Intimado, o Apelado não apresentou contrarrazões.
Juízo de admissibilidade positivo realizado por este Relator nos termos da decisão id nº 8889765.
O Ministério Público Superior deixou de emitir parecer de mérito, albergado pela desnecessidade de intervenção do Parquet (id 9098439).
É o Relatório.
Constatando que o presente feito encontra-se apto para julgamento, DETERMINO a sua inclusão na pauta de julgamento do Plenário Virtual da 1ª Câmara Especializada Cível, nos moldes do disposto no art. 934, do CPC.
Cumpra-se, imediatamente.
Teresina/PI, data da assinatura eletrônica.
Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO
RELATOR
VOTO
VOTO
VOTO
I – DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Juízo de admissibilidade positivo realizado por este Relator conforme decisão id nº 8889765, razão por que reitero o conhecimento deste Apelo.
II – DO MÉRITO
Na sentença recorrida, o Juiz de 1º grau reconheceu a prescrição da pretensão da Apelante, aplicando o prazo prescricional de 03 (três) anos, previsto no art. 206, §3º, V, do CC, por entender que não incidem as normas consumeristas no caso, ante a negativa de relação contratual com o Apelado, sob os seguintes fundamentos, in litteris:
“Assim, a matéria discutida nestes autos já prescreveu, tendo em vista que o negócio jurídico entre as partes (contrato nº 110055385) conforme consta no documento juntado, iniciou em ABRIL DO ANO DE 2016 logo, deveria ter sido ajuizada ação dentro dos três anos que ocorreu o primeiro desconto indevido, uma vez que a parte autora alega inexistência de relação jurídica entre as partes. A ação apenas foi ajuizada em FEVEREIRO DO ANO DE 2022. Ante o exposto, extingo o procedimento com resolução do mérito pela prescrição.”.
Quanto ao ponto fulcral do entendimento exposto no decisum recorrido, no caso, considerando-se que se trata de ação objetivando a declaração de inexistência de contrato supostamente firmado entre as partes, a repetição de indébito, assim como a indenização por danos morais, ainda que seja negada a existência de relação contratual pela Apelante, trata-se de típica relação de consumo entre as partes, uma vez que está sendo questionada a prestação de um serviço supostamente fornecido pelo Recorrido à Recorrente, mas que, em tese, não foi solicitado ou firmado por este.
Nesse contexto, de acordo com o teor do Enunciado nº 297, da Súmula do STJ, as instituições bancárias, como prestadoras de serviços, estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, no caso, justamente porque o cerne da demanda se reporta a negativa de contratação do serviço supostamente ofertado pelo Apelado à Apelante.
Logo, in casu, a aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no CDC é incontroversa, porquanto se consolidou na jurisprudência pátria o entendimento de que deve incidir as normas previstas no CDC às instituições financeiras, portanto, cingindo-se a discussão a saber o termo inicial do referido elastério prazal.
Nos casos de contrato de empréstimo consignado, a suposta violação do direito e conhecimento do dano e de sua autoria ocorrem de forma contínua, a partir do desconto de cada parcela, isto é, mês a mês, notadamente, porque se trata de relação jurídica de trato sucessivo.
Dessa forma, em se tratando de modelo negocial de execução continuada, no qual o desconto incide mensalmente nos proventos da Apelante, o prazo prescricional renova-se mês a mês, cada vez que ocorre um novo desconto, tornando-se, assim, conhecido o ato danoso e a sua autoria.
Com isso, em homenagem ao princípio actio nata, a prescrição da pretensão de compensação pelos danos morais sofridos difere da referente à repetição do indébito (dano material), sendo a primeira absoluta ou de fundo de direito, renovando-se a cada desconto, e a última relativa ou progressiva, de modo que cada parcela prescreve autonomamente, razão por que o direito à repetição do indébito (art. 42, do CDC) – indenização por dano material – limita-se às parcelas descontadas indevidamente nos 05 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação e àquelas que ocorrerem no curso desta.
Nesse diapasão, colaciona-se alguns julgados demonstrativos da jurisprudência dos tribunais pátrios, inclusive deste TJPI, que espelham as razões explanadas, litteris:
“EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 27 DO CDC – TERMO INICIAL – DATA DO ÚLTIMO DESCONTO – RECONHECIDA. TESE FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO DEMONSTRADA NÃO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTIFICAÇÃO – PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nos termos do art. 27, do CDC, prescreve em cinco anos a pretensão de obter reparação em vista de cobrança indevida (CDC, art. 27), sendo o termo inicial da contagem do prazo prescricional a data do último desconto. "O termo inicial para contagem do prazo prescricional nas ações que versem sobre empréstimo consignado conta-se a partir do último desconto realizado". (TJMS. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0801506-97-.2016.8.12.004/5000). "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." (Súmula 479, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012) Analisadas as condições econômicas das partes, o valor arbitrado a título de danos morais deve ser fixado de forma a reparar o sofrimento da vítima e penalizar o causador do dano, respeitando a proporcionalidade e razoabilidade.
(TJMS. Apelação Cível n. 0800879-26.2017.8.12.0015, Miranda, 3ª Câmara Cível, Relator (a): Des. ODEMILSON ROBERTO CASTRO FASSA, j: 31/08/2020, p: 14/09/2020)”.
“APELAÇÃO CÍVEL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1 - Tratando-se de obrigação de trato sucessivo (contrato de empréstimo consignado), onde a violação do direito ocorre de forma contínua, mês a mês, o termo inicial da prescrição é a data correspondente ao vencimento da última parcela e não ao da primeira. Prescrição afastada. Precedentes.
2 – Sentença reformada e determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento do feito.
3 - Recurso conhecido e provido.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2017.0001.007448-2 | Relator: Des. OTON MÁRIO JOSÉ LUSTOSA TORRES | 4ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 19/12/2017)”.
Como se vê, evidenciado que o prazo prescricional quinquenal, previsto no CDC, renova-se, in casu, mês a mês, porque se cuida de relação jurídica de trato sucessivo, apreende-se dos autos que o Contrato nº 110055385 teve seu último desconto em abril/2020 (id 8625418), assim, tendo a Ação sido ajuizada em 03/02/2022 (id 8624863), a pretensão da Apelante não prescreveu, uma vez que seu termo final dar-se-ia somente em maio/2025, portanto a anulação da sentença recorrida é medida que se impõe.
Por fim, ressalte-se que não se ignora a Teoria da Causa Madura (efeito desobstrutivo do Recurso), prevista no art. 1.013, § 4º, do CPC, todavia, no caso sub examen, é impossível a aplicação da referida Teoria, na medida em que o processo não se encontra em estado de julgamento, porquanto não foi efetivada instrução hábil no primeiro grau, não havendo como se examinar acerca da suposta nulidade da relação contratual.
Dessa forma, o procedimento correto a ser adotado, in casu, é a reforma da sentença, com a determinação da remessa dos autos do processo à origem, para que seja regularmente desenvolvido e julgado, aliás, para que não seja usurpada a competência da Instância a quo, já que o presente Apelo é desprovido de efeito desobstrutivo.
III – DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, CONHEÇO da APELAÇÃO CÍVEL, por atender aos seus requisitos legais de admissibilidade, e DOU-LHE PROVIMENTO para ANULAR a SENTENÇA RECORRIDA, por error in judicando, pelo que DETERMINO a REMESSA dos AUTOS do PROCESSO à ORIGEM, para que seja regularmente desenvolvido e julgado pelo Juízo a quo, uma vez que o presente Apelo não é dotado de efeito desobstrutivo.
É o VOTO.
Teresina-PI, data da assinatura eletrônica.
Des. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO
RELATOR
Teresina, 05/07/2023
0800174-58.2022.8.18.0056
Órgão JulgadorDesembargador DIOCLÉCIO SOUSA DA SILVA
Órgão Julgador Colegiado1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)RAIMUNDO EUFRASIO ALVES FILHO
Classe JudicialAPELAÇÃO CÍVEL
CompetênciaCâmaras Cíveis
Assunto PrincipalEmpréstimo consignado
AutorELISA ALVES VIEIRA
RéuBANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A.
Publicação13/07/2023